Brasil
Publicado em 21/07/2022 12:00 -
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Os poucos homens da Força Nacional destacados pelo governo federal para resguardar a vida de agentes da Funai na Terra Indígena (TI) Vale do Javari ainda não conseguiram proteger os servidores mais vulneráveis. O motivo é a falta de embarcações e armamento adequado.
Os agentes não possuem armas de grosso calibre, nem barcos para deslocar as equipes até as bases de proteção, em uma região onde os rios são o principal meio de transporte. As informações foram relatadas à reportagem por pessoas que pediram anonimato.
As embarcações devem ser blindadas contra tiros, em função do poder de fogo de narcotraficantes que atuam na área. A Funai local dispõe de barcos com motores pouco potentes e sem blindagem. Pouco ágeis, os veículos disponíveis não servem para perseguir embarcações clandestinas ou realizar flagrantes e prisões.
Servidores da região afirmam que o efetivo total é de oito homens, número insuficiente para atuar nas cinco bases da Funai distribuídas em áreas remotas. A Funai local e a Força Nacional calculam que seriam necessários pelo menos 20 agentes para atender à demanda.
No dia 11 de julho, integrantes da Funai e da Força Nacional que estão em Atalaia do Norte (AM) solicitaram o envio de mais homens, armas e embarcações. Até agora o pedido não foi atendido.
Desprotegidos, servidores da Funai – muitos deles indígenas – vivem na iminência de se tornarem os próximos alvos. A reportagem apurou que os funcionários das bases de proteção foram orientados a afrouxarem a fiscalização para evitarem confrontos.
Patrulhamento em áreas cruciais está suspenso
Os agentes da Força Nacional enviados após o duplo homicídio do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips conseguem patrulhar apenas a sede do órgão indigenista na cidade de Atalaia do Norte (AM). O deslocamento deles aos pontos mais críticos da TI Vale do Javari foi suspenso por falta de efetivo e equipamentos.
Das cinco Bases de Proteção Etnoambiental (BAPEs) da Funai na TI Vale do Javari, a única com presença fixa da Força Nacional é a dos rios Ituí e Itaquaí, onde Pereira e Phillips foram assassinados.
Na BAPE Ituí/Itaquaí, porém, o efetivo atual não foi enviado em função das mortes de Bruno e Dom. Os dois homens da Força Nacional que reforçam o patrulhamento estão lá desde 2019, como resposta a uma sequência de ataques a tiros contra a instalação.
As BAPEs são os pontos mais vulneráveis à violência. Por elas passam regularmente embarcações carregando toneladas de carne e peixe extraídos ilegalmente da TI, muitas vezes escoltadas por homens fortemente armados que reagem contra a fiscalização.
Servidores e indígenas expostos à violência
Os servidores que atuam nas BAPEs são, em maioria, temporários e integrantes de povos indígenas da região. Eles não passaram por capacitação profissional para atuar sob risco de morte, nem possuem autorização para portar armas.
Na região da BAPE do rio Curuçá, as invasões aumentaram desde as mortes de Bruno e Dom. Servidores relataram à Força Nacional trânsito mais frequente de embarcações clandestinas ocupadas por pessoas fortemente armadas.
Outra base que segue desprotegida é a do rio Jandiatuba. Na última semana, servidores que atuam no local foram intimidados por dois garimpeiros armados enquanto trabalhavam. Ninguém ficou ferido.
A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) afirma que a principal função da base Jandiatuba é assegurar a integridade física e territorial de grupos indígenas isolados que vivem nos rios Jandiatuba e Jutaí.
“O que nós, Univaja, vemos até o momento, é um jogo de empurra-empurra entre as instituições em que uma joga a responsabilidade para a outra. Enquanto isso, não há um planejamento sério para o enfrentamento da criminalidade no Vale do Javari”, afirmou em nota a organização indígena.
A reportagem perguntou ao ministério da Justiça qual a previsão de reforço nos equipamentos e à Funai quais medidas estão sendo tomadas para melhorar a infraestrutura da unidade local. Se houver resposta, a publicação será atualizada.
Intimidação de garimpeiros mostra que segurança piorou no Javari após mortes de Bruno e Dom
Servidores indígenas e não indígenas da Funai no Vale do Javari foram intimidados por dois garimpeiros armados enquanto trabalhavam na Base de Proteção Etnoambiental (Bape) no rio Jandiatuba. A denúncia foi divulgada no último dia 19 pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
Os homens “perguntaram quantos funcionários (entre eles, indígenas do povo Matis) estavam trabalhando naquela Base, com clara intenção de assediar os servidores”, relata em nota a organização indígena.
O aumento da presença de balsas de garimpo já havia sido denunciado às autoridades de segurança antes das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, mas, 40 dias após o episódio, a região segue sem reforço na segurança.
O próprio Bruno Pereira, quando atuava pela Univaja, havia relatado a presença dos garimpeiros à Polícia Federal (PF), três meses antes de ser assassinado por pescadores ilegais cujas atividades também eram alvo do monitoramento do indigenista licenciado.
É o segundo caso registrado de intimidação contra servidores da Funai após o duplo homicídio no Vale do Javari. No dia 1º de julho, dois colombianos foram até a sede do órgão indigenista em Atalaia do Norte. Eles não se identificaram e questionaram os funcionários sobre a "morte do jornalista inglês", logo após entrarem na sede do órgão indigenista sem autorização.
A reportagem perguntou à Funai quais medidas estão sendo tomadas para proteger os servidores e indígenas, mas não obteve resposta.
“Jogo de empurra-empurra” com as vidas no Javari
A Univaja afirma que a dupla foi até o local por volta das 17h do último dia 15. Os únicos presentes eram servidores temporários da Funai, a maioria indígenas da região, que não têm direito a porte de arma, nem tiveram treinamento para atuar em situações de conflito. Mesmo após as mortes de Bruno e Dom, não há presença do Exército, Polícia Militar ou Força Nacional na base Jandiatuba.
“Uma das principais atribuições dos servidores da FUNAI na Base Jandiatuba é a proteção da terra indígena para assegurar a integridade física e territorial de grupos indígenas isolados que vivem nos rios Jandiatuba e Jutaí”, explicou a Univaja.
A Univaja aponta que a intimidação direta contra os servidores demonstra um novo grau de liberdade na atuação dos criminosos ambientais. Em nota, a organização se espanta que a situação tenha piorado mesmo após a ampla repercussão nacional e internacional dos assassinatos, que não foram seguidos de nenhuma “ação ativa e preventiva do Estado brasileiro”.
“O que nós, Univaja, vemos até o momento, é um jogo de empurra-empurra entre as instituições em que uma joga a responsabilidade para a outra. Enquanto isso, não há um planejamento sério para o enfrentamento da criminalidade no Vale do Javari”, afirma a organização indígena.
Funai e PF já sabiam da presença dos garimpeiros, diz Univaja
A Univaja informa que um relatório elaborado em março deste ano pela Frente de Proteção Etnoambiental da Funai, responsável por indígenas isolados e de recente contato, já apontava a presença de 19 balsas de garimpo em atividade no Jandiatuba. O monitoramento flagrou a retirada ilegal de madeira para construção das balsas, que eram operadas por homens armados.
No mesmo período, a Univaja afirma ter informado à Polícia Federal (PF) no Amazonas a respeito do “aumento exponencial” da atividade garimpeira no interior da terra indígena. “Nesse ofício, a UNIVAJA registrou coordenadas de GPS sobre a presença de atividades de garimpo ilegal em diferentes rios da terra indígena, dentre eles, o rio Jandiatuba”, informa a organização.
Proximidade com isolados preocupa
Segundo a Univaja, as balsas de garimpo no rio Jandiatuba estão a 30 quilômetros de onde foi confirmada a presença dos indígenas isolados e de recente contato. A distância é pequena, levando-se em consideração a extensa área da TI Vale do Javari, quase do tamanho de Portugal.
Indígenas com esse perfil são mais suscetíveis a doenças infectocontagiosas. Por não conhecerem a dinâmica da sociedade não indígenas, estão mais expostos a serem vítimas de conflitos e aliciados pelos garimpeiros.
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