Campo Grande
Desmonte cultural em Campo Grande prejudica a população e artistas
Publicado em 17/09/2024 10:45 - Semana On
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A gestão da prefeita Adriane Lopes (PP), em Campo Grande, tem sido marcada por uma série de retrocessos no setor cultural. Embora a cidade possua leis que deveriam garantir o investimento mínimo de 1% do orçamento para a Cultura, a realidade é bem diferente. Desde 2020, o percentual reservado para o setor só diminuiu, chegando a 0,63% em 2024, o menor índice em cinco anos. Isso acontece em um contexto onde a lei municipal, sancionada em 2013, obriga que o valor seja igual ou superior a 1%. Apesar dessa previsão legal, Adriane não cumpre a norma.
Essa redução no percentual destinado à Cultura é ainda mais alarmante considerando que a própria prefeita vetou a destinação de 1% para o orçamento de 2025. Segundo Adriane Lopes, o objetivo é evitar “rigidez orçamentária”. No entanto, para a classe artística e os trabalhadores do setor cultural, a decisão apenas reforça o descaso com um segmento já fragilizado.
Anos de abandono dos fundos culturais
O Fundo Municipal de Investimentos Culturais (FMIC) e o Fomteatro, ambos criados em 2007 para fomentar a produção do setor, sofreram um verdadeiro apagão durante os anos de 2021, 2022 e 2023. Nenhum recurso foi disponibilizado nesse período, o que gerou grande revolta entre artistas e produtores culturais. A classe artística calcula que, nesses três anos, houve um calote de aproximadamente R$ 12 milhões, o que levou a uma série de protestos e manifestações em frente à Prefeitura.
Em 2024, a promessa foi de retomada dos fundos, com o FMIC recebendo R$ 3,2 milhões e o Fomteatro, R$ 800 mil. No entanto, o teto de investimento por projeto continua limitado a R$ 100 mil, o que, para muitos, é insuficiente para revitalizar o setor na capital sul-mato-grossense.
O Prêmio Ipê de Teatro, instituído pelo Decreto Municipal nº 14.759 em junho de 2021, também foi alvo de retrocessos durante a gestão de Adriane Lopes. O prêmio teve apenas uma edição em 2022, quando foram investidos R$ 960 mil em 152 projetos culturais de diferentes áreas: 100 no Artesanato, 32 nas Artes Visuais, 8 no Audiovisual, 4 na Dança, 4 no Teatro e 5 na Literatura. Apesar da promessa feita pela prefeitura de lançar uma segunda edição do prêmio em junho de 2023, o compromisso nunca foi cumprido, deixando a classe artística mais uma vez à espera.
E mais: Na era da tecnologia, a SECTUR de Adriane Lopes só aceita inscrições para os editais por meio dos Correios, com envio do projeto impresso e dentro do envelope, onde deve haver um pendrive com o projeto em PDF que será também enviado por Correio para os pareceristas. Ou seja: para que facilitar se é possível complicar?
Burocracia e atraso em repasses federais
Além do descaso com os fundos municipais, a gestão da prefeita Adriane Lopes também foi marcada pelo atraso nos repasses de recursos federais, como os provenientes das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc.
Campo Grande só começou a repassar os valores da Lei Paulo Gustavo em 2024, mesmo tendo sido contemplada desde 2022. A justificativa da Prefeitura foi a “burocracia”, que teria atrapalhado o pagamento a cerca de 150 artistas.
A Lei Aldir Blanc, que injetou mais de R$ 5,5 milhões anuais em Campo Grande de 2020 a 2024, também enfrenta problemas de execução local. A falta de planejamento e diálogo entre a Secretaria de Cultura e os artistas tem sido um dos principais pontos de crítica.
Espaços culturais fechados e obras atrasadas
Outro aspecto que simboliza o descaso com a Cultura em Campo Grande é o estado de abandono de espaços culturais importantes. O Teatro Municipal José Octávio Guizzo, por exemplo, está há mais de 15 anos sem receber espetáculos. A obra de reforma, iniciada em março de 2023, deveria ter sido concluída em dezembro do mesmo ano. Porém, o prazo foi prorrogado e a nova previsão é para abril de 2025. Mesmo assim, parte dos recursos da Lei Aldir Blanc, que deveriam fomentar atividades culturais, foram destinados à compra de mobiliário para o teatro, o que gerou críticas da comunidade artística.
A Morada dos Baís, outro símbolo cultural de Campo Grande, está fechada há três anos. Em 2021, o prédio foi devolvido pelo Sesc à prefeitura, que iniciou uma reforma. No entanto, o local encontra-se em completo abandono, com pinturas desgastadas, portas quebradas e sem uso adequado. A única parte em funcionamento é uma loja de artesanato, mas os próprios expositores lamentam o impacto negativo causado pelo fechamento do espaço para o turismo e as vendas. As obras do acervo de Lídia Baís também não estão mais na Morada. Atualmente, as obras e artefatos estão sob a responsabilidade do Sesc e da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul.
O emblemático Centro Municipal de Belas Artes, cujas obras começaram em 1991, também continua sem conclusão. Após 30 anos de promessas e paralisações, o prédio segue inacabado, com recursos sendo desperdiçados em projetos mal executados e contratos rescindidos.
Feira Central pode perder recursos
O projeto da Nova Feira Central também enfrenta graves obstáculos sob a gestão de Adriane Lopes. Há o risco iminente de perder cerca de R$ 40 milhões já acordados com a bancada federal e o governo federal para sua construção. Desde 2018, o Iphan-MS tem negado os pedidos da Prefeitura, alegando que a nova construção violaria as normas de preservação histórica do Complexo Ferroviário.
Mesmo após recursos apresentados em 2020 e 2023, ambos foram negados. Em fevereiro de 2024, a prefeitura recorreu ao Iphan Nacional, que encaminhou o caso ao Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização (Depam). Em abril do mesmo ano, a Câmara de Análise de Recursos aprovou, por unanimidade, uma recomendação para indeferir o pedido da prefeitura. Embora o Iphan e o Depam ainda não tenham dado a palavra final, a tendência é que o recurso seja rejeitado, o que pode obrigar a prefeitura a devolver os recursos, incluindo parte direcionada pelo deputado federal Beto Pereira (PSDB), candidato à Prefeitura da capital.
Praça dos Imigrantes à deriva
A revitalização da Praça dos Imigrantes é outro espaço cultural à deriva. Em agosto, a Prefeitura rescindiu o contrato com a empresa responsável pela reforma, a Tascon Engenharia Ltda., firmado em dezembro de 2022 no valor de R$ 439 mil. A obra, que deveria ter sido concluída em três meses, entre junho e setembro de 2023, avançou apenas 63% até ser interrompida. Esta foi a primeira reforma na praça em 22 anos. Agora, com a obra paralisada, o local voltou a se deteriorar, transformando-se em abrigo para usuários de drogas, gerando insegurança para os moradores e prejuízo aos artesãos que dependem do fluxo de turistas na área.
Nomeações questionáveis e a falta de diálogo
Em janeiro de 2023, a classe artística de Campo Grande se mobilizou contra a nomeação da atual secretária de Cultura, Mara Bethânia Gurgel. Administradora sem experiência no setor, ela comandava a Secretaria de Inovação e Desenvolvimento Econômico antes de assumir a pasta da Cultura. Sua nomeação foi vista como um retrocesso, pois teria ocorrido sem diálogo com os artistas e profissionais do setor.
A gestão de Adriane Lopes, em suma, é marcada pelo desmonte do setor cultural. O fechamento de espaços, o atraso nas obras e a ausência de diálogo com a classe artística refletem uma administração que, ao que tudo indica, optou por deixar a cultura de lado, mesmo diante de leis que garantem seu fomento. A cultura, que deveria ser um dos pilares do desenvolvimento social e econômico de Campo Grande, segue negligenciada e à mercê de promessas vazias.
De acordo com o descrito, digo mais: o Parque Florestal Antônio de Albuquerque – Horto Florestal, Cidade a deriva.