02/11/2024 - Edição 550

Agromundo

Desmatamento causa perdas anuais de R$ 412 milhões na produção de soja e milho na Amazônia, revela estudo

O cenário aponta para um futuro preocupante. Sem mudanças significativas nas políticas de preservação, o modelo agrícola atual pode estar caminhando para um "agrossuicídio"

Publicado em 18/10/2024 10:33 - Sérgio Pedra

Divulgação Marizilda Cruppe - Greenpeace

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O desmatamento na Amazônia não afeta apenas a biodiversidade e o clima global, mas também tem impactos diretos na produção agrícola da região. Um estudo recente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apontou que, entre 2006 e 2019, a destruição da floresta causou prejuízos de aproximadamente R$ 5,8 bilhões na produção de soja e milho, com perdas anuais médias estimadas em R$ 412 milhões.

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O estudo, financiado pela Rainforest Foundation Norway, mostrou que o desmatamento está diretamente ligado ao desequilíbrio climático na Amazônia, com consequências severas para a agricultura. Desde 1980, os cientistas observaram um atraso no início da estação chuvosa, redução do volume de chuvas e aumento das temperaturas. Esses fatores afetam a produtividade agrícola, especialmente o sistema de dupla safra, onde a soja é plantada primeiro e, na mesma área, cultiva-se o milho em seguida.

Mudanças no ciclo de chuvas afetam produção

O principal impacto do desmatamento, segundo o pesquisador Argemiro Teixeira Leite Filho, do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG, é a diminuição do período de chuvas. “A janela de plantio para o produtor reduziu em até 30 dias nas áreas mais desmatadas, e em cerca de duas semanas em outras regiões, o que já é suficiente para afetar a produção de milho e soja”, explicou.

Durante visita à região de Paragominas, no Pará, a reportagem encontrou produtores que relataram perdas nas safras recentes. Mesmo sem associar diretamente as mudanças climáticas ao desmatamento, os agricultores confirmam que têm enfrentado condições adversas. O agrônomo Gilberto Maraschin, que cultiva soja, milho e sorgo na região há 20 anos, afirmou que as chuvas têm se tornado mais imprevisíveis. “Historicamente, em ano de El Niño, nós produzimos mais porque chove menos. Mas, no ano passado, apesar de ser um ano de El Niño, produzimos menos devido à chuva volumosa e concentrada”, relatou.

A produtividade de sua fazenda caiu de 55 para 45 sacas de soja por hectare, e ele teve que plantar milho em apenas 60% da área disponível, já que a temporada de chuvas foi mais curta do que o previsto.

Impactos econômicos expressivos

O estudo da UFMG revelou que as alterações climáticas relacionadas ao desmatamento geraram perdas econômicas estimadas em R$ 4,3 bilhões para a soja e R$ 1,5 bilhão para o milho ao longo de 13 anos. Além disso, os pesquisadores estimam que o desmatamento reduziu a renda líquida por hectare em 10% para a soja e 20% para o milho, impactando diretamente a viabilidade econômica das propriedades.

Apesar dos desafios, muitos produtores ainda resistem em associar as perdas agrícolas ao desmatamento. Murilo Zancaner, agricultor com 4.500 hectares na região, relata que monitora as condições meteorológicas, mas não percebe alterações significativas no padrão das chuvas. Ainda assim, ele foi surpreendido recentemente ao perder 30% de sua produção de soja devido ao excesso de chuvas durante a colheita. “Mesmo plantando na época certa, tivemos avarias por causa da chuva”, contou.

Produtividade e adaptação tecnológica

A aposta em novas tecnologias e no melhoramento das sementes tem sido a principal estratégia dos produtores para mitigar as incertezas climáticas. No entanto, os cientistas alertam que essa não é uma solução definitiva. Leite Filho destaca que as inovações agrícolas, como o desenvolvimento de novas variedades de soja, estão se aproximando de seus limites. “A confiança excessiva no avanço tecnológico para sustentar a produção é arriscada. Se o desmatamento continuar, a continuidade da atividade agrícola, tal como é feita hoje na Amazônia, será inviável”, alertou.

O cenário traçado pelos pesquisadores aponta para um futuro preocupante. Sem mudanças significativas nas políticas de preservação, o modelo agrícola atual pode estar caminhando para o que Leite Filho chama de “agrossuicídio”. “A atividade está, essencialmente, dando um tiro no próprio pé, já que depende de um clima equilibrado para prosperar”, afirmou o pesquisador.

Perspectivas

Enquanto a maioria dos agricultores da Amazônia ainda reluta em associar diretamente suas dificuldades ao desmatamento, os efeitos das mudanças climáticas são inegáveis. O atraso nas chuvas, o aumento das temperaturas e a concentração de eventos climáticos extremos já afetam a produtividade, e as previsões indicam que esses impactos devem se agravar com o avanço da destruição florestal.

Se o desmatamento não for controlado, o futuro da agricultura na Amazônia estará em risco, com consequências econômicas significativas para todo o país. A pesquisa da UFMG reforça a necessidade urgente de políticas públicas voltadas para a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável da região, de forma a garantir a viabilidade da produção agrícola e a segurança climática do Brasil.

SÉRGIO PEDRA

É agrônomo e pequeno produtor rural em Mato Grosso.

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Sergio Pedra


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