18/05/2024 - Edição 540

Ecologia

As demandas dos povos da floresta para a Cúpula da Amazônia

Brasil e países tropicais se unem para confrontar agenda climática de ricos

Publicado em 08/08/2023 10:23 - Nádia Pontes, Louise Osborne e Tim Schauenberg (DW), Jamil Chade (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Nádia Pontes - DW

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Foi necessária a ajuda de várias pessoas para que Maria Francineide Ferreira conseguisse viajar de Altamira a Belém, no Pará, para trazer a mensagem dos ribeirinhos atingidos pela usina Belo Monte. No auditório principal dos Diálogos Amazônicos, que antecedeu a chegada de chefes de Estado para a Cúpula da Amazônia, nta terça-feira (08/08), Ferreira resumiu em três minutos os impactos que vivem desde o barramento do rio Xingu, em 2015.

“Não tem mais peixes, por isso falta renda e comida. Os pescadores foram expulsos do rio, jogados em assentamentos de concreto. Muitos não têm condição de pagar energia, estão doentes, não têm acesso a água potável e ainda estão sendo ameaçados por ‘falarem demais'”, disse Ferreira à DW.

Ela vibrava após ter se pronunciado ao microfone diante da ministra de Meio Ambiente, Marina Silva. Aquele espaço também havia sido disputado: lideranças populares de toda a Amazônia aguardavam numa lista e torciam para serem chamadas ao palco, depois de enfrentarem dias de viagem e dificuldades na expectativa de serem ouvidas.

“Ela ficou muito impactada”, comenta Ferreira sobre a reação da ministra após sua intervenção. “Mas o governo do PT tem essa grande dívida com o povo do Xingu. Belo Monte foi o maior erro. A gente sabe que, se não fosse o PT, seria Bolsonaro, porque a pressão era grande”, pontua à DW, citando a administração de Dilma Rousseff.

Ferreira, 54 anos, defende reparação aos ribeirinhos impactados pela construção da hidrelétrica no Pará, estado que cobra uma das tarifas mais caras de energia. E teme como o planejamento de grandes empreendimentos serão abordados no acordo que sairá da reunião dos presidentes que participam da cúpula, marcado para acontecer no mesmo local que sediou os Diálogos Amazônicos, um centro de convenções de 24 mil m² refrescado por ar condicionado.

Esforço dos indígenas para serem ouvidos

A dois quilômetros dali, debaixo de tendas cobertas por lona rodeadas por concreto no sambódromo da cidade, lideranças indígenas de todos os países amazônicos elaboraram suas próprias propostas. Sem apoio de dinheiro público, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) captou recursos e apoiou a ida de aproximadamente 700 pessoas, que acamparam num parque de Belém.

“O governador do Pará, Helder Barbalho, diz que precisa de apoio para manter a floresta em pé. Como se mantém a floresta em pé? Somos nós que fazemos isso! Ele cria o dia do garimpeiro, autoriza garimpo pelas secretarias municipais. É muito contraditório”, diz Auricelia Arapiun, coordenadora executiva do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns.

Jonas Reis, cacique e professor do povo Mura, viajou cinco dias de barco para trazer as expectativas dos moradores da Terra Indígena (TI) Gavião. Na região onde vive, município de Silves, Amazonas, a exploração de gás natural preocupa os indígenas.

“Faz muito barulho, sentimos a poluição com queima de gás, o tráfego de caminhões, o movimento das balsas. Isso afugenta as caças e os peixes”, diz, citando alguns possíveis impactos do plano para explorar petróleo e potássio nos arredores da TI.

Marlon Vargas, presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana (Confeniae), tem a expectativa de que seu país proíba de vez a exploração de petróleo na Reserva Yasuni, área de conservação amazônica que tem a maior reserva do combustível fóssil do Equador.

“É um feito histórico. Nunca deixamos de brigar por isso nas ruas, nos tribunais, nas greves”, diz Vargas à DW, que veio a Belém pedir apoio às demais organizações indígenas da Amazônia.

Numa carta elaborada durante os encontros paralelos e que será entregue aos presidentes dos países amazônicos, os indígenas demandam garantia de demarcação e titulação até no máximo 2025.

O documento também pede a conservação de pelo menos 80% da Amazônia até 2025, com meta de zerar o desmatamento até 2030. O objetivo é evitar o ponto de não retorno: estudos científicos estimam que se a devastação acabar com 25% da Amazônia, a floresta perde a capacidade de se regenerar e entra num processo de savanização. Atualmente, a Amazônia perdeu 15% de sua cobertura vegetal original. No Brasil, que detém 60% da área do bioma, 20% já sumiram.

Regras do mercado como solução?

Presença constante durante os dias de reunião da sociedade civil, o anfitrião Helder Barbalho criticou os países europeus que, segundo ele, têm uma visão “romantizada” de preservação da Floresta Amazônica.

“Eles apelam a nós que devemos preservar a floresta. Mas nós temos que apresentar soluções que possam preservar a floresta e cuidar das pessoas. Enquanto a floresta viva não valer mais que floresta deitada, nós vamos perder essa jornada”, respondeu à DW após uma coletiva de imprensa.

Barbalho disse que o estado não tem condições econômicas de abrir mão da mineração, mas se esquivou quando questionado sobre autorização de abertura de garimpo dada por prefeituras paraenses. Para ele, a conservação da Amazônia, apontada como reguladora do clima global por cientistas, depende da monetização da floresta.

Kaianaku Kamaiura, jovem integrante da Coiab, fala que esse discurso tem provocado uma corrida que tem deixado os indígenas, apontados como guardiões da floresta, em desvantagem. O processo natural de fotossíntese das árvores, que removem CO2 da atmosfera, tem ganhado peso como moeda no mercado voluntário de carbono. Países que emitem mais gases do efeito estufa podem abater essa carga comprando créditos de quem maneja grandes áreas de florestas – ou seja, de povos indígenas.

“Nós identificamos pelo menos 18 contratos assinados entre empresas e comunidades. São contratos absurdos de empresas pequenas que vão nos territórios com contratos prontos e que não apresentam regras claras de como vai funcionar o mecanismo. Eles tentam chamar a atenção das lideranças com promessas milionárias”, diz Kaianaku à DW.

A suspeita, afirma, é que as empresas estão tentando criar um monopólio para, mais tarde, fazerem a comercialização desses créditos fora do Brasil a preços bem mais altos.  “Isso está virando uma ameaça, como a mineração, a soja, o garimpo. E quem compra esses créditos não está preocupado se as comunidades estão sendo consultadas de forma correta e se estão, de alguma forma, recebendo um benefício justo. Por isso, toda essa questão de monetizar a floresta precisa ser muito conversada”, finaliza.

Desmatamento na Amazônia tem bons sinais, mas segue desafio

Apesar de ser uma das mais importantes sequestradoras de carbono da atmosfera global, absorvendo enormes quantidades de dióxido de carbono liberadas pela queima de combustíveis fósseis, a floresta amazônica segue sob ameaça e já perdeu cerca de 17% de sua área.

Para discutir como protegê-la, líderes de oito países da região se reúnem nesta semana em Belém do Pará em uma cúpula que debaterá também o desenvolvimento sustentável da floresta e o papel dos povos indígenas.

Cerca de 60% da floresta está em território brasileiro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que assumiu o cargo em janeiro deste ano, tem insistido que o mundo precisa ajudar a preservar e desenvolver a região.

Novo presidente, novas esperanças

Sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), vastas áreas da Amazônia foram destruídas para dar lugar à mineração, à pecuária e ao cultivo de soja. Somente em 2022, último ano do mandato dele, foram perdidos quase dois milhões de hectares de floresta – ou 20 mil km², o equivalente a mais de 13 vezes a área da cidade de São Paulo.

Ao longo do seu mandato, o ex-presidente enfraqueceu leis de combate ao desmatamento e estruturas de fiscalização, reduziu os orçamentos de agências que monitoram crimes ambientais e apoiou leis que permitem a mineração em terras indígenas.

O resultado foi o avanço do desmatamento: enquanto em 2015 o Brasil respondia por pouco mais de um quarto da perda global de cobertura vegetal em florestas tropicais virgens – aquelas que se encontram em seu estado original ou que sofreram pouca ação humana –, o número saltou para 43% em 2022, segundo o relatório Global Forest Watch (GFW) publicado pela organização de pesquisa World Resources Institute (WRI).

Mas a tendência parece estar se revertendo. Dados oficiais apontam queda de 33,6% no índice de desmatamento na região amazônica do Brasil no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2022. Ao jornal britânico The Guardian, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que a queda para o mês de julho foi de 60% comparado ao mesmo período do ano anterior.

Combate ao crime organizado é desafio à proteção da Amazônia

Lula prometeu acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 – uma meta ambiciosa que, segundo especialistas, pressupõe cooperação internacional.

Professora especializada em uso da terra e mudanças ambientais na Universidade de Brasília (UNB), Mercedes Bustamante lista entre algumas das maiores ameaças à floresta o crime organizado, e afirma que a cúpula é essencial para lidar com esse desafio.

“A maioria das atividades relacionadas ao desmatamento na região atualmente está ligada ao crime organizado, e o crime organizado não reconhece fronteiras”, disse à DW. “Precisamos de ação integrada entre os países da bacia amazônica para conseguir rastrear essas atividades ilegais de forma mais eficiente e eficaz.”

Desmatamento de florestas tropicais em alta

Em 2022, o Brasil foi de longe o país campeão em perda de cobertura florestal. A República Democrática do Congo e a Bolívia ficaram em um distante segundo e terceiro lugar, respectivamente.

Mas o desmatamento continua sendo um grande problema global. Dados da Universidade de Maryland, Estados Unidos, apontam que a perda de florestas tropicais virgens chegou a 41 mil km², um aumento de 10% em relação a 2021 e o equivalente a quase um estado do Rio de Janeiro inteiro, ou 11 campos de futebol por minuto.

A destruição tem tido um impacto devastador sobre o clima.

Florestas são sumidouros de carbono, absorvendo cerca de duas vezes mais dióxido de carbono (CO2) do que emitem a cada ano.

Especialmente as florestas tropicais têm papel essencial para o cumprimento das metas climáticas porque elas armazenam mais CO2 do que outros tipos de vegetação. E à medida em que são destruídas, elas liberam no ar boa parte do carbono que haviam sequestrado.

Só nos trópicos, a perda de cobertura florestal foi responsável por 2,7 gigatoneladas de emissões de CO2 – o equivalente, segundo o WRI, às emissões decorrentes da queima de combustíveis fósseis na Índia, país mais populoso do mundo.

Sinais promissores

Em nenhum lugar do mundo esse fenômeno tem sido tão problemático quanto no Brasil. A perda de florestas primárias – ou virgens – no país aumentou 15% entre 2021 e 2022. Isso significa que as matas do país estão armazenando menos CO2. O relatório do WRI cita que esse quadro, uma vez se perpetuando, pode eventualmente “levar a um ‘ponto de inflexão’ a partir do qual a maioria do ecossistema se converterá em uma savana”.

Mas novos dados que apontam para uma queda nos índices de desmatamento e o fortalecimento do Ibama, a agência de proteção ambiental, são sinais promissores.

“Vimos nos primeiros três meses um aumento no número de multas do Ibama por crimes ambientais”, aponta Catarina Jakovac, a bióloga da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “É um sinal de que o Ibama está de volta e realmente combatendo o desmatamento. Estamos vendo essas mudanças e espero que vejamos resultados logo.”

Combate ao desmatamento na Amazônia é corrida contra o tempo

Lula tem um histórico bem-sucedido de redução do desmatamento na Amazônia. Em seus dois primeiros mandatos, de 2003 a 2010, esses índices caíram 80% antes de subirem de novo em 2012, segundo informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O aumento de áreas protegidas, a demarcação de terras indígenas e o monitoramento da floresta foram algumas das medidas implementadas no período.

“O governo Lula retomou o processo de designação e demarcação de áreas protegidas e terras indígenas, reconhecendo a importância dessas ações para proteger o meio ambiente, mas também os direitos e a importância das pessoas que vivem na região”, analisa Paulo Massoca, cientista ambiental e pós-doutorando na Indiana University Bloomington.

A extensão de medidas como essa a outros países além do Brasil pode ser parte das soluções apresentadas na cúpula desta semana. A busca por caminhos para o desenvolvimento de países amazônicos também deve ser outro tema importante nas discussões.

Bustamante, da UNB, explica que nesse quesito há visões opostas sobre o papel da Amazônia, com políticos “tradicionais” priorizando o desenvolvimento em detrimento da conservação, de um lado, e setores sociedade civil, indígenas entre eles, defendendo a proteção ambiental como algo crucial ao desenvolvimento.

É o maior desafio que o Brasil tem diante de si. Mas Bustamante diz que chegar à meta de desmatamento zero e salvar uma das maiores armas do mundo no combate às mudanças climáticas irá demandar um esforço conjunto, bem como aportes financeiros da comunidade internacional.

“Não há dúvidas de que os países amazônicos são responsáveis pela região amazônica, mas eles também precisam de apoio global. Países desenvolvidos realmente têm que se comprometer com a preservação da Amazônia – e do clima global também”, opina.

Brasil e países tropicais se unem para confrontar agenda climática de ricos

Os países da Amazônia, governos africanos e autoridades da Indonésia assinarão uma declaração no dia 9 de agosto em Belém estabelecendo uma aliança informal com o objetivo de coordenar posições para as negociações climáticas internacionais.

O texto da declaração já foi negociado e, segundo o UOL apurou, aguarda apenas uma chancela final dos países envolvidos para ser considerado como concluído. Fazem parte da iniciativa o Brasil, os demais países da bacia amazônica, a República Democrática do Congo e Indonésia. Juntos, esses territórios representam a maior parcela das florestas tropicais do planeta.

De acordo com diplomatas envolvidos no processo, a nova aliança que será anunciada durante a Cúpula da Amazônia é, acima de tudo, uma iniciativa política, com o objetivo explícito de não permitir que os emergentes e países com vastas florestas tropicais fiquem reféns da agenda e da pressão dos países ricos durante a Conferência das Nações Unidas para o Clima.

A próxima reunião da COP ocorre no final do ano nos Emirados Árabes Unidos e a esperança é de que, com a coalizão, os emergentes possam iniciar um processo de diálogo que permita que cheguem em uma posição de força aos grandes encontros internacionais.

Em uma nota, o Itamaraty apenas indicou que “na ocasião, serão exploradas convergências, de forma a iniciar um processo de construção de posições coordenadas, a serem levadas às negociações multilaterais em temáticas ambientais, a começar pela COP-28 do Clima e pela COP-16 de Biodiversidade”.

Ao longo de anos, a falta de um posicionamento comum entre os países em desenvolvimento permitiu que Europa e EUA exercessem pressões no mundo dos acordos na conferência da ONU, minando os interesses dos emergentes ou simplesmente impossibilitando um avanço.

Com o acordo, o trabalho será o de realizar reuniões a partir de agora para aproximar as posições dos governos em cada um dos temas que serão discutidos na COP.

Pelos cálculos do governo brasileiro, não haverá como realizar uma pressão maior sobre os países ricos ou cobrar que os interesses dos emergentes sejam considerados se não houver uma coalizão mais ampla.

Além disso, a meta brasileira é de que o tema da preservação das florestas seja fortemente influenciado por aquelas regiões do mundo onde a cobertura florestal ainda é importante, e não por países que já desmataram amplas parcelas de suas florestas.

A meta, porém, é mais ampla e não termina apenas nos Emirados Árabes. Segundo diplomatas, o trabalho entre os países continuará até a conferência da ONU, organizada para ser realizada em Belém, em 2025.

“A ideia é de começar uma construção em Belém, nesta semana, que nos leve a uma posição clara para a COP de 2025, uma vez mais em Belém”, explicou ao UOL um diplomata, na condição de anonimato.

A tentativa de formar uma aliança para influenciar a agenda internacional já havia sido feita no início do primeiro mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, quando o país montou uma aliança de produtos agrícolas – conhecidos como G20 – e que bloquearam o protagonismo de europeus e americanos na definição das regras mundiais do comércio.

Agora, Lula insiste que uma nova governança é necessária para lidar com a questão climática e, em discurso nos fóruns internacionais, tem insistido que os países ricos não cumpriram suas promessas de ajudar financeiramente os emergentes e nem atingir as metas do Acordo de Paris.


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