20/05/2024 - Edição 540

True Colors

É de menino ou de menina?

Publicado em 21/03/2014 12:00 - Redação Semana On

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Tempos atrás li um artigo bem interessante falando de um alemão que usava saias para apoiar o filho, que gosta de vestir roupas femininas e de pintar as unhas. Foi curioso este artigo ter circulado tão pouco tempo após uma visita da minha irmã, que estava, na época grávida da segunda “cria”, desta vez, um menino. É que durante sua estadia em Campo Grande, tivemos uma daquelas conversas longas sobre este mesmo assunto: é certo separar as coisas (os brinquedos, as roupas, as cores) entre gêneros? De que essa medida adianta na formação de um adulto saudável com a própria sexualidade?

Na ocasião, minha irmã falou que não repreenderia o filho caso ele quisesse, em algum momento, vestir roupas ou divertir-se com brinquedos “de menina”. Ela me disse isso porque acha que essa distinção de gênero nos primeiros anos de vida é desnecessária, já que as referências que as crianças recebem de diversos canais (os pais, familiares, colegas, a TV, a Internet) já as auxiliam na autodefinição de suas identidade e expressão sexuais. Portanto, reforçar (ou forçar) estes estereótipos, além de desnecessário, é uma violência contra a liberdade de expressão das pessoas, mesmo que elas sejam bebês. Minha irmã me disse isso sem ser pedagoga ou psicóloga. Foi apenas uma reflexão de uma mulher dos “tempos modernos” que estava prestes a ser mãe pela segunda vez.

Não teve como não comparar a postura dela com a da minha mãe (e provavelmente de todas as outras mães) há 20 anos. Naquele tempo, menino tinha que brincar com a espada de Thundera e com o boneco do He-man para não virar gay. Foi exatamente o que aconteceu comigo, embora o resultado pretendido não tenha dado certo… Sei que esta é uma questão extremamente complexa, sobre a qual mal sei como começar. Mas, parece-me que estamos diante de uma iminente evolução do comportamento humano quanto aos papeis sociais do homem e da mulher. Hoje, ali está minha irmã, fazendo coro a um certo movimento silencioso e libertário, que diz que distinção entre gêneros é perda de tempo.

Uma vez eu me peguei concluindo que deveria evitar presentear crianças com presentes que reforçassem papeis de gênero pré-estabelecidos.

Uma vez, a propósito, eu mesmo me peguei concluindo que deveria evitar presentear crianças com presentes que reforçassem papeis de gênero pré-estabelecidos, algo que a gente vê quando alguém dá uma panela em miniatura para a menina e um carrinho para o menino. Cheguei a censurar minha sobrinha de 5 anos quando ela disse, certa vez, que azul era cor masculina. Minha irmã, a propósito, apresentou-me a um projeto gringo superfamoso que visa promover a não-distinção de brincadeiras e de brinquedos infantis como coisa de menina ou de menino. E pouco tempo depois li outro artigo sobre uma escola sueca que simplesmente não difere o gênero das crianças na pré-escola, evitando-se até o uso de pronomes como “ele” e “ela”, com o fim de evitar a atribuição de papéis aos gêneros sexuais sem que homem e mulher tenham o mesmo valor.

Sei que esta tendência ultrapassa a questão da homossexualidade e atinge em cheio o “peso” entre a questão dos papeis dos gêneros nos indivíduos. Entendo, a propósito, que a orientação sexual das pessoas não é influenciada pelos objetos com que brincamos na infância (pelo menos esse não foi o meu caso e o dos homossexuais que conheço). Mas fico pensando – e esta é a reflexão que quero trazer para a coluna nesta edição – se algo na minha vida teria sido diferente se minha mãe tivesse me dado o relógio da Xuxa que eu tanto pedi.

Hoje entendo que ela queria me proteger de zombarias, como fez em 1992, ao brigar com quatro ou cinco colegas que me chamaram de bicha na escola. Mas, e se ela tivesse estado à frente do próprio tempo e tivesse agido como o pai alemão que usa saias com o filho? Será que isso teria me poupado das (breves) ideias suicidas quando não consegui mais negar para mim que eu era homossexual? Será que minha relação com a minha própria sexualidade na adolescência teria sido mais saudável, ou, pelo menos, menos destrutiva do que foi?

Espero, sinceramente, encontrar estas respostas nas próximas gerações – e que todas elas venham de adultos saudáveis e felizes com a própria natureza.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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