O Som e a Fúria
E não do gosto amargo da pólvora
Publicado em 26/09/2023 1:56 - Felipe Chaves
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No início dos anos noventa eu já tinha me apaixonado à primeira vista pela música. Enchi o saco da minha mãe até ela comprar uma antena que sintonizasse UHF para assistir a MTV. Eu ficava o dia inteiro vendo uma cacetada de vídeos, até que um dia apareceu para mim “Smells Like a Teen Spirit”. O clipe mostrava uma banda numa quadra de basquete, em um ambiente esfumaçado, líderes de torcida numa coreografia dissonante, um faxineiro fazendo seu trabalho solitário, apático e o caos.
Pirei naquele som, pedi de aniversário e ganhei esse disco. A capa era a foto de um bebê, dentro de uma piscina tentando agarrar uma nota de um dólar. Claro que eu achei aquilo tudo foda, a estética, a rebeldia, a poesia e o peso. O movimento grunge arrebatou o mundo com um som cru que refletia inconformidade. Vestidos com camisa xadrez, calça rasgada e tênis all stars.
Anteriormente a tudo isso, as bandas que faziam nossas cabeças eram técnicas demais, os artistas pareciam super-heróis fantasiados, distantes e intocáveis. O Kurt era um cara como qualquer outro, um vizinho ou um colega de escola. As drogas, o excesso de exposição e o sucesso desenfreado resultaram na tragédia.
Agora eu quero celebrar a beleza desse álbum histórico, as baterias do Dave Grohl, os riffs de guitarra, o grito visceral do Kurt Cobain com a precisão das suas letras: “Eu me sinto estúpido e contagioso, estamos aqui agora, nos entretenha”; “eu sou pior no que faço de melhor, e por essa dádiva eu me sinto abençoado”; “Venha como você é, como você era, como eu quero que você seja, como um amigo, como um amigo, como um velho inimigo, tome o seu tempo, apresse-se, a escolha é sua, não se atrase, relaxe, como um amigo, como uma memória antiga”; “e eu juro que não tenho uma arma”.
Hoje eu não quero pensar no dia 05 de abril de 1994, nem de como recebi a notícia, não quero sentir o gosto amargo da pólvora, quero escutar mais uma vez um disco cheio de hits de uma banda underground. Quero lembrar de 24 de setembro de 1991, do cheiro da minha primeira guitarra e do barulho que fazia quando eu plugava ela no amplificador.
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Magnífico..
Adorei ❤️ crônica maravilhosa.
Muito bom 😊
É a mesma coisa quando criticam o Raulzito.
O que quero do artista é a arte, não os seus dramas pessoais.