19/05/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Tá tudo dominado

Publicado em 30/09/2020 12:00 - Idelber Avelar

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A indicação de Kassio Nunes Marques, de 48 anos, ao STF, pegou muito jurista aí no contrapé.

Essa indicação ao STF é o batom na cueca da pemedebização da relação do bolsonarismo com o Supremo. Temos aqui, no judiciário, na Corte última, uma espécie de equivalente do acordo do minúsculo com o Centrão no parlamento.

Bolsonaro deixa de nomear algum psicopata olavista deusvultinho e não nomeia Aras, que está lhe servindo bem na PGR, e também não nomeia Noronha, que lhe está servindo bem no STJ. Em time que está ganhando, não se mexe. Não nomeando-os, ele os mantêm humilhantemente disputando gincanas de subserviência um com o outro pela vaguinha que resta.

Kassio é apadrinhado de Ciro Nogueira. Com sua nomeação, “bem recebida” pelos magistocratas do STF, o Supremo em troca normaliza de vez o bolsonarismo.

O nomeado é Centrão em estado puro, até no histórico de abuso barnabé. 37 vezes representaram contra ele no CNJ e, pelo menos 20 vezes, o CNJ mandou que TRF1 tomasse atitude.

A nomeação de Kassio ao STF é parte do acordo de Bolsonaro com o Centrão. A nomeação de Kassio ao TRF1 havia sido parte do acordo de Lula e Dilma com o Centrão.

Isso não torna lulismo e bolsonarismo iguais, apenas torna-os parte de uma mesma história, a do papel do Centrão na estabilização da relação dos governos de centro-esquerda com o judiciário e na normalização da cooptação a que submetem o judiciário os governos de extrema-direita.

É bastante impressionante ver como tá tudo dominado.

O TROLL

Existe confusão sobre o que é um troll entre a galera de meia idade ou mais velha que, ao contrário de mim e de uns outros aqui, não teve a experiência formativa dos blogs e não aprendeu a lidar com o troll desde a pré-história das redes sociais. É comum manter a ilusão de que troll é quem chega chutando a porta, desrespeitando interlocutores e usando xingamentos. É verdade que um troll pode agir assim, mas não é isso que o define. Inúmeras pessoas chegam xingando e não são trolls. E há trolls amabilíssimos.

Definidora do troll é quantidade infinita de tempo e de energia dedicada à arte de intervir repetidamente em uma conversa de forma a dinamitar as condições de possibilidade daquela conversa, enquanto transforma o próprio frangalho de diálogo que sobra em um eterno bate-boca sobre ele próprio, sobre quem é ele, sobre o que ele faz. Isso é um troll. A eleição de Donald Trump é a eleição do troll de Twitter.

Bolsonaro não é um troll, ele mal sabe usar as redes, mas sua eleição se apoiou no troll por excelência da internet brasileira, Olavo, que fez escola.

Como você participa de uma conversa dinamitando-a? Não precisa xingar a mãe de ninguém. Basta tomar qualquer fato consensual (que o dia tem 24h, que a Terra é esférica e gira em torno do sol, que a teoria da evolução descreve um processo real etc.) e jogar dúvida sem se comprometer com versão nenhuma. Se uma não colar, você joga a próxima. O troll exige do outro “coerência” disseminando confusão e transformando o universo da conversa em um terreno em que é impossível que qualquer um seja “coerente.” Enquanto isso ele, o troll, põe fogo na conversa o tempo todo e dele, portanto, por definição, não se pode cobrar coerência.

Trump não sabe absolutamente nada que preste sobre economia, sobre negócios, sobre gerenciar o que seja, e sabe pouco inclusive sobre si próprio. Mas o que ele sempre soube fazer foi ocupar o ciclo de notícias lançando bombas de troll, uma atrás da outra, de tal forma que ele permanece no centro do palco, pautando a conversa e obrigando os adversários a falar dele. Para quem o combate politicamente, é enlouquecedor.

Para evitar confusão, já adianto que não acredito que a contaminação dele por Covid-19 seja fake news ou sequer que seja uma armação. Mas era, claro, uma possibilidade com a qual ele jogava, como sabemos desde Rage, o livro de Bob Woodward.

E ei-lo aí, de novo, ocupando o ciclo de notícias 24/7 enquanto a campanha de Biden se desgasta preocupando-se com uma possível contaminação do candidato, que esteve com Trump em um estúdio fechado, é verdade que a alguma distância, mas com o presidente insistentemente gritando em sua direção, naquele paraísos dos perdigoto que é o ar condicionado.

Trump mente o tempo todo, mas não dá para acusá-lo de incoerência. Ele ganhou as eleições como troll e governa como troll. Se for reeleito, é porque a trollagem venceu.

FURÃO

De forma lamentável, ainda que para nós nada inesperada, o Sr. Sergio Moro escreveu a Tulane University para dizer que, devido a um “acontecimento imprevisto”, ele teria que cancelar o debate ao qual ele havia inicialmente acedido como “uma honra”.

Como os organizadores do evento em Tulane University já antecipavam que isso pudesse acontecer, foi oferecida ao Sr. Moro a possibilidade de remarcar o debate para qualquer data que ele quisesse. O Sr. Moro respondeu à universidade dizendo que, apesar de ter inicialmente acedido a este exato convite como “uma honra”, agora ele já não tinha data nenhuma.

Em anexo, seguem seis capturas de tela, com o compromisso acadêmico feito e cancelado pelo Sr. Moro. Nestas capturas de tela, protegemos o email do Sr. Moro, o nome e o email de sua assistente, e os nomes e emails dos profissionais de Tulane.

Como gentileza ao Sr. Moro, rasuramos também o valor do honorário que ele havia aceitado receber, apesar de Tulane ser instituição privada, que não tem que dar satisfação a ninguém sobre como usa seu dinheiro. E circulamos o conteúdo do compromisso feito e cancelado, como fatos de interesse público.

Print 1: Convite enviado por profissionais de Tulane ao Sr. Moro para mesa com duas palestras, eu e ele, enviado à sua assistente.

Print 2: Resposta da sua assistente com o aceite “honrado” de Moro e referência “à palestra”, no singular.

Print 3: Confirmação do evento pelos profissionais de Tulane, com lembrete de qual era o formato a que ele estava acedendo: duas palestras. Ele faria uma, ouviria uma, e participaria de debate. Aceite do Sr. Moro do formato proposto.

Print 4: Email do Sr. Moro cancelando participação por causa de um “acontecimento inesperado”.

Print 5: Autorização minha, como organizador do evento, a que os profissionais de Tulane oferecessem ao Sr. Moro qualquer data.

Print 6: Resposta do Sr. Moro dizendo (devido, supomos, a que o acontecimento era mesmo tão inesperado) que ele agora não tem data nenhuma.

Entre o print 3 e o print 4, a única coisa que aconteceu foi que fizemos o cartaz e divulgamos o evento com o qual ele havia se comprometido.

Agora vocês podem perguntar ao Sr. Moro se ele reconhece a autenticidade dessas mensagens, já que as da Vaza Jato ele não reconheceu até hoje.

Evidentemente, o evento está cancelado, não sem algumas risadas aqui em Tulane.

PROUD BOYS

O print que acompanha este post retrata o que considero o momento mais grave e perigoso de toda a história dos debates presidenciais americanos.

Perguntado sobre se ele condena a violência de grupos extremistas de direita, Trump tergiversa, coloca a culpa na esquerda, depois diz que diria qualquer coisa, depois diz que quer paz, depois pede um nome. O moderador diz: “supremacistas brancos e milícias de direita”. Aí Biden lhe oferece um nome: “Proud Boys”, um conhecido grupo de supremacistas brancos armados.

E Trump responde: “Proud Boys, STAND BACK AND STAND BY. Mas vou lhe contar, alguém tem que fazer alguma coisa com os antifa e com a esquerda”.

Vamos ao trecho que eu deixei em inglês. Se você perguntar a dez bilíngues como traduzir isso, você terá dez respostas diferentes, porque é próprio da língua inglesa que esses verbos frasais transmitam uma ideia bastante clara, mas que pode ser expressa em outras línguas de várias formas. A minha tradução seria: “mantenham a guarda e estejam preparados”. Ou: “fiquem de olho e estejam prontos”.

Sim, isso mesmo. O Presidente dos Estados Unidos diz a uma organização extremista armada que, em bom português de aeroporto, “eles fiquem de standby”.

É uma explícita convocação à violência armada caso ele perca as eleições.

BATE PAPO

Bati um papo com Paulo Caetano sobre literatura e política para o canal Difusor outro dia. Confiram lá.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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