Brasil
Publicado em 10/05/2019 12:00 -
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Pessoas que se dedicam ao trabalho informal no Brasil estão sempre ao alcance dos olhos.
Dentro dos vagões do metrô, dos ônibus e trens das grandes cidades, trabalhando entre estações e vivendo o risco de ser pego pela fiscalização, vendedores oferecem aos passageiros fones de ouvido, doces, suportes para celulares e toda sorte de mercadorias. Fora dos vagões, no entorno dos pontos de ônibus, das estações e terminais de transporte coletivo, vendem produtos diversos como frutas, café, sucos e bolos em barracas.
Com roupas, relógios e acessórios ocupam as calçadas, no centro comercial dos bairros, ou estão no trânsito levando algum passageiro ao seu destino. Segundo a Pnad Contínua do IBGE, 39,5 milhões de trabalhadores estão na informalidade no primeiro trimestre deste ano, o que corresponde a 43% da população ocupada no país. O Brasil de Fato foi às ruas ouvir trabalhadores e trabalhadoras informais e compreender as perspectivas do trabalho que exercem.
“O Brasil para mim é minha família, é minha mãe. Ele me enche a barriga, paga as minhas contas e as da minha família”, diz o peruano Jorge Poémape (63). Ele chegou em terras brasileiras no ano de 1983, e desde então trabalha como vendedor ambulante. Há 27 anos comercializa roupas e livros em frente ao Restaurante Central da Universidade de São Paulo (USP).
Agradecido, Poémape diz “vestir a camisa” do país que o acolheu, mas percebe que as coisas têm piorado ultimamente: “Antes tinha inflação, mas tinha pessoas que consumiam, tinha dinheiro. Agora está tudo parado. Hoje você compra o que é necessário, que é alimentação, o resto você pensa. Minhas vendas diminuíram cerca de 70% nos últimos anos”, estima.
Não há trabalho formal
O desemprego já atinge 13,4 milhões de brasileiros. Destes, 4,8 milhões estão em situação de desalento, quando se desiste de procurar trabalho. A economista Marilane Teixeira, pesquisadora de relações trabalho e gênero do CESIT/IE – Unicamp explica que sem a possibilidade de ter um emprego formal, os trabalhadores encontram formas de sobreviver pela sua própria demanda e vão para lugares públicos de maior circulação para oferecer seus produtos e serviços.
“O Brasil sempre teve um número grande de trabalho informal, porém, até 2015, houve políticas públicas de ampliação do emprego formal. Mas, nos últimos anos, todo trabalho que vem sendo gerado é na informalidade. É a figura do trabalhador por conta própria que assume diversas expressões, desde o ambulante, autônomo, PJ [pessoa jurídica], mas que não tem direito nenhum”, explica a economista.
Teixeira revela que o perfil de trabalhadores informais na região central da capital paulista, por exemplo, é de pessoas com mais de 50 anos, a maior parte tentando encontrar trabalho ou trabalhando por conta. Também há jovens desempregados há dois ou três anos e pessoas que já perderam esperança de retornar para o mercado de trabalho.
Diante da falta de empregos formais, muitos preferem trabalhar informalmente, sem a figura do patrão. “Trabalhar assim é melhor que trabalhar de empregada, porque cansa menos e ganha mais”, opina Leonice Santiago, em frente a mesa na qual expõe seus brigadeiros, bolinhos de pote e cones trufados.
Ela começou sua trajetória de vendedora ambulante há 3 anos, depois de perder o emprego. “Tenho vontade de melhorar minhas vendas e montar um negócio, uma fábrica de chocolate”, acrescenta. Santiago diz não ter vontade de trabalhar com carteira assinada, mas se preocupa com a aposentadoria. “Não sei o que vou fazer para me aposentar. Até porque sempre trabalhei sem registro. Vou ter que começar a pagar uma previdência privada. Isso é a única coisa que me incomoda”, afirma a doceira.
Informalidade: sem patrão, mas sem direitos
A restrição de acesso a direitos trabalhistas é uma das preocupações comuns entre trabalhadores informais. “Sinto falta da CLT por conta dos benefícios como FGTS, uma garantia que no trabalho informal você não tem”, comenta a vendedora de roupas infantis Meire, 45, que está no comércio informal do Calçadão de Osasco, na Grande São Paulo, há 15 anos. Ela reforça, no entanto, que não trocaria a informalidade por um emprego com carteira assinada.
“Minha renda é maior vendendo assim do que com carteira assinada. E com as mudanças nas leis aí que eu não penso mesmo” (Meire, ambulante de Osasco)
“É maravilhoso! É bom trabalhar com o público. Eu amo meus clientes”, exclama Núbia, vendedora de cachorro-quente, trabalhando há 20 anos no Calçadão de Osasco. Ela considera seu carrinho “como uma empresa”, e planeja poupar dinheiro para quando precisar se aposentar “viver de renda”. “Nosso país está tão do avesso que não dá para você confiar. Hoje em dia, quem depende do INSS está juntando latinha. Aposentadoria hoje não vale a pena. É tão pouco o salário, que não tem como…”, contesta a comerciante.
Núbia é outra que diz não sentir mais falta de emprego com carteira assinada. “Já criei meus filhos, eles já fazem faculdade, me ajudam. Hoje eu me sinto com dever cumprido, dei tudo pra eles do bom e do melhor, graças ao trabalho com cachorro quente”, explica.
Jornada dupla, riscos por conta do trabalhador
Segundo a economista Marilane Teixeira, é possível que a renda do trabalho por conta própria seja superior ao trabalho formal em alguns setores, porém é preciso pesar o esforço necessário. Dependendo da ocupação, como motorista de aplicativo ou como autônomo na rua, o trabalhador pode ter que trabalhar de 14 até 16 horas por dia.
“Ele até pode avaliar que monetariamente consegue uma renda maior do que no trabalho formal, mas se acontecer um acidente, um adoecimento ou uma gravidez, quem vai assegurar isso? Então pode ser uma ilusão de que ganhe mais, mas trabalha-se mais e não tem acesso aos auxílios e direitos trabalhistas” (Marilane Teixeira, economista)
Teixeira avalia que não há chances de recuperar o emprego de qualidade com algum grau de proteção social sem que ocorram mudanças na forma como é conduzida a política econômica no país. “A equipe de Bolsonaro foca todas as expectativas na Reforma da Previdência, como se ela milagrosamente fosse abrir as portas da economia e como se os empresários fossem reagir de forma otimista, aumentando assim a demanda e os níveis de empregos. Tudo isso é ficção, não tem nenhuma chance disso acontecer. Pelo contrário, se ela for aprovada, vai se retrair o mercado de trabalho e o consumo”, contraria a economista.
Nos anos de 2017 e 2018, apesar de um tímido crescimento econômico em relação aos dois anos anteriores, os empregos gerados foram basicamente no setor de comércio e serviços. O setor representou 90% dos empregos formais gerados no ano passado, segundo dados do Caged.
Nos últimos três meses, segundo o IBGE, 1,2 milhão de pessoas a mais passaram a procurar emprego no país, sem que houvesse aumento da taxa de emprego em qualquer dos setores da economia. Emerson Pelegati, de 43 anos, era porteiro de um prédio e complementava a renda trabalhando como ajudante de pedreiro. Um dia, trabalhando em um desses bicos, acidentou-se e acabou afastado do emprego por nove meses. No retorno ao trabalho, foi demitido.
Enquanto não consegue um emprego fixo, Emerson vende água mineral na rua e coleta material reciclável. “Nosso país é tão rico e muita gente trabalha na informalidade, porque não tem emprego na periferia. Moro em uma comunidade que não tem saneamento básico, não tem água e nem luz direito.Todo mundo de lá [Cidade Tiradentes] trabalha para cá”, conta Pelegati.
“Na época do PT eu trabalhava em duas empresas, chegava cansado, mas feliz em casa. A minha geladeira era cheia, e hoje em dia não consigo fazer direito um mercado ou uma feira. Abre o armário é só farinha, abre a geladeira só pedra de gelo”, diz, lembrando-se de uma época em que a situação não era tão difícil. Apesar do trabalho na informal, Pelegati não desistiu de buscar empregos: “Saio em busca todos os dias, de segunda a sexta-feira. Vou no Poupatempo, no CAT, nas agências de emprego, converso nas lojas”.
Uberização: informalizar qualquer trabalho
A uberização é um novo estágio da exploração do trabalho que evidencia a tendência de transformação do trabalhador em microempreendedor e em trabalhador amador produtivo, é o que aponta a pesquisa realizada pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Tendência global, a uberização atinge as mais diversas ocupações, com diferentes qualificações e rendimentos. Trata-se de um processo de informalizar o trabalhador, como explica Ludmilla Costhek Abílio, doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP, responsável pelo estudo.
“A ‘uberização’ é uma nova forma de organização, de controle, de gestão do trabalho que conta com a transformação do trabalhador em um empreendedor de si próprio. Melhor seria a gente falar que ele é um auto-gerente de si.” (Ludmila Abílio, cientista social)
Nesse processo, várias formas de precarização do trabalho que estão em jogo. Eliminação de direitos, mediações sobre o que é tempo de trabalho e o que não é, remunerações do trabalhador, férias, aposentadoria. “O mundo do trabalho é conflituoso. Essa relação dos direitos do trabalhador com o Estado e com quem os contrata é um cabo de guerra. Há algumas décadas, e agora a gente volta a ouvir isso com alguma força, os direitos associados são apresentados como custos, como entraves para a economia. Isso é uma construção ideológica”, afirma a socióloga.
Consideradas uma nova cara das terceirizações, as empresas-aplicativos têm alta visibilidade, mas pouca materialidade, apresentando-se como meras mediadoras entre o trabalhador e o consumidor. “Elas dizem: Nós só estamos aqui para organizar este simples encontro. Mas na verdade essas empresas detêm meios de subordinação dos trabalhadores”, explica.
Os aplicativos já se tornaram os maiores empregadores do Brasil. São 14 milhões de pessoas trabalhando para aplicativos como iFood, Uber, Loggi. “Como a gente vai compreender esse trabalhador? Como a gente vai fazer sua defesa? Que posição o Estado tem que ter em relação a esses trabalhadores?”, problematiza.
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