11/12/2023 - Edição 525

Brasil

Tarcísio de Freitas quer aniquilar escola pública para lucrar com ela

Professores apontam desafios da escola em tempo integral

Publicado em 07/08/2023 10:01 - João Filho (The Intercept_Brasil), Mariana Tokarnia (Abr) – Edição Semana On

Divulgação Ilustração: Rodrigo Bento/Intercept Brasil

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Nesta semana, a PM de São Paulo protagonizou uma chacina em que 16 cadáveres foram empilhados na Baixada Santista. Para vingar o assassinato de um colega, policiais assassinaram 16 moradores de periferia, muitos deles sem qualquer ligação com o crime. Foram dias de terror para quem mora na região. Há denúncias de execuções sumárias, torturas e ameaças. A carnificina teve o endosso do governador Tarcísio de Freitas, que classificou essa operação criminosa como “profissional” e disse ter ficado “extremamente satisfeito”.

Apesar de ter entrado para a política através do bolsonarismo, Tarcísio é considerado um homem de perfil técnico, liberal e moderado. É assim que a mídia mainstream e a direita, que se diz civilizada, o enxergam. É claro que isso não faz sentido. Tarcísio nasceu no bolsonarismo, defende as ideias essenciais do bolsonarismo e suas ações como governador têm revelado a sua alma bolsonarista. O fato dele saber usar os talheres e se comportar minimamente à mesa do jogo político não o tira do espectro da extrema direita. Assim como Paulo Guedes, Tarcísio é mais um lobo extremista vestido em pele de cordeiro liberal.

Não é só na área de segurança pública que os métodos bolsonaristas estão sendo implantados. A educação pública paulista está prestes a ser destruída por um empresário que, graças ao bolsonarismo, foi alçado à condição de especialista do setor. Renato Feder, o secretário de Educação escolhido por Tarcísio, é um empresário formado em administração de empresas que nunca teve qualquer experiência na área da educação pública. Em 2020, do nada, o empresário passou a ser o nome favorito para assumir o MEC durante o governo Bolsonaro no lugar de Weintraub. Feder só não foi nomeado porque a bancada evangélica pressionou por um nome mais “terrivelmente evangélico”. O empresário então passou a ser cogitado para secretarias de Educação de governos estaduais comandados por bolsonaristas.

Ratinho Jr foi o primeiro a nomear Feder, que comandou uma gestão trágica para a educação pública do Paraná. Sempre guiado pela lógica do mercado, Feder implantou a fórceps, sem consultar professores e especialistas da área, um sistema de ensino à distância durante a pandemia. Ignorando as diferentes realidades dos estudantes, Feder impôs a obrigatoriedade do uso de webcam durante as aulas. Diante da possibilidade de alunos não terem condições para ter os equipamentos necessários para assistir às aulas, Feder soltou a pérola:  “É obrigatório! Obrigatório (sic) a orientação dos professores para abrir a janela! ‘Ai, mas o aluno não tem webcam…’ Se vira!”. Apesar do empresário arrotar o sucesso da medida, o resultado foi péssimo. Alguns colégios tiveram que arrecadar celulares e computadores para os alunos mais carentes e muitos deles não puderam assistir às aulas.

Essa gestão desastrosa, mas considerada moderna aos olhos daqueles que seguem a cartilha ultraliberal, fez com que Tarcísio nomeasse Feder como secretário da Educação em São Paulo. Nesta semana, o empresário decidiu abolir o uso de livros didáticos na rede pública de ensino estadual a partir do 6º ano do fundamental. O governo abrirá mão dos materiais didáticos fornecidos de graça pelo MEC e passará a usar materiais digitais com conteúdo produzido pelo governo paulista. Hoje, as escolas e os professores têm autonomia para escolher os livros que estão disponíveis no catálogo do MEC. Com a decisão de Feder, as escolas serão obrigadas a usar o material indicado pelo governo paulista.

Um relatório da Unesco divulgado na semana passada criticou o uso exclusivo de material digital nas escolas e revelou como isso pode prejudicar a concentração dos estudantes. A entidade alerta ainda para a falta de estrutura tecnológica em boa parte das escolas. Muitos  educadores e especialistas do setor são frontalmente contra a medida e apontam inúmeros problemas na mudança, mas isso não é capaz de frear o ímpeto modernizador do empresário. “A aula é uma grande TV, que passa os slides em Power Point, alunos com papel e caneta, anotando e fazendo exercícios. O livro tradicional sai”, decretou Feder com a convicção de quem nunca estudou o assunto. O aluno que não tiver computador e celular para estudar o conteúdo em casa, já sabe qual é a recomendação do secretário: “se vira!”.

O empresário rebateu as críticas dos educadores e afirmou que os livros do MEC porque são “rasos e superficiais”. A profundidade dos pensamentos de Feder podem ser encontrados em um livro de sua autoria, o “Carregando o Elefante – Como transformar o Brasil no país mais rico do mundo”. Nele, o autor difunde um ultraliberalismo da pior espécie, com ideias estapafúrdias como a extinção do MEC e do ensino público.

Para Feder, todas as escolas devem ser privatizadas. Em um trecho do livro, o empresário compara escolas com lanchonetes: “Assim como é melhor que uma empresa privada frite hambúrgueres, ao invés do governo, o mesmo ocorre no caso da Educação”. No início de seu livro há uma dedicatória especial ao…dinheiro: “Este livro é dedicado ao dinheiro, não pelos bens materiais que se pode comprar com ele mas, sim, enquanto embaixador da produção, do valor e da troca justa. (…) Ao dinheiro, símbolo da criatividade humana e da vontade de homens e mulheres de melhorar de vida”. Esse é o secretário que considera “rasos e superficiais” os livros concebidos por estudiosos da Educação.

Como fica evidente em seu livro, Feder tem em mente um projeto de destruição da educação pública. Seu objetivo final é colocar a iniciativa privada para controlar e regular o setor de acordo com as regras do mercado e, claro, faturar com ele. Seja atuando como empresário, seja como secretário de Educação, é o dinheiro que norteia as suas ações. Poucos dias antes de assumir a secretaria em São Paulo, a Multilaser — empresa fundada e controlada por ele — fechou um contrato de R$ 76 milhões para compra de notebooks educacionais. Agora, como secretário, o empresário é responsável por fiscalizar a execução contratual de sua própria empresa. Parece que agora está explicada a pressa e a obsessão por digitalizar a qualquer custo o ensino público em São Paulo, não é mesmo?

Além desse contrato, a Multilaser mantém outros com o governo. O fato de Feder ter se afastado do comando da empresa dias antes de assumir o cargo no governo é irrelevante. Trata-se, obviamente, de um movimento protocolar para tentar disfarçar um indisfarçável conflito de interesses. Na prática, ele continua sendo acionista da Multilaser através de uma offshore sediada em um paraíso fiscal. Algo parecido ocorreu com outro liberal que emergiu com o bolsonarismo, Paulo Guedes, que era ministro da Economia e, ao mesmo tempo, mantinha dinheiro em conta offshore localizada em paraíso fiscal.

Tal qual Tarcísio e Guedes, Feder é mais um liberaloide que surfou a onda bolsonarista vislumbrando participar da vida pública. Com a ajuda da grande imprensa, eles ainda tentam manter uma aura de modernidade, uma pose de centro-direita, o que é incompatível com o bolsonarismo. O fato é que, ainda que não compartilhem da cartilha do bolsonarismo em sua plenitude, são sócios dele e aceitam numa boa conviver com as tendências fascistoides. Feder não é o empresário liberal que chegou para modernizar o ensino público em São Paulo, mas um empresário escolhido a dedo pelo governo bolsonarista para atuar como o exterminador do futuro.

Tânia Rêgo – Abr

Professores apontam desafios da escola em tempo integral

No último dia 3, o município Mata de São João (BA) alcançou a meta de ter todas as matrículas das escolas municipais em tempo integral. O marco foi atingido com a inauguração da Escola Municipal Professora Angelina Rodrigues do Nascimento, na Praia do Forte. Na cidade, localizada na região metropolitana de Salvador, os alunos da educação infantil e do ensino fundamental passam pelo menos sete horas por dia na escola e têm atividades de esporte, cultura e sustentabilidade.

A modalidade tornou-se política pública nacional esta semana com a sanção da Lei 14.640/2023, que institui o Programa Escola em Tempo Integral. O governo federal irá investir R$ 4 bilhões para ampliar em 1 milhão o número de matrículas de tempo integral nas escolas de educação básica em 2023. A meta é alcançar, até 2026, cerca de 3,2 milhões de matrículas.

Mata de São João, segundo o secretário de Educação do município, Alex Carvalho, deverá aderir ao programa federal para qualificar a oferta do ensino em tempo integral. Agora, depois da sanção da lei, os detalhes do programa serão definidos após um ciclo de seminários nas cinco regiões. Os debates começaram também esta semana, em Cuiabá, na quinta e na sexta-feira (4) e são transmitidos pelo YouTube.

Em Mata de São João, desde 2010 o governo local investe em educação em tempo integral. “Essa decisão se baseia nos estudos e pesquisas que foram desenvolvidas pelo município que apontaram a educação integral como uma possibilidade de melhorar a qualidade da aprendizagem dos alunos”, diz o secretário de Educação. Carvalho atribui à modalidade a melhora no desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que mede a qualidade do ensino. A cidade teve o melhor desempenho nos anos iniciais do ensino fundamental, do 5º ao 9º ano da região metropolitana, em 2021.

Além das estruturas das próprias escolas, os alunos contam com equipamentos da cidade para o ensino e aprendizagem. “Usamos a praia, o campo, a praça da cidade. Nossa ideia foi transformar Mata de São João em um território educativo. Fazemos trilha com os estudantes, mostramos a natureza, mostramos os projetos que tem na cidade, como o projeto Tamar e o projeto Baleia Jubarte. Apresentamos a história da nossa cidade, a relevância dela para nosso país e nosso estado. Existe esse trabalho onde os alunos aproveitam todos os ambientes possíveis de aprendizado”, diz o secretário.

Referência em tempo integral

Para o Ministério da Educação (MEC), a educação em tempo integral é a ampliação do tempo de permanência nas escolas para um período igual ou superior a sete horas diárias ou 35 horas semanais. A modalidade tem como finalidade a perspectiva do desenvolvimento e formação integral de bebês, crianças e adolescentes a partir de um currículo intencional e integrado, que amplia e articula diferentes experiências educativas, sociais, culturais e esportivas em espaços dentro e fora da escola com a participação da comunidade escolar.

A educação em tempo integral é realidade na Escola de Referência em Ensino Médio Ginásio Pernambucano desde 2004. A escola, que está localizada no Recife, funciona no colégio mais antigo do país, fundado em 1825. Os 692 alunos, todos do ensino médio, têm nove aulas por dia, das 7h30 às 17h. Eles têm três refeições diárias e as atividades são tanto conduzidas pelos professores quanto desenvolvidas pelos próprios estudantes em alguns momentos, para incentivar o protagonismo dos adolescentes.

“A gente percebe a educação integral, e costuma conversar com os estudantes, como algo que não tem a ver com o tempo que fica na escola, mas com a integralidade da formação, a integralidade enquanto formação de sujeitos sociais”, diz o gestor da escola, Oscar Neto. “Ela vai desenvolvendo autonomia, resiliência, proatividade, tomada de iniciativa. Os jovens são mais criativos, mais inventivos, argumentam, participam, refletem criticamente. Começam a construir um arcabouço necessário para o mundo e não só para o mundo do trabalho, mas para outras esferas da vida”, complementa.

Neto explica que uma das atividades é criada pelos próprios jovens, o chamado clube do protagonismo. Trata-se de clubes que funcionam nos intervalos das aulas, onde os alunos desenvolvem atividades como teatro, dança, xadrez, jogos de tabuleiro. “Eles aproveitam esse momento para interagirem, para alicerçar as aprendizagens”, explica.

Para os estudantes

A presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Jade Beatriz, é uma das estudantes que cursaram o tempo integral no ensino médio na Escola Estadual de Educação Profissional Dona Creusa do Carmo Rocha, em Fortaleza. “A experiência que eu tive foi positiva. Eu fiz curso técnico e, no contraturno, tinha oficina de teatro, oficina de dança, de canto e, inclusive, aula de reforço com professores.”

Ela ressalta, no entanto, que, para que funcione, o tempo integral precisa de uma estrutura mínima e também de bolsas para auxiliar os estudantes que permanecerão mais tempo na escola. A Ubes aponta alguns desafios para a implementação escolar, entre eles está o fato de que para implementar o ensino integral, escolas acabam fechando sobretudo o ensino noturno. Isso faz com que estudantes que precisam trabalhar acabem abandonando os estudos.

Para que isso não aconteça, a estudante diz ser necessário um auxílio para que esses alunos possam ter condições de cursar o ensino integral. Além disso, ressalta, é preciso uma melhora na merenda para que os alunos tenham acesso a três refeições que sejam nutritivas, além de melhoria na infraestrutura das escolas, muitas vezes sucateadas.

“Muitos jovens estão subempregados, como entregadores, nos sinais vendendo bala. Para combater isso e também o trabalho infantil, a gente entende que é importante ter bolsa permanência para escolas em tempo integral. Que isso seja feito de forma qualitativa, entendendo que as escolas que vão aderir precisam passar por reestruturação tanto da parte pedagógica quanto da infraestrutura”, diz Beatriz.

Educação integral

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei 9.394/1996, prevê que as escolas tenham uma carga horária mínima anual de 800 horas, distribuídas em no mínimo 200 dias de efetivo trabalho escolar, o que equivale a quatro horas diárias.

Estender a jornada escolar é uma meta prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13.005/2014. O PNE estabelece a oferta de “educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da educação básica”. O Relatório do 4º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE 2022 mostra que o percentual de matrículas em tempo integral na rede pública brasileira caiu de 17,6%, em 2014, para 15,1%, em 2021.

“Quando se fala de escola integral fora do Brasil, isso não faz nem sentido se é só escola, pois a escola já tem uma carga horária de sete horas. Estamos falando em um rearranjo do sistema educacional para estar em linha com o que é visto internacionalmente. A gente espera resultados semelhantes no Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Alunos] e no PIRLS [Estudo Internacional de Progresso em Leitura], mas com uma oferta de educação em tempo inferior”, diz o diretor de Projetos da Fundação Lemann, Lucas Rocha.

O gerente de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, Ivan Gontijo, complementa: “Acho que o governo federal acerta em lançar um programa para induzir as matriculas em tempo integral para que os estudantes passem mais tempo na escola, mas o grande desafio é que essas escolas que vão ser transformadas do tempo parcial para o tempo integral sejam escolas que tenham proposta pedagógica diferenciada. Porque só aumentar a carga horaria para ser mais do mesmo não faz muito sentido. Então, acho que esse é o grande desafio para a implementação dessa política. Como garantir que essa escola em tempo integral seja verdadeiramente integral”, diz.

Gontijo ressalta que a escola em tempo integral não pode ser uma escola “em que os alunos, ao invés de passarem quatro horas sentados enfileirados passam sete horas. Não é essa a proposta. É uma proposta em que estudante são colocados no cento do processo de ensino e aprendizagem, têm seu processo de protagonismo juvenil desenvolvido, têm outra relação com o espaço da escola, isso é uma coisa que a gente precisa pensar”.

Desafios

De acordo com a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, uma das conquistas no novo programa é a priorização de escolas que atendam estudantes em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica.

“Uma das preocupações que a gente tem sempre é que educação em tempo integral normalmente tinha ficado, na história, muito dedicada a escolas urbanas, em locais que tem população mais rica, mais branca e não atingia uma população que não só precisa como tem direito a uma educação integral”, diz.

A implementação do tempo integral traz, de acordo com a coordenadora-geral, alguns desafios como a melhoria da infraestrutura das escolas, a definição de um plano de carreira para os docentes, que passarão a trabalhar mais horas por dia em uma mesma escola, e políticas para a permanência dos estudantes.

Com apontado por Jade Beatriz, Andressa Pellanda também defende a necessidade de bolsas para estudantes. “Eu acho que uma das questões primordiais é permanência. A gente sabe que vários estudantes não ficam, saem da escola no tempo parcial porque não têm condições de se manter na escola. E, para o tempo integral mais ainda, o estudo que foi feito agora é que precisava ter um incentivo para essas populações que estão em situação de vulnerabilidade. A gente precisa de política de permanência. Educação integral sem permanência ou não existe ou existe de maneira excludente”.

Segundo a coordenadora-geral, esse programa é um passo, mas ainda é preciso avançar, tanto na lei do PNE, quanto no financiamento, no Sistema Nacional de Educação, “para cada vez mais a educação brasileira parar de falar de educação em tempo integral e falar em educação integral, que é o modelo de direito que a gente defende”.


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