Ponte Aérea
Dar espaço para que extremistas propaguem discursos irresponsáveis vai contra a ética jornalística e fere a sua própria essência
Publicado em 27/10/2024 12:05 - Raphael Tsavkko Garcia
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Joel Pinheiro da Fonseca erra ao afirmar que a imprensa não é, nem pode ser, uma tuteladora da democracia. Primeiro, porque não se trata de tutela, mas de defesa e fiscalização da democracia. A função primordial da imprensa é justamente fiscalizar a democracia e, assim, protegê-la. Essa responsabilidade é um reflexo direto da ética jornalística, que exige compromisso com a verdade e com a manutenção do espaço democrático. Dar espaço para que extremistas propaguem discursos irresponsáveis vai contra essa ética e fere a própria essência do jornalismo.
Hoje, todos têm um megafone nas mãos, nisso concordamos. As redes sociais transformaram qualquer pessoa em potencial difusor de informações, opiniões e. desinformações. Nesse contexto, o papel da imprensa torna-se ainda mais crucial, pois é ela quem deve fazer a curadoria do debate público. A imprensa precisa filtrar o radicalismo e impedir que vozes que distorcem a realidade ganhem espaço em suas páginas. Não se trata de censura, mas de responsabilidade com a sociedade, de qualificar o debate e de garantir que o discurso se mantenha dentro dos limites da democracia.
Amplificar discursos radicais e teorias da conspiração, seja por ingenuidade ou por uma busca desesperada por cliques, apenas mina a credibilidade da imprensa. E credibilidade é um bem precioso e frágil, especialmente em tempos de desconfiança e ataques constantes. A mídia precisa entender que, ao dar palco para esses discursos, ela contribui para um cenário de desinformação e para a normalização de ideias que representam uma ameaça à convivência democrática.
Não importa o que a imprensa faça, ela será sempre criticada por aqueles cujos interesses são desafiados, porém, basta que um veículo de imprensa apoie um ponto de vista favorável a um grupo para que, imediatamente, aqueles que antes a atacavam se tornem seus defensores. Isso demonstra o quão fundamental é que a imprensa mantenha um posicionamento coerente e que não se deixe influenciar por pressões externas.
O que se espera da imprensa é que ela adote uma postura de vigilância constante, posicionando-se sempre como um contrapeso ao poder, seja qual for o governo ou o grupo no comando. Fiscalizar é a essência da atividade jornalística. E, ao contrário do que Pinheiro sugere, isso não significa que a imprensa esteja acima da democracia, mas sim que ela desempenha uma função essencial para o seu bom funcionamento.
A defesa da democracia passa, também, pela transparência nos posicionamentos editoriais. É ilusão pensar que a imprensa possa ser completamente imparcial — não existe neutralidade absoluta. O que existe são interesses, valores e visões de mundo. E não há problema em um jornal ou revista se posicionar a favor de determinado grupo ou causa, desde que isso seja feito dentro dos limites democráticos e de forma transparente. O público tem o direito de saber quais são os interesses que movem determinado veículo, para que possa fazer suas próprias avaliações.
A imprensa não deve ser uma plataforma para a difusão de ideias antidemocráticas, mas sim uma arena onde os diferentes pontos de vista democráticos possam se enfrentar, onde o contraditório e a análise crítica possam prosperar. Quando a imprensa permite que discursos extremistas se espalhem sem o devido contraponto, ela falha em seu papel. Ela contribui para a erosão dos valores que deveria defender.
Em tempos de polarização e crise de confiança nas instituições, a imprensa precisa se reafirmar como um espaço de defesa da democracia. Isso significa, sim, ser seletiva sobre quais vozes e quais debates são amplificados, e quais são mantidos à margem. E significa, também, assumir os riscos de ser atacada por aqueles que não se beneficiam de sua fiscalização.
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RAPHAEL TSAVKKO GARCIA
É jornalista, editor e Ph.D em Direitos Humanos pela Universidade de Deusto.
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