True Colors
Publicado em 24/01/2014 12:00 - Guilherme Cavalcante
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Você leu nos jornais que quando o corpo de Kaique Augusto Batista dos Santos, de 16 anos, foi encontrado sob o Viaduto Nove de Julho, na região da República, centro de São Paulo, sua causa de sua morte foi definida pela polícia paulistana como um caso de suicídio.
Você também leu que militantes LGBT, revoltados com mais um possível assassinato camuflado como suicídio (Kaique foi encontrado com uma barra de ferro encravada na perna e com vários hematomas no corpo, dificilmente produzidos numa cena como a definida pelos órgão periciais), organizaram um protesto pedindo uma investigação adequada e digna. Não queriam mais uma morte de LGBTs com desfecho vilipendiado pela força policial.
Você também leu que, posteriormente, um diário foi encontrado na residência de Kaique. Nele, alguns trechos narravam a tristeza que o rapaz sentia por conta da homofobia e também anunciavam sua despedida. Tanto a família como a polícia deram o caso como encerrado.
Se Kayque foi assassinado ou suicidado, jamais saberemos ao certo. Mas nada impede a analogia de que somos todos assassinos.
Mas o que não chegou até você foi que Kaique foi, sim, inegavelmente assassinado. Primeiramente, vale lembrar que não é possível confirmar, somente com o diário, que ocorreu um suicídio. Quando encontrado, seu corpo foi negligenciado por três dias, até ser identificado: ele ficou fora da câmara frigorífica, o que dificulta um trabalho pericial adequado para comprovar a causa mortis.
Em segundo lugar, e mais importante, é preciso destacar que muitos LGBTs que cometem suicídio chegam a este trágico desfecho por não suportar a pressão de uma sociedade heteronormativa e homofóbica. Com apenas 16 anos, Kaique certamente foi um dos milhões de LGBTs que sentiram na pele o peso do preconceito e da discriminação. Alguns são fortes para resistir, mas nem todos conseguem. Portanto, se realmente o jovem se jogou intencionalmente do viaduto, é mais adequado dizer que ele não cometeu suicídio, mas que foi “suicidado”, por não ter visto outra possibilidade de romper com seu sofrimento.
Jamais saberemos ao certo o que aconteceu. Mas não é incorreto fazer a analogia de que somos todos assassinos. Não só o Poder Público, que atravanca a aprovação de uma legislação que promova a homotransfobia ao status de crime – mas todos nós que diariamente provocamos ou silenciamos diante desta barbárie contra uma minoria com direitos fundamentais já tão negligenciados.
Descanse em paz, menino Kaique. Que outros iguais a você não tenham o mesmo fim. O que nos resta, enfim, é ter esta esperança.
Parla, De Niro!
O vencedor de dois Oscar (um deles pela magistral interpretação de Vito Corleone), Robert De Niro, abriu o jogo sobre a homossexualidade do próprio pai. A revelação aconteceu no documentário “Remebering The Artist Robert De Niro”, reproduzido durante o Festival de Sundance, nos Estados Unidos.
O pai de De Niro foi um conhecido pintor expressionista abstrato, também chamado Robert. No documentário, ainda sem exibição prevista para o Brasil, o ator comenta sua vida enquanto e revisita sua relação com o pai. A revelação da homossexualidade do Robert “pai” ocorre quando Robert “filho” lê trechos de um dos diários de seu genitor. Na passagem, há detalhes em primeira pessoa de como o pintor deixou a mulher ao aceitar para si a própria homossexualidade. O grande detalhe é que De Niro fala desse detalhe sem constrangimento ou rancor algum.
A ideia original do documentário, a propósito, era preservar a história do Robert “pai” para a família, mas depois do incentivo de produtores, a cinebiografia será compartilhada com o público, inicialmente no canal americano HBO. Imperdível!
Transexualidade em pauta
Enquanto muitos gays, lésbicas e bissexuais já gozam de certa aceitação na sociedade (claro, desde que não fujam da norma de conduta heterossexual), a comunidade T, que compreende travestis, transexuais e transgênros, ainda é a que mais sofre com violência e ataques, sendo a “sujeira jogada para baixo do tapete” em nossa sociedade. Vale lembrar que esta comunidade é uma das mais vitimadas por ataques homotransfóbicos no Brasil.
Explico: enquanto GLBs vão a universidades, conseguem empregos e podem relativamente conviver em sociedade sem maiores problemas (principalmente se forem brancos e com bom poder aquisitivo), travestis e transexuais são barradas em espaços de convivência. Parece ser difícil demais para as pessoas entenderem que existem, sim, pessoas com identidade de gênero sem correspondência com a genitália. É praticamente inaceitável a ideia de que identidade de gênero é uma construção social, e não algo ligado ao sexo biológico.
O movimento LGBT está promovendo o Mês da Visibilidade Trans, cuja dia D é o próximo dia 29.
Por esta razão, o movimento LGBT promove, durante o mês de janeiro, o “Mês da Visibilidade Trans”, cuja dia D é o próximo dia 29. É muito importante provocar esse debate trans na sociedade, ainda tão essencialista no que diz respeito à sexualidade humana.
Nesta edição da coluna, resolvi postar alguns vídeos da incrível e madura abordagem que o programa 20/20, da rede americana ABC e apresentado pela jornalista Barbara Walters, fez sobre a temática, tendo como ponto de partida crianças americanas transexuais. Os vídeos contam a trajetória de três jovens trans e a relação com suas famílias. Vale a pena conferir, até para ter certeza de que o apoio familiar é elemento de uma equação que pode resultar entre um futuro com oportunidades (mesmo que escassas) e outro restrito à uma vida marginal.
Parte 1
Parte 2
Parte 3
DelegadA sim!
E já que estamos no mês da visibilidade Trans, eis uma grande vitória para a comunidade T: a delegada de polícia civil Laura de Castro Teixeira, atualmente lotada na delegacia de Trindade e Senador Canedo (Região Metropolitana de Goiânia), conseguiu autorização da justiça para alterar o prenome em seu registro civil para seu nome social (Laura). Ela, que é uma mulher transexual, também obteve o direito de ser registrada como sendo do sexo/gênero feminino e inclusive foi recém submetida a cirurgia para mudança de sexo.
A partir de agora, Laura, que está de licença, deverá ser corretamente referenciada de acordo com seu nome feminino e sua identidade de gênero, sem que isso lhe custe qualquer dificuldade administrativa na polícia civil goiana. Há, inclusive, uma grande possibilidade de que ela assuma a Delegacia da Mulher de Goiânia.
Obviamente você percebeu que não fiz nenhuma referência ao antigo nome de Laura. É que, além disso não ser da nossa conta, não serei eu que promoverei uma matéria transfóbica em nome da mórbida curiosidade do ser humano. Ok? A propósito, você confere AQUI uma entrevista bem bacana com Laura.
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