09/05/2024 - Edição 540

Agromundo

Lixeira química, Brasil poderá vir a ser o polo mundial da fabricação de agrotóxicos

Em quatro anos, 1,8 mil novos pesticidas foram aprovados no país. Combater fome com comida de verdade requer medidas urgentes

Publicado em 24/04/2023 11:02 - Cida de Oliveira (RBA), Hélen Freitas (Repórter Brasil) – Edição Semana On

Divulgação Foto: Charles Echer/Pixabay

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O Brasil aprovou 2.170 novos agrotóxicos para uso no país entre 2019 e 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro. E já liberou mais 103 de janeiro para cá. Dos liberados no governo anterior, 1.056 (49% do total) foram banidos na União Europeia (UE). Ou seja, não puderam sequer ter registros por lá. E do total desse princípios ativos barrados nesses países, 88 são permitidos pelas autoridades brasileiras, conforme um levantamento recente da professora aposentada Sonia Hess, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Especialista no tema e autora de diversas pesquisas e pareceres técnicos, a professora é categórica. “O Brasil é a lixeira química do mundo”, afirma. Sonia se refere principalmente aos efeitos nocivos à saúde humana e animal desses produtos que levaram os europeus a vetá-los. Mas que o Brasil libera sem a menor dificuldade.

São efeitos agudos e crônicos tanto pela ingestão dos alimentos que receberam esses produtos, como pela exposição a eles. Exposição essa que pode ser no ambiente de trabalho, no caso dos agricultores. Ou mesmo daqueles que, mesmo sem trabalhar diretamente na lavoura, estão sujeitos às nuvens de veneno em pulverizações. E esse risco inclui até crianças em escolas nas zonas rurais.

Na UE, como lembra a professora, as autoridades prezam pelo rigor e levam a sério os resultados das pesquisas científicas que confirmam esses perigos. Como a associação constatada entre essas substâncias e o desenvolvimento de diversos tipos de câncer, malformações fetais e alterações no sistema nervoso central, no sistema imunológico e no hormonal.

Alterações essas que levam a diversos outros problemas. A lista de malefícios causados por agrotóxicos vai muito além. Inclusive para o meio ambiente.

Permissividade para o setor no Brasil

Já o Brasil segue caminho oposto, com total flacidez em suas regras. Fora os incentivos fiscais, os fabricantes contam com a permissividade em seu favor:

– A autorização é por prazo indeterminado, o que na prática acaba se tornando ad eternum.

– Não há observância dos avanços científicos sobre os efeitos adversos na saúde humana e no meio ambiente nem na reavaliação de produtos e nem diante de um fato novo.

– Há problemas na qualidade das pesquisas, sendo aceitos estudos realizados somente pelos fabricantes, com limitações metodológicas.

– Não há participação social na tomada de decisão por meio de agências governamentais nesse processo.

O levantamento mostra também que entre esses 2.170 “novos” produtos liberados no governo Bolsonaro – ela ainda não começou os estudos sobre as liberações a partir de janeiro –, há ingredientes ativos produzidos na China e que são proibidos lá. Entre eles o fipronil.

Desenvolvido para matar insetos, formigas e cupins, o fipronil tornou-se conhecido como o terror das colmeias, segundo variados estudos. Em outras palavras, está por trás da mortandade massiva das abelhas, insetos polinizadores imprescindíveis na reprodução de espécies vegetais, principalmente alimentos.

Em agosto passado, a 9ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) deu um ano para o Ibama concluir os processos de reavaliação de toxicidade da substância. No entanto, isso sequer havia sido iniciado na época.

Indústria dos agrotóxicos e o grande mercado do Brasil

Outra informação importante trazida pela professora Sonia Hess é que do total liberado entre 2019 e o ano passado, 614 formulações (61%) têm aplicação principal nas lavouras de soja, 443 (44%) de algodão, 428 (42%) de milho e 336 (33%), de cana. Ou seja, embora também tenham uso na produção de arroz, feijão, frutas, hortaliças, esses 1.821 “novos” produtos estão voltados sobretudo para as grandes culturas de exportação. É a indústria de olho nesse grande mercado.

Na avaliação do engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, isso significa dizer que haverá no Brasil mais veneno do tipo que não pode ser usado na União Europeia.

Todos esses produtos e suas variações, combinações e arranjos, na verdade envolvem as mesmas substâncias. “Quando a patente de uma delas perde a validade, muitas outras empresas passam a fabricar venenos com o mesmo princípio ativo, mas com outras roupagens. Afinal, existirão formulações com os mesmos princípios ativos, porém mais concentradas”, disse à RBA.

Isso porque, segundo Melgarejo, em princípio, para sobreviver, os organismos alvo desenvolvem resistência aos agrotóxicos, “o que requer a aplicação de dosagens cada vez mais fortes para fazerem efeito”.

Conforme explicou, suprir essa necessidade de agrotóxicos mais potentes é uma das motivações das liberações dos “novos” agrotóxicos, que na verdade resultam da combinação de velhas moléculas. Ou seja, é o argumento ruralista para a suposta necessidade de aprovação de “agrotóxicos melhores e mais modernos”. “O ‘ser melhor’, aí, tende a ser pior. Mais tóxico na adição de outro princípio ativo ou com maior concentração do mesmo princípio ativo, ou com misturas”.

Pacote do Veneno aguarda aprovação no Senado

Paralelamente a essas liberações todas, avançou no governo de Jair Bolsonaro o chamado Pacote do Veneno. Aprovado na Câmara, o PL 1.459/2022 chegou às portas do plenário do Senado pouco antes do Natal, mas não foi pautado na última sessão do ano. O projeto que facilita ainda mais a importação, registro, fabricação, venda, uso, exportação e dificulta a fiscalização desses produtos integra um outro pacote, o “da destruição”. Esse conjunto de projetos que tramita no Congresso assim foi batizado pelas consequências nefastas à saúde e ao meio ambiente.

Pesou a forte mobilização somada a recomendações contra a aprovação. Ainda no governo de Michel Temer (2016-2018), entidades nacionais e internacionais, inclusive a ONU, pediram o arquivamento. As manobras ruralistas que levaram à aprovação na Câmara se repetiram no Senado. Em comissão especial, o relator, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), aprovou texto sem debate. Nem sequer ouviu outras comissões relacionadas, como de Meio Ambiente, Direitos Humanos e Legislação Participativa e de Assuntos Sociais.

Desde 2008, o Brasil é o maior importador e consumidor de agrotóxicos da América Latina. Em meio ao mar de veneno, os países que compram produtos brasileiros vão aumentando restrições a esses produtos. Esse descompasso, no entender de Melgarejo, não aponta para prejuízos ao agronegócio exportador, que em tese perderia esse mercado. Isso porque, da mesma forma que faz a China, maior parceiro comercial do Brasil, outros países, inclusive europeus, compram essencialmente produtos para produção de ração animal, como soja e milho.

Lucro do agro, contaminação, doenças e impactos ao SUS

“Esses animais são abatidos no final da juventude, antes de os problemas crônicos aparecerem”, disse, referindo-se aos males causados pelos agrotóxicos. “E além do mais, dessa maneira, esses países estão protegendo suas reservas de água. Mas nós estamos envenenando as nossas. Também estamos fragilizando sistemas imunológicos dos povos que vivem aqui. Vale o mesmo para toda América Latina e África.”

Integrante do Movimento Ciência Cidadã e representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) de 2008 a 2014, Melgarejo apresenta outro motivo de preocupação: a transformação do país em polo mundial de produção desses venenos.

“Ao estimular os agrotóxicos como faz, o Brasil sustenta empregos nas atuais ‘fábricas de lixo’ na Europa”, disse. E no continente em que esses produtos vão sendo banidos, não haverá espaço para elas. “Qual é a proposta do Pacote do Veneno senão transferir essas fábricas para cá?”, questiona.

Sua dedução envolve ainda outros questionamentos. O que justificaria a autorização de uso de centenas de alternativas ineficazes? Se são distintas em termos de impacto sobre a saúde, ou seja, sobre o SUS, ou sobre o chamado Custo Brasil, o que justifica a presença das piores substâncias, em um mercado cujas externalidades afetam a todos?

Falta orientação política para reverter processo

Alternativas ao modelo existem. A mais eficaz é a agroecologia, que experimenta alguns esforços para a transição no país. Há inclusive alguns insumos de base biológica aprovados para proteger culturas. Mas são poucos, de empresas nacionais. Não estão sendo incorporados pelas grandes transnacionais do setor. Ou seja, falta interesse econômico, o que poderia viabilizar as mudanças, mas que tende a ser orientado por uma visão de curto prazo.

Mais do que isso, falta também orientação política. “Precisamos de agendas de médio e longo prazo para mudar a forma de produzir. Esta aí, que promove o aquecimento global, não poderia estar sendo subsidiada. Estamos pagando para encurtar o horizonte de vida. Veja que os adubos minerais ‘naturais’, como o que importamos da Rússia, vão se esgotar”, disse.

“Então uma agricultura que depende dele é sem futuro. Qual a solução proposta? Demolir a Amazônia para aproveitar reservas minerais que existirem lá? Pois isso vai reduzir os serviços ecossistêmicos fornecidos pela floresta, apenas para manter um agronegócio cego para o futuro próximo.”

“Salvar o sistema?”

A saída seria países que, como o Brasil, que se dispõem a absorver todo esse lixo, adotassem políticas mais responsáveis. “Assim, a inteligência humana apresentaria soluções que talvez já existam. Ou, se inexistem, bastaria o fechamento destes mercados para que as pesquisas buscassem outras soluções”, disse Melgarejo, que alerta para uma guerra química em curso. “Ou fazemos isso ou daremos realismo às hipóteses de O Relatório Lugano” comparou.

O engenheiro se refere ao livro (de 1999) de Susan George. A ficção aborda a eliminação de parte da população mundial com o objetivo de salvar o sistema capitalista de um colapso.

“Nesse aterrador livro de ficção, alguém misterioso contrata uma série de profissionais para analisar a situação global e encontrar alternativas para manter o sistema capitalista em funcionamento. A solução encontrada por esses profissionais é dizimar 1/3 da população mundial. Eles não só fornecem a solução, como sugerem as formas de concretizar a barbárie”, diz a apresentação da editora Boitempo.

Como Lula pode começar a combater os agrotóxicos?

O discurso de Lula na COP-27 (Conferência das ONU sobre Mudanças Climáticas) trouxe alguma esperança para quem acompanhou com apreensão os anos de Bolsonaro. Nele, o futuro presidente afirmou que “a produção agrícola sem equilíbrio ambiental deve ser considerada uma ação do passado”. Lula defendeu ainda uma aliança estratégica com o agronegócio “na busca por uma agricultura regenerativa e sustentável, com investimento na ciência, tecnologia e educação no campo, valorizando os conhecimentos dos povos originários e comunidades locais”.

Ao mesmo tempo, nos 13 anos em que governou, o PT aprovou o mesmo tanto de agrotóxicos que Bolsonaro em seus 4 anos de mandato. O uso dos pesticidas aumentou, houve incentivos financeiros para grandes produtores e a permissão para o cultivo de novas sementes transgênicas.

Principal lobista dos agrotóxicos, o agronegócio foi forte aliado de Lula em seus mandatos anteriores, e o presidente eleito tem buscado renovar esses laços. Se não é razoável imaginar que o novo governo vai bater de frente com os interesses de um dos setores mais organizados do país, os especialistas consultados por essa reportagem lembram que a aliança de Lula com o agro sempre ocorreu em paralelo com o espaço para o debate e investimentos na produção alternativa, na agricultura familiar e nas pesquisas.

“Quando você tem a troca para um governo que se diz a favor do meio ambiente, a favor da mitigação da crise climática, que entende que ela existe, que não nega a importância da pesquisa, da ciência, você já tem uma atmosfera de fazer política completamente diferente”, avalia Marina Lacôrte, da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace.

Confira as cinco ações consideradas prioritárias para reduzir a quantidade de agrotóxicos que chegam no prato no brasileiro:

  1. Barrar o PL do Veneno

Uma das medidas mais urgentes a serem tomadas é barrar o PL do Veneno. O texto flexibiliza o uso dos agrotóxicos, deixa trabalhadores rurais mais expostos a riscos e diminui o papel de órgãos reguladores, como a Anvisa e o Ibama, no controle dessas substâncias.

O projeto é rejeitado pela comunidade científica e defensores dos direitos humanos e ambientais. Mais de 300 organizações, como Instituto Nacional do Câncer, Ministério Público Federal, Anvisa, Ibama, Fiocruz e até a Organização das Nações Unidas, já se manifestaram contra a sua aprovação, apontando ameaças à saúde e ao meio ambiente.

Após anos parada, a proposta ganhou força a partir de 2018 e, em fevereiro passado, foi aprovada na Câmara em votação a toque de caixa. O Senado ainda tentou fazer o texto passar no apagar das luzes da legislatura. Em 19 de dezembro, o projeto foi aprovado na única comissão designada a analisá-lo: a de Agricultura, espaço dominado pela bancada ruralista. Agora, o PL do Veneno aguarda votação no plenário da Casa.

Na votação da Comissão de Agricultura, membros da base de apoio de Lula se posicionaram contra a aprovação do projeto. “Isso [o agrotóxico] logo vai matando os peixes, matando as vidas nos rios, além do impacto que tem na saúde humana, na saúde pública”, declarou o senador Paulo Rocha (PT-PA). No entanto, nas últimas semanas, o tema chegou a causar embates dentro do governo de transição, opondo representantes da área ambiental com as vozes do agronegócio.

O adiamento da votação em plenário trouxe alívio para quem tenta impedir um retrocesso ainda maior na política para os agrotóxicos. “Durante a tramitação desse projeto de lei, a gente observou poucos espaços de debate. Esse momento de transição já trouxe a chance de poder falar, de se discutir tecnicamente”, afirma Karen Frederich, pesquisadora da Fiocruz e membro da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

Ter espaço para uma discussão mais democrática da proposta já é uma vitória, mas ganhar a batalha política ainda é desafio considerando a força do agronegócio. Caso eleja a pauta como prioritária, o novo governo tem a possibilidade de negociar com o Parlamento, por meio da articulação de sua base de apoio, para evitar a aprovação do projeto. Se, mesmo assim, o texto for aprovado, Lula também pode vetar seus pontos mais prejudiciais.

“Por mais que o Legislativo vá oferecer desafios e muitos obstáculos, existe toda uma estrutura do Executivo para reconstruir programas, sem necessariamente disputar leis no Congresso”, afirma Lacôrte.

  1. Incentivar a produção mais saudável

Outro ponto considerado fundamental é o incentivo à agricultura orgânica e agroecológica.

“Ninguém é louco de fazer uma proposta de acabar com a agricultura brasileira. O problema é que a gente sabe que os produtos que estão sendo usados não estão funcionando mais. Não é à toa que cada vez se usa mais agrotóxicos”, ressalta Rogerio Dias, engenheiro agrônomo e presidente do Instituto Brasil Orgânico, se referindo ao aumento da resistência das pragas das lavouras aos pesticidas empregados hoje.

Para fomentar uma agricultura mais saudável, ressuscitar a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA) é uma das grandes apostas dos especialistas ouvidos pela Repórter Brasil. Transformada em projeto de lei em 2016, a proposta chegou a ser aprovada em uma comissão especial na Câmara, mas está parada desde 2018. Retomar a tramitação depende do interesse político do novo governo.

A PNARA prevê a diminuição gradual do uso de agrotóxicos e o estímulo à transição agroecológica. A política também estipula que todas as substâncias autorizadas passem por uma avaliação, no mínimo, a cada 10 anos. Atualmente não há prazo definido para esse processo, o que faz com que, uma vez aprovado, um agrotóxico dificilmente saia do mercado, ainda que surjam novas evidências científicas contrárias a seu uso.

Além disso, o projeto reforça a proibição de aplicação de veneno próximo a áreas de proteção ambiental, recursos hídricos, plantações orgânicas e agroecológicas, moradias e escolas. Outro ponto é a previsão de redução gradual de pulverização aérea de agrotóxicos nas lavouras, prática já proibida na União Europeia por aumentar o risco de deriva – quando o vento carrega o veneno para casas, rios e outros locais próximos, trazendo prejuízos à saúde e ao meio ambiente. No Brasil, mais de 15 municípios e o estado do Ceará já proíbem a prática, apesar da grande pressão do agronegócio para rever as decisões.

A agroecologia, porém, “não é só produção sem agrotóxicos”, pondera Sarah Moreira, consultora junto à Articulação Nacional de Agroecologia, que lembra que a prática demanda  garantias de acesso à terra e à água, apoio à agricultura familiar e conservação das sementes nativas do país, dentre outras medidas.

  1. Fortalecer os ministérios da Saúde e do Meio Ambiente

Três órgãos são responsáveis por fiscalizar o uso e realizar o monitoramento e o registro dos agrotóxicos no país: o Ministério da Agricultura, a Anvisa (vinculada ao Ministério da Saúde) e o Ibama (ligado ao Ministério do Meio Ambiente). Durante o governo Bolsonaro, as duas últimas agências sofreram diminuição de equipes e recursos – o orçamento previsto para o Ministério da Saúde em 2023, por exemplo, é o menor desde 2014.

O sucateamento prejudicou o trabalho desses órgãos, e o resultado foi um apagão de informações: pouco se sabe sobre o que está sendo usado nas lavouras e, por consequência, o que chega à mesa dos brasileiros. Desde 2020, a Anvisa não divulga o resultado do principal programa de monitoramento de veneno nos alimentos. Grande parte dos municípios do país não estão repassando ao Ministério da Saúde informações sobre a qualidade da água que abastece as casas, incluindo sobre a quantidade de agrotóxicos que sai da torneira.

“A gente acredita que fortalecer os organismos e as agências para que cumpram seu papel de fiscalização, regulamentação e monitoramento, é sim uma prioridade”, afirma Rafael Rioja, coordenador de consumo sustentável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Depois dos ataques sofridos pelos órgãos nos últimos anos, Rioja vê uma sinalização para o fortalecimento dos ministérios do Meio Ambiente e da Saúde no novo governo, mas acredita que o processo não se dará da noite para o dia. “A gente tem que entender que estamos partindo de um cenário de completa desconstrução desses órgãos e de todas as suas instâncias.”

  1. Acabar com a isenção de impostos para os agrotóxicos

As isenções e reduções de impostos para venda de agrotóxicos é outro item que precisa ser revisto pelo novo governo, de acordo com os especialistas. Um estudo produzido pela Abrasco revelou que as empresas que produzem agrotóxicos deixaram de pagar quase R$ 10 bilhões por ano em impostos federais e estaduais em 2017, quase o dobro gasto no mesmo ano pelo Sistema de Saúde para tratar pacientes com câncer, uma das principais doenças resultantes do uso indiscriminado dessas substâncias.

Durante a pandemia, os governos estaduais prorrogaram pela 23ª vez a isenção de ICMS dos agrotóxicos, sob a justificativa de incentivar a produção agrícola. Neste ano, Jair Bolsonaro concedeu isenção de 100% de IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) para a maioria desses produtos, via decreto.

De acordo com as organizações ouvidas pela Repórter Brasil, o governo Lula poderia rever as leis e decretos que permitem as isenções fiscais e, no caso do ICMS que é definido pelos governos estaduais, enviar uma recomendação ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), solicitando a retomada da cobrança do tributo.

Rogerio Dias sabe, porém, que o tema enfrenta forte resistência do agronegócio. “Por mais que a gente tenha expectativa de ter outra perspectiva de governo, principalmente com as questões ambientais, sabemos que não vai ser fácil.”

  1. Revogar normas publicadas por Bolsonaro

O governo Bolsonaro promoveu um verdadeiro “libera-geral”, com a publicação de medidas que facilitam o uso de agrotóxicos no Brasil e que precisam ser revistas. “A situação é tão caótica que a lista de revogações é imensa, porque realmente a gente está vivendo uma situação assustadora”, avalia Sarah Moreira.

O caso mais lembrado é o do Decreto 10.833/2021, que permitiu que pesticidas que causam doenças como câncer possam ser liberados no país caso exista um “limite seguro de exposição”. Ou seja, mesmo que um agrotóxico seja comprovadamente cancerígeno, ele pode ser aprovado caso avaliem que, ao ser utilizado da forma correta, o risco de desenvolver a doença é “aceitável”.

Na atual legislatura, também foram publicadas uma série de resoluções que alteraram os critérios para classificação de riscos e informação nos rótulos de agrotóxicos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Levantamento feito pela Repórter Brasil e pela Agência Pública mostrou que 93 produtos formulados à base de glifosato tiveram a classificação de toxicidade reduzida, passando a ideia para os agricultores de que seu risco para a saúde é menor. Pesticida mais vendido no Brasil, ele é classificado como provavelmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc).

“Quando a gente fala de fome, a gente está falando de segurança alimentar, do modo como a agricultura está sendo promovida. A gente sabe que essa lógica de produção precisa mudar”, afirma o presidente do Instituto Brasil Orgânico. Sarah Moreira concorda. “Combater a fome não é dar qualquer comida, mas sim oferecer alimentos saudáveis.”

Leia outros artigos da coluna: Agromundo

Equipe Semana On

A equipe Semana On dissemina o melhor conteúdo para você se manter informado.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *