Brasil
Publicado em 30/11/2018 12:00 -
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Metade dos brasileiros (54%) que participaram do Mais Médicos desistiu do programa em até um ano e meio. Os dados, obtidos via Lei de Acesso à Informação, são referentes ao período de 2013 a 2017. O contrato prevê três anos de trabalho.
A alta rotatividade dos profissionais preocupa especialistas, especialmente depois que Cuba anunciou a saída do programa. O governo de Havana não aceitou as condições impostas por Jair Bolsonaro (PSL), que incluíam revalidação do diploma e mudanças na forma de remuneração.
Para efeito de comparação, mais da metade dos cubanos ficava mais de dois anos e meio no Mais Médicos.
O entra e sai de médicos é mais expressivo em São Paulo e Mato Grosso, onde sete a cada dez participantes deixou o programa em até um ano e meio —em SP, 40% não ficaram nem 12 meses.
A maioria dos desistentes (58%) atuava em periferias de capitais e regiões metropolitanas e áreas consideradas de extrema pobreza. É justamente neste último grupo de municípios que estava fatia significativa dos cubanos (35%, contra 25% do Brasil).
Para evitar distorções, foram desconsiderados da análise profissionais que participaram da parceria do Mais Médicos com o Provab. O programa, extinto em 2016, dava bônus nos concursos de residência médica para aqueles que trabalhassem um ano na atenção básica. Também não foram contabilizados os brasileiros formados no exterior que não fizeram a prova de revalidação do diploma.
Segundo especialistas, o perfil dos integrantes do Mais Médicos é de recém-formados, que querem trabalhar por um ou dois anos antes de começar a residência. Muitos deles se graduaram em instituições privadas e contrataram financiamentos para arcar com as mensalidades.
"Hoje temos uma legião de médicos que sai da faculdade com dívida muito alta. A preocupação deles é o pagamento da dívida, ou o abatimento. Então, depois de um ano e meio ganhando R$ 11 mil [valor aproximado da bolsa], eles vão embora", diz Mauro Ribeiro, presidente em exercício do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Outra hipótese a ser considerada são as condições de trabalho oferecidas em áreas mais afastadas e periferias de grandes cidades, onde a estrutura das unidades de saúde muitas vezes é precária.
"As dificuldades, a qualidade de vida, as condições de trabalho inadequadas certamente podem ser fatores. É um mercado com pleno emprego. O médico suporta um tempo, mas depois sai, vai fazer residência", diz Mário Scheffer, professor da USP e autor do estudo Demografia Médica 2018, que traçou o perfil dos profissionais da medicina.
A alta rotatividade de médicos é considerada prejudicial em programas de atenção básica e saúde da família, em que o acompanhamento dos pacientes por longos períodos é fator importante.
"O cenário não é o ideal, mas, considerando a dificuldade histórica de fixar médicos no interior, que não é só do Brasil, [o governo] tem que trabalhar com essa característica [da rotatividade], pensar em como se garante a reposição [das vagas] e fazer com que a assistência seja adequada", diz Scheffer.
O entra e sai de médicos é ainda pior em cidades afastadas e distritos de saúde indígena. Na UBS (Unidade Básica de Saúde) da terra indígena Massacará, em Euclides da Cunha (BA), a 330km de Salvador, os índios kaimbé lamentam a saída dos cubanos. A UBS está sem médico e não há previsão de substituição.
Segundo o cacique Edicarlos de Jesus, 46, antes dos cubanos os médicos não paravam no posto, que atende 1.175 índios, em sete aldeias. "Os brasileiros passavam uma temporada e saíam. Chegava a trocar três vezes por ano. E nisso a gente ficava meses sem nenhum médico", afirma.
O médico cubano estava havia três anos no posto. "Ele conhecia todo mundo, essa é a qualidade do cubano. O brasileiro, quando a comunidade menos esperava, ia embora", diz.
O agente de saúde e presidente do conselho local, Narciso Gonçalvez, afirma que os médicos brasileiros, além de ficarem pouco tempo no cargo, faziam vários trabalhos ao mesmo tempo.
"Eles estavam aqui dois dias por semana. Nos outros, faziam plantão em cidades vizinhas. Faltavam, chegavam atrasados, sempre tinha um imprevisto. Já os cubanos estavam aqui direto."
Segundo o secretário de Saúde de Euclides da Cunha, o enfermeiro Claudio Lima, os postos de saúde indígena são sempre os últimos a serem preenchidos. "Quando a gente contrata pelo município a rotatividade é enorme, às vezes saem em três meses", diz.
Ele se preocupa com os novos médicos do programa. "Até agora se apresentaram 7, dos 16. É a primeira vez que vamos ter brasileiro com CRM [registro no Conselho Regional de Medicina] aqui. Eu receio que eles não fiquem muito tempo", afirma.
Em situação parecida, a cidade de Juruá (AM), a 24 horas de barco de Manaus, tinha até esta quinta-feira (29) três vagas abertas no programa –e nenhum médico interessado em ocupá-las.
53,5% dos brasileiros ficam até um ano e meio no Mais Médicos
Outros 26 municípios ainda não tinham perspectiva de preencher todas as vagas após uma semana das inscrições do novo edital do Mais Médicos, aberto na semana passada para preencher os postos vagos após a saída dos cubanos. "Todo médico que vem aqui só quer ficar por 15 dias ou com salários mais altos", relata a secretária de Saúde de Juruá, Nádia Teixeira.
Levantamento com base em lista do Ministério da Saúde mostra que, até às 18h desta quinta, todas as 151 vagas ainda disponíveis estavam em municípios de maior vulnerabilidade socioeconômica ou em distritos sanitários indígenas.
A dificuldade no preenchimento desses postos, porém, contrasta com a alta adesão geral registrada. Das 8.517 vagas ofertadas, 8.366 já foram ocupadas, segundo a pasta.
Balanço do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, porém, aponta que essa adesão pode ter deixado ao menos outras 2.844 vagas abertas em unidades de saúde. O número corresponde aos profissionais que já atuavam no Programa Saúde da Família antes de se inscreverem para o Mais Médicos.
Outra preocupação dos secretários está nos relatos que vêm sendo recebidos sobre possíveis desistências de inscritos, algo comum em anos anteriores. "Há uma falsa ideia de que a intenção manifesta nas vagas vai se transformar imediatamente em médico presente em todos os lugares e que eles lá permanecerão. Quem acha isso tem total desconhecimento da realidade", diz Scheffer, da USP.
De acordo com a professora da UnB (Universidade de Brasília) Leonor Pacheco, para mudar essa realidade é preciso investir nos programas de formação em saúde da família. Segundo ela, mais universidades têm focado a atenção básica, mas ainda é preciso melhorar. "As pessoas não podem achar que só é bacana ser cirurgião plástico. É bacana ser médico da família, é bacana estar na comunidade."
Em nota, o Ministério da Saúde diz que "está adotando todas as medidas para garantir a assistência dos brasileiros atendidos pelas equipes da Saúde da Família que contam com profissionais de Cuba".
Segundo a pasta, vagas não preenchidas devem ser direcionadas a outro edital, a ser lançado após 14 de dezembro.
Sobre a alta rotatividade de profissionais, disse que são lançados editais periódicos para cobrir desistências e que é oferecida "remuneração diferenciada" aos participantes.
"É preciso entender que o Mais Médicos é um programa dinâmico e a escolha para atuar no Programa é uma decisão individual, portanto, a pasta não possui autonomia sobre a permanência desses profissionais no programa. Além disso, os profissionais formados no exterior recebem um registro especial para atuação restrita à atenção básica e em localidade especificada pelo programa por, no mínimo, três anos", diz o texto.
Locais rejeitados
Desde a saída dos médicos cubanos, o município de Juruá, no interior do Amazonas, vive um cenário de alerta na saúde.
“Ficou o caos. Estamos mantendo o auxílio com base em enfermeiros e no único médico que temos, mas que também atende urgência e emergência e não pode ficar em tempo integral”, diz a secretária de saúde do município, Nádia Teixeira.
Localizado a 24h de distância da capital do estado, Manaus, e com acesso apenas por barco e lancha, a cidade de até 14 mil habitantes tinha até esta quinta-feira (29) três vagas abertas no programa –e nenhum médico interessado em ocupá-las.
“Quando vi o edital, já sabia que sairíamos prejudicados. Todo médico que vem aqui só quer ficar por 15 dias ou com salários mais altos”, relata.
Além de Juruá, outros 26 municípios ainda não tinham perspectiva de preencher todas as vagas após uma semana das inscrições.
Em comum, são municípios de mais difícil acesso e com maior nível de pobreza –fatores que acabaram deixando para que ficassem em último na escolha de profissionais.
Para representantes das duas prefeituras ouvidas, a distância em relação à capital e cidades maiores é o principal impeditivo para escolha das vagas.
“Desde que abriram as vagas, ao menos três médicos já entraram em contato comigo pedindo como era a distância”, relata Kárita Mendes, secretária de saúde em Jutaí, cidade cujo tempo de deslocamento até Manaus varia de um a quatro dias.
Outro pedido tem sido por aumento: segundo Mendes, os mesmos três profissionais pediram por um pagamento maior –de R$ 11,8 mil, a proposta é que o valor subisse para R$ 20 mil a R$ 30 mil. “Mas não temos como pagar isso”, diz.
Segundo Mendes, nos últimos anos, cubanos foram alguns dos poucos que aceitaram se fixar por mais tempo no local.
Sem outros médicos na atenção básica após a saída dos estrangeiros, unidades de saúde quase fecharam as portas.
A solução, diz Mendes, foi montar um sistema de “rodízio” com outros municípios até o fim do edital. Até esta quinta, porém, nenhuma das seis vagas havia sido preenchida.
Migração
A dificuldade no preenchimento destas vagas, no entanto, contrasta com a alta adesão registrada no edital do programa.
Das 8.517 vagas ofertadas, 8.366 já foram ocupadas, segundo o ministério.
Balanço do Conasems, porém, aponta que essa adesão pode ter deixado ao menos outras 2.844 vagas abertas nas unidades de saúde.
O número corresponde ao total de médicos que já atuavam no Programa Saúde da Família antes de se inscreverem para atuarem no Mais Médicos.
Outra preocupação dos secretários está nos relatos que vem sendo recebidos sobre possíveis desistências de inscritos, informa Mauro Junqueira, presidente do conselho.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que “está adotando todas as medidas para garantir a assistência dos brasileiros atendidos pelas equipes da Saúde da Família que contam com profissionais de Cuba”. Segundo a pasta, vagas não preenchidas devem ser direcionadas a um segundo edital, previsto para ser lançado após 14 de dezembro, prazo final para que médicos inscritos se apresentem aos municípios.
Outra alternativa em discussão, informa, é a possibilidade de remanejamento dos médicos em atividade no Mais Médicos para outras localidades, como já ocorreu para atender a população em Roraima” durante o surto de sarampo.“Outra iniciativa estudada é ampliar a participação de brasileiros com os alunos formados através do FIES (Programa de Financiamento Estudantil)”, informa a pasta.
Para o ministério, o edital do Mais Médicos "tem mostrado que os profissionais brasileiros têm escolhido os municípios mais vulneráveis do país", uma vez que "apenas 17,3% escolheram vagas em capitais".
A pasta, porém, desconsidera que esse percentual corresponde o total de vagas ofertadas nestes locais –as primeiras a serem escolhidas no sistema.
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