07/11/2024 - Edição 550

Meia Pala Bas

Radicais livres e imaginários

Publicado em 31/07/2015 12:00 - Rodrigo Amém

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Tem gente que não consegue passar por um acidente na estrada sem dar aquela reduzida na velocidade. Não é uma mudança de passo motivada pela cautela com as vítimas e seus socorristas. Também não é desaceleração reverente, em respeito ao sofrimento alheio. É voyeurismo. É perversão. E desejo de ver sangue e vísceras. Mas é tão instintivo que o cidadão nem se dá conta da própria sordidez. Quando cai em si, já está ali, bisbilhotando a tragédia alheia, pescoço esticado para fora da janela, um leve menear da cabeça, meio lamentando o infortúnio, meio julgando precipitadamente os envolvidos.

Eu sou assim com os comentários na internet.

Eu sei que não deveria. Mas o artigo (ou a notícia, ou o meme) acaba e eu me vejo vagando pelos escombros das argumentações equivocadas nos fóruns de leitores. Chega a ser doentio. Tanto da minha parte quando da parte deles.

Como eu já expliquei neste espaço, é muito raro alguém aceitar uma argumentação contrária, baseadas em fatos e dados, e mudar de opinião. Opinião é uma coisa muito íntima. A pessoa se identifica com aquilo que crê. Então, o cérebro ofendido pela percepção da própria ignorância tende a ignorar as novas evidências apresentadas e se refugiar nos extremos da sua ideologia. E de lá, do calabouço do próprio extremismo, o cidadão parte para o ataque.

Ataque pessoal, veja bem. Contra fatos não há argumentos? É só mirar o argumentador. Daí surgem as alcunhas, os xingamentos. Coxinha e Esquerdopata, por exemplo. Surgem os apelos à incoerência. “É socialista, mas tem iPhone” e “É capitalista neoliberal, mas é concurseiro”.

Apontar a falta de comprometimento com as versões extremas do discurso adversário é conveniente num bate-boca, mas é meio bobo. É o tipo de estratégia que sugere que você só pode concordar com uma ideia se aceitar todas as outras normalmente associadas a ela. 

O radicalismo é um cosplay filosófico. É para ser visto, não ouvido. E é de dentro dessas armaduras equivocadas que os acuados se digladiam, até que só sobram ferragens retorcidas e frases de efeito. Difícil desviar os olhos.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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