08/09/2024 - Edição 550

Brasil

Brasil teve a maior concentração de renda do mundo em 2022

Brasileiro precisa de coragem para exigir justiça fiscal e taxar a minoria privilegiada que concentra quase metade das riquezas do país

Publicado em 18/09/2023 10:12 - RBA, Vinicius Konchinski (Brasil de Fato) – Edição Semana On

Divulgação Tânia Rêgo - Abr

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Mais uma vez, o Brasil ocupa a primeira posição no ranking de concentração de renda e riquezas. De acordo com o relatório Global Wealth Report 2023, lançado recentemente pelo banco suíço UBS, quase metade da riqueza do país (48,4%) está nas mãos de apenas 1% da população. Índia (41%); Estados Unidos (34,3%); China (31,1%); e Alemanha (30%) também estão no topo da lista.

O estudo analisou o patrimônio familiar de 5,4 bilhões de pessoas em todo o mundo. A desigualdade caiu levemente em 2022. A participação da riqueza do 1% mais rico recuou de 45,6%, em 2021, para 44,5% no ano passado. O Brasil acompanhou esse movimento, com redução equivalente. Em 2021, o 1% detinha 49,3% da renda nacional.

Nesse sentido, o número de milionários em todo o mundo diminuiu 3,5 milhões em 2022, para 59,4 milhões. O Brasil, porém, foi na direção contrária, com 120 mil novos milionários no período, consolidando a posição do Brasil no ranking da desigualdade.

A campanha Tributar os Super-Ricos lamentou a liderança do Brasil no que chamou de “ranking da vergonha”, enquanto mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau: leve, moderado ou grave.

Assim, para as mais de 70 organizações sociais, entidades e sindicatos que compõem a campanha, os índices alarmantes de concentração de renda no país ressaltam a urgência em medidas que caminhem no sentido de mais justiça fiscal. “Os super-ricos no Brasil praticamente não pagam impostos ou são isentos, enquanto o restante da população paga a conta da desigualdade”.

Justiça fiscal urgente

No início do mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou uma medida provisória (MP) que prevê a cobrança de 15% a 20% sobre rendimentos de fundos exclusivos (em que há um único cotista), conhecido como fundos dos “super-ricos”. O governo também enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que tributa os investimentos de brasileiros no exterior – os chamados fundos offshore.

As propostas encontraram resistência em setores do Congresso e da mídia tradicional, que atuam como representantes e porta-vozes dos super-ricos. Utilizam sempre o mesmo discurso falacioso de que a tributação poderia causar fuga de investimentos do país, coisa que a campanha já classificou como “conversa para boi dormir“.

Nesta semana, em passagem pelo Brasil, o economista Joseph Stiglitz defendeu a aprovação urgente dessas medidas que tributam o topo da pirâmide. “Aqueles de cima não querem pagar sua parte da conta. Eles não só não são caridosos como também gastam seu dinheiro por meio do processo político para que não sejam tributados”, afirmou o Nobel de Economia.

“Tá na hora da maioria do povo ter coragem de exigir justiça fiscal para tributar quem sempre contou com manobras para engordar suas fortunas, enquanto a população passa aperto ou fome”, destacou a campanha Tributar os Super-Ricos, em postagem nas redes sociais. “O sistema tributário é um instrumento para promover igualdade. Quem tem mais paga mais, quem tem menos paga menos e aumentam os serviços públicos”.

Do mesmo modo, a personagem Niara, uma menina negra criada pelo cartunista Aroeira, que representa a luta por justiça fiscal no país, também se indignou com os privilégios dos super-ricos.

População sofre com endividamento recorde alcançado no governo Bolsonaro

A economia brasileira começou o ano com o endividamento da população em queda. O percentual de famílias endividadas caiu de 78% em janeiro para 77,3% agosto na pesquisa mensal sobre o tema realizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC).

Esse percentual, no entanto, ainda é considerado extremamente alto para alguns economistas. O patamar foi alcançado, principalmente, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Entre 2019 e 2022, período em que Bolsonaro governou o país, a média anual de famílias endividadas saltou 14 pontos nas pesquisas da CNC. Subiu de 63,6% para 77,9%, atingindo um pico de 79,3% pontual em setembro do ano passado, numa escalada nunca antes registrada pela entidade.

Segundo economistas, o endividamento é hoje uma trava à retomada do crescimento econômico no país pois limita o consumo das famílias. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou o programa Desenrola Brasil para tentar resolver a questão, dizem eles. Uma solução definitiva, contudo, não será simples.

Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explicou que o endividamento das famílias começou a se agravar no país ainda em 2015, quando o Brasil era governado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e entrou em recessão econômica. O Produto Interno Bruto (PIB) recuou 3,5%, o rendimento do trabalhador também caiu, e o desemprego começou a subir.

Naquele ano, porém, a taxa média de endividamento ficou em 61,1%.

Em 2016, aliás, ele até caiu. Baixou 60,2% e manteve-se abaixo dos 61% até 2018, ano em que Bolsonaro venceu a eleição presidencial.

Weiss ressaltou que, de 2016 a 2018, o Brasil foi governado por Michel Temer (MDB), numa gestão de agenda neoliberal. Isso levou a crescimentos pequenos do PIB, aumento do desemprego e estagnação dos salários. Temer, inclusive, foi apoiador da Reforma Trabalhista, de 2017, que precarizou o trabalho no país.

Tudo isso, ano após ano, foi comprimindo o orçamento das famílias no país e as “empurrando” para o endividamento. Quando Bolsonaro assumiu, em janeiro de 2019, e a pandemia do novo coronavírus eclodiu no mundo, em dezembro do mesmo ano, a situação das famílias piorou e muito. O endividamento foi a forma de garantir o custeio de despesas básicas, inclusive de alimentação.

“No contexto da pandemia, quando o auxílio [Auxílio Brasil] demorou a chegar, e chegou combinado com uma elevação de preços básicos, principalmente de energia e alimentação, isso fez com que as famílias dependessem mais do crédito”, acrescentou André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que também vê a queda da renda dos trabalhadores como causa do problema.

Juros na conta

Segundo Simone Deos, professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também diz que a pandemia teve efeito “desastroso” sobre o endividamento das famílias a partir de 2020. Naquele ano, ele teve média de 66.5% – cerca de 11 pontos a menos do que em 2022.

Ela, contudo, ressaltou o papel dos juros nesse aumento das dívidas. De 2020 a 2022, o juros médios cobrados das famílias brasileiras passou de 41,5% para 52,1% ao ano, segundo a CNC. “A combinação de declínio da economia com taxa de juros elevadas teve como efeito o aumento do endividamento das famílias”, disse.

Para Deos, a redução das taxas de juros cobradas por bancos para níveis razoáveis é fundamental para redução do endividamento. Hoje, os bancos são os principais credores do país, já que 85% das famílias com dívidas têm contas a pagar do cartão de crédito, fornecido por instituições financeiras.

Os juros cobrados no cartão de crédito são hoje os mais caros do país, segundo levantamento periódico realizado pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). São de 425% ao ano em média. Isso é mais do que o triplo do juro médio das operações de crédito.

Com um juros de 425% ao ano, uma dívida de um usuário de cartão multiplica-se por cinco em um ano caso não seja paga. Torna-se, portanto, praticamente impagável.

Para ela, o Desenrola trata do endividamento, mas não atua para redução de juros nem outras causas do problemas. Ajuda, mas não resolve.

Weiss, da UFRGS, ratifica. Para ele, só a melhora nas condições gerais da economia – emprego, renda, crescimento – vão reduzir o endividamento das famílias. Para ele, outra contribuição para solução do problema pode vir da redução da inflação, que estabiliza preços e evita a corrosão do orçamento das famílias no país.


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