02/11/2024 - Edição 550

Ponte Aérea

Os dilema da esquerda e o papel da imprensa

Raphael Tsavkko Garcia disseca os artigos de Vladimir Safatle e Joel Pinheiro da Fonseca

Publicado em 22/10/2024 11:11 - Raphael Tsavkko Garcia

Divulgação

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Eu tenho mil críticas ao discurso de empreendedorismo, mas não o considero o demônio encarnado como coloca o Safatle. O problema é que a esquerda não conseguiu oferecer qualquer alternativa enquanto simplesmente finge que essa poderosa arma do discurso da extrema-direita não existe ou é apenas um problema pra se jogar debaixo do tapete.

CLIQUE AQUI E SIGA A SEMANA ON NO INSTAGRAM

Ok, empreendedorismo é uma falsa resposta aos problemas populares… Em muitos casos é só uma forma de whitewashing de precarização. Mas, então, o que a esquerda propõe? Silêncio.

Safatle critica a esquerda por não ter alternativas, mas tampouco ele apresenta. Nem digo que tenha que apresentar, ele está analisando um cenário, mas também não teria COMO apresentar porque não há discurso. E segue achando que só educação resolve – não resolve. Cotas mostram isso – cria uma casta identitária e só. Os anos Lula com Prouni e afins mostram isso – UniEsquina não é educação e mesmo que fosse, onde está o emprego? Faz o que depois da educação?

A esquerda tem copiado o discurso da direta, mas mal, sem saber exatamente o que está fazendo e realmente sem projeto – mas o que a esquerda tem pra apresentar, raiz, não interessa mais. Ao menos não na roupagem de sempre. Eu gostaria de ver a renda mínima voltar ao debate, mas renda mínima de verdade.

A esquerda parou de debater. Ela grita – nas redes, com identitarismo boçal -, e perdeu sua capacidade de se comunicar com o povo. Se fechou em universidades e movimentos sociais inertes (que o PT fez questão de desmobilizar no pós 2013) e não consegue debater ideias. Não que tenha muitas ideias, mas não tem espaço porque desaprendeu a falar.

Claro, como eu comentei outro dia, tem o fato da extrema-direita não precisar sequer de coerência, basta gritar e babar que conquista, mas a esquerda não tem esse luxo – em parte porque seu discurso é impopular, vide identitarismo, e em parte porque é um discurso que exige cartilha. Extrema-direita é incoerente E apela para preconceitos e crenças da população.

A esquerda ora adota discurso da direita, ora simplesmente considera tudo que não é seu cânone como direita e inaceitável sequer de debater – eu comentei aqui outro dia sobre segurança pública, como a esquerda é incapaz de engajar no debate ao se manter no essencialismo de “pobre coitado o indivíduo não tem escolhas.’

Mesmo o discurso de taxar os mais ricos o PT e a esquerda são incapazes de vender porque não sabem mais dialogar, não conseguem se aproximar dos maiores beneficiários de tais medidas.

Concordo com o Safatle quando diz que a esquerda hoje se resume a ser populista e ao mesmo tempo, defende instituições sob ataque. E isso a mantém no imobilismo – que em parte se explica pelo Lula e pelo PT que mataram e matam qualquer tentativa de renovação e em parte por parte do “novo” ser apenas o velho

autoritarismo pseudo-revolucionário de sofá que não apresenta nada real.

Mas a esquerda não está morta de ideias apenas no Brasil, é um fenômeno mundial. A esquerda tem abraçado discursos nonsense identitários enquanto abandona lutas reais por mudanças sociais. Na economia pouco se diferencia de qualquer liberal – privatiza, cobra a conta dos mais pobres, alivia pros mais ricos…

Desse jeito não tem saída. E não dá pra dizer “ah, mas o congresso é malvado” porque eu nem estou falando só de prática, mas de propostas, de discurso. A esquerda não tem mais discurso. E na prática tme levado adianta medidas de direita sem nem precisar da direita pra pressionar, mas por iniciativa própria.

O PAPEL DA IMPRENSA

Errado. O papel da imprensa é de fiscalizar a democracia – e com isso se/a proteger. Se chama ética jornalística, aliás. A imprensa NÃO PODE dar espaço pra extremista falar loucura, é irresponsável e fere a ética jornalística.

Por todos terem megafone é que a imprensa tem ainda mais o dever de filtrar e impedir que radicalismo entre em suas páginas, que maluco fique batendo bumbo. É o papel de qualificar o debate mesmo.

Minar credibilidade é exatamente amplificar maluco.

Não importa o que a imprensa faça, ela será tratada como inimiga por quem tem interesses desafiados em dado momento – no minuto seguinte, se houver concordância, o que criticava irá apoiar.

Daí a importância da imprensa ser coerente e se posicionar SEMPRE como oposição a governos, sempre fiscalizando e deixando claros seus próprios interesses – que devem ser sempre a defesa da democracia e da pluralidade de opiniões desde que joguem dentro das linhas da democracia.

Claro, estamos falando de um tipo ideal. Interesses vão muito além desses, temos patrocinadores, temos grupos de pressão, etc. Mas o objetivo deve ser sempre a defesa da democracia e a transparência nos posicionamentos.

Lembrando que o ponto não é ser “imparcial” porque isso não existe é jogar nas linhas da democracia. O problema não é o jornal defender A ou B, é fazê-lo DENTRO dos limites da democracia e deixar claro quais são seus interesses.

RAPHAEL TSAVKKO GARCIA

É jornalista, editor e Ph.D em Direitos Humanos pela Universidade de Deusto.

Facebook

Linkedin

Twitter

Site

Medium

Leia outros artigos da coluna: Ponte Aérea

Raphael Tsavkko Garcia


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *