30/04/2024 - Edição 540

Brasil

Em queixa para ONU, entidades acusam governo de lentidão na proteção a ativistas

Documento pretende alertar para as falhas do atual governo — visto como uma esperança depois de quatro anos da gestão de Jair Bolsonaro e de seu desmonte dos mecanismos de proteção

Publicado em 11/04/2024 4:17 - Jamil Chade - UOL

Divulgação Imagem: Leo Otero/MPI

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Cerca de 50 entidades entregam para a relatora da ONU sobre Defensores de Direitos Humanos, Mary Lawlor, um documento no qual alertam para a lentidão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva em implementar a política de proteção a ativistas, ambientalistas, líderes comunitários e comunicadores.

Lawlor está no Brasil para uma missão e irá examinar a situação do país e a violência contra essas pessoas.

O documento, portanto, tem como objetivo alertar para as falhas do atual governo — visto como uma esperança depois de quatro anos da gestão de Jair Bolsonaro e de seu desmonte dos mecanismos de proteção.

As entidades questionam: “A política de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas é de fato uma prioridade do governo federal?”

O documento foi enviado para a relatora da ONU pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), articulação composta por 48 organizações e movimentos sociais. Entre elas estão algumas das principais entidades de direitos humanos no Brasil, como a Artigo 19, Conectas, Conselho Indigenista Missionário, Justiça Global e Terra de Direitos.

As entidades apontam para três graves situações:

– Descumprimento de medidas

Um dos alertas por parte do grupo se refere ao descumprimento da determinação dos autos de uma ação civil pública que determinou a criação de grupo de trabalho para a construção do Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas.

Apesar de determinada pela Justiça, a ação tem estado sujeita a reconfigurações a depender da mudança de cada novo governo. Mas, no caso do governo Lula, as entidades tiveram de esperar seus meses para que o grupo de trabalho fosse instituído por decreto, iniciando oficialmente seus trabalhos apenas em dezembro do ano passado. Ainda assim, por meio de um encontro online.

“Com o passar das reuniões, verificaram-se dificuldades no cumprimento das demandas da sociedade civil, e mesmo na realização das reuniões em si”, dizem as entidades.

Segundo eles, o orçamento disponível não permitiu que tanto representantes titulares quanto suplentes estivessem presentes nas reuniões, “prejudicando gravemente a possibilidade de participação plena da sociedade civil nesse espaço”.

“Somado a isso, o orçamento apresentado para o ano de 2024 para o grupo de trabalho não dá conta, de pronto, das demandas básicas para seu funcionamento”, disse.

Tampouco foram feitas as contratações de consultorias de apoio — o que implica na inexistência de atas e documentos básicos que informem sobre o andamento dos trabalhos do grupo.

As entidades ainda afirmam que “é latente o descompromisso das representações do Estado para com este importante espaço”. Segundo eles, em todas as reuniões realizadas até então, não houve participação de todos os entes estatais indicados no decreto que institui o grupo de trabalho.

“Entre os poucos ministérios de Estado que têm participado das reuniões, são raros os casos em que as representações se mantêm com o passar dos meses, gerando dificuldade na negociação e apresentação das agendas que dizem respeito ao trabalho do grupo”.

Lentidão em recriar conselho

Outra queixa se refere à “falta de celeridade no processo de restabelecimento do Conselho Deliberativo do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas”. O Conselho Deliberativo é o espaço onde são realizadas discussões sobre os casos que são apresentados ao Programa e que precisam de proteção.

“Em 2016, a sociedade civil foi excluída desse espaço de discussão, o que comprometeu seriamente o seu funcionamento. Aos poucos, o conselho foi perdendo o seu caráter, e suas atividades foram paralisadas em meio ao processo de precarização da política pública de proteção aos DDHs, ainda no mandato do ex-presidente da República Jair Bolsonaro, no ano de 2021. Porém, em um ano e quatro meses do mandato do presidente Lula, o cenário permanece, na prática, o mesmo”.

Desde novembro de 2022, as entidades têm reivindicado ao governo federal eleito a reestruturação do conselho e sua instalação. Apenas em dezembro de 2023, o decreto que prevê a recomposição conselho foi publicado.

O Comitê Brasileiro enviou ofício no dia 13 de março ao governo solicitando informações sobre a eleição da sociedade civil para recomposição do Conselho Deliberativo. O órgão deliberativo não se reúne há anos, fazendo com que inúmeros casos de defensoras e defensores de direitos humanos que possuem pedido de ingresso não sejam analisados.

Foi apenas em 1º de abril de 2024 que foi instituída a Comissão Eleitoral do Processo de Chamamento Público para eleição de organizações da sociedade civil e movimentos sociais para composição do conselho.

– Precarização do programa de proteção

Outro alerta se refere à descontinuidades de convênios que permitem a execução da política pública de proteção e precarização do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas.

Desde o final de 2023, a equipe do programa passou por mudanças e não se reestruturou de maneira suficiente. Faltam profissionais e isso é também um sintoma da ausência de prioridade com a política pública.

Isso se observa, por exemplo, na renovação de convênios estaduais. Os Programa de Proteção do Rio de Janeiro e de Pernambuco, por exemplo, estão operando sem recursos desde o início do ano, tendo em vista a ausência de repasses financeiros.

Em nota, o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania negou a informação de atraso e descontinuidade, afirmando que o que ocorreu é que, no curso das tratativas, optou-se pela reavaliação das necessidades de melhorias no convênio.

Para as entidades, essa justificativa “não se sustenta, uma vez que estamos em abril de 2024, e o Programa de Proteção no Rio está em estado de precariedade cada vez maior”. Eles apontam que mais de 180 defensores e seus dados sigilosos estão expostos ao risco.

– Violência

Na carta, as entidades ainda denunciam que, entre 2019 e 2022, foram mapeados 1.171 casos de violência contra defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil. Fora ainda 169 assassinatos no mesmo período, com uma média de três por mês.

Segundo o relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entre 2019 e 2022, foram registrados 795 homicídios de indígenas.

Os registros dos estudos citados mostram a gravidade do cenário de violência e hostilidade enfrentado pelas defensoras e defensores de direitos humanos nos últimos anos.

“A política de proteção foi uma conquista histórica da sociedade civil, criada no ano de 2004, mas que sofreu ao longo dos anos diversos processos de enfraquecimento sistemático”, disseram.

Na avaliação do grupo, o diagnóstico dos principais problemas da política de proteção no Brasil atualmente podem ser sintetizados nos seguintes pontos:

  • Baixa execução orçamentária;
  • Falta de participação social e transparência;
  • Baixa institucionalização;
  • Falta de estrutura e equipe para atendimento da demanda;
  • Diminuição de casos incluídos no âmbito federal;
  • Insegurança política na gestão;
  • Inadequação quanto à perspectiva de gênero, raça e classe na política; e
  • Demora, insuficiência e inadequação das medidas de proteção.

“É necessário que o Estado Brasileiro assuma o compromisso de proteção às defensoras e defensores de direitos humanos, com o fortalecimento dos espaços de participação e com a destinação de recursos adequados, que sejam capazes de garantir ao Grupo de Trabalho de construção do Plano Nacional de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (GTT Sales Pimenta) condições efetivas de atuação e participação qualificada da sociedade civil no processo”, diz a carta das entidades para a ONU.

“Da mesma forma é necessário que haja o restabelecimento de um Conselho Deliberativo do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, em tempo razoável, garantida a participação social de maneira paritária. Além disso, os programas de proteção estaduais precisam funcionar com mais estrutura, e não passar por esse processo de precarização, falta de repasses e incertezas. De 10 programas de proteção estaduais em funcionamento (Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Paraíba, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul), pelo menos três sofrem com atraso no repasse de recursos”, insistem as entidades.

Para o grupo, o documento ainda serve para que Mary Lawlor pressione o governo “sobre a importância do fortalecimento da política pública de proteção, que sofre um processo preocupante”.

“Proteger as defensoras e defensores de direitos humanos é uma obrigação que deve ser abraçada pelo Estado brasileiro como condição fundamental para a manutenção da democracia e, a sociedade civil, está atenta e atuante para exigir que isso seja cumprido”.


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