14/09/2024 - Edição 550

Brasil

Brasil liderou expansão em número de milionários no mundo em 2022

Elite quer Estado cortando serviço para pobres, mas dando grana para ricos

Publicado em 17/08/2023 10:16 - Jamil Chade e Leonardo Sakamoto (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Photo Illustration by The Daily Beast

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Enquanto milhões de brasileiros ainda viviam os impactos da pandemia da covid-19, do desemprego e a queda na renda, o país registrou um salto significativo no número de milionários. Segundo o informe publicado nesta terça-feira pelo banco UBS, na Suíça, 120 mil novos milionários foram registrados no Brasil em 2022.

O dado coloca o Brasil como o país onde ocorreu o maior aumento na população que conta com um patrimônio acima de US$ 1 milhão naquele ano.

Se em 2021 existiam 293 mil milionários brasileiros, o número chegou a 414 mil em 2022. Há 20 anos, estimava-se que existiam apenas 33 mil brasileiros com mais de US$ 1 milhão. Para 2027, a projeção de um dos maiores bancos do mundo é de que a taxa supere 700 mil pessoas.

O ranking dos locais que mais somaram milionários foi seguido pelo Irã, Noruega, México e Rússia, em grande parte por conta do salto nos preços de energia.

De uma forma geral, porém, o Brasil ainda conta com um número reduzido de milionários, comparado com os países ricos.

Nos EUA, são 22,7 milhões de pessoas com ativos acima de US$ 1 milhão. Mas o país perdeu 1,7 milhão de pessoas nesse grupo entre 2021 e 2022. O segundo lugar é ocupado pelo Japão, seguido por Reino Unido.

Desigualdade é a regra

De acordo com o banco, a parcela de 1% mais rica da população brasileira detém 48% do PIB nacional. Em 2000, essa taxa era de 44%.

No Japão, os mais ricos controlam apenas 18% da riqueza do país, contra 20% na Austrália e Reino Unido e 24% no Canadá.

Enquanto o Brasil registra um salto no número de ricos, a taxa de desigualdade permaneceu praticamente inalterada nos últimos três anos, com uma leve melhora em 2022. Mas a deterioração registrada para grande parcela da população brasileira entre 2010 e 2015 não foi compensada.

Elite quer Estado cortando serviço para pobres, mas dando grana para ricos

Uma parte da elite brasileira e seus porta-vozes, que não usam escola e hospital públicos e acreditam que fiscalização ambiental e trabalhista atrapalha os negócios, repetem insistentemente que a solução para o Brasil é reduzir o número de servidores e acabar com a estabilidade funcional. Querem um Estado menor para os pobres, mas que continue garantindo para eles gordos subsídios e prioridade nas políticas públicas.

Para alimentar sua narrativa, dizem que os números mostram que o Estado está inchado e doente. Mas os números trazidos por reportagem de Alexa Salomão, na Folha de S.Paulo, do último dia 31, apontam o contrário.

Apenas 12,45% da força de trabalho do Brasil está no setor público, contrastando com os 13,55% dos Estados Unidos, 13,1% do Chile, 23,48% dos países da OCDE (o clubão das nações ricas), 28,9% da Austrália, 29,28% da Suécia e 30,22% da Dinamarca.

A Austrália tem o quinto maior Índice de Desenvolvimento Humano, segundo a ONU, a Dinamarca, o sexto, e a Suécia, o sétimo. O Brasil conta com o lastimável 87º.

O que os números apontam é que não é possível efetivar um Estado de bem-estar social, garantindo saúde, educação, meio ambiente saudável e trabalho digno sem servidores públicos qualificados para isso. A mão invisível do mercado não impõe limites a si próprio. Pelo contrário, é onanista, focada no próprio prazer.

Esse naco da elite deseja a manutenção de um Brasil patrimonialista, em que o poder político e o econômico sentam-se à mesa para fazer negócios e comandar o sentido do Estado em seu benefício. Isso passa pela concessão de dezenas de bilhões em subsídios, o acesso facilitado à terra e ao crédito público, um sistema de Justiça que possa chamar de seu e regras tributárias tipo Robin Hood, que proporcionalmente mais os pobres do que os ricos.

Essa elite gozou às bicas durante o governo Jair Bolsonaro. Em 7 de fevereiro de 2020, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chamou os funcionários públicos de “parasitas” do orçamento nacional, em um evento no Rio de Janeiro.

“O hospedeiro [governo] está morrendo, o cara virou um parasita”, afirmou Guedes, criticando as demandas de servidores. Diante da repercussão negativa, disse que sua fala foi descontextualizada e que reconhecia a qualidade do serviço.

Mas ela estava totalmente dentro do contexto de como o governo tratava os funcionários públicos. Por exemplo, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, chamou professores de universidades federais de “zebras gordas”, acusando-os de ganhar salários e não trabalhar.

Outro exemplo: Jair Bolsonaro disse, em uma live, em 31 de outubro de 2019, que servidor que se colocava contra a de “progresso” que ele representava “vai atrapalhar na Ponta da Praia”.

Ele se referia a funcionários públicos que estariam demorando para conceder licenças a um empreendimento. Disse que não mandava neles, mas se pudesse, “cortaria a cabeça”. Por “Ponta da Praia”, referia-se à base da Marinha na Restinga de Marambaia, no Rio, que foi usada como centro de interrogatório, tortura e execução durante a ditadura.

O tom do discurso bolsonarista só mudou perto das eleições, na busca pelo voto desses grupos.

Quatro anos de ataques a servidores públicos

Durante os quatro anos de seu mandato, Bolsonaro atacou fiscais, dizendo que atrapalham o desenvolvimento econômico e multavam por capricho pessoal. Profissionais do Ibama, do ICMBioe da Funai reclamavam que isso colocava em risco suas vidas. Temos o corpo de Bruno Pereira, assassinado no Vale do Javari junto do jornalista Dom Phillips, como prova.

Também fomentou ataques contra auditores fiscais do trabalho. Por exemplo, Bolsonaro endossou vídeo com reclamações de um fazendeiro do Ceará que foi multado devido a irregularidades flagradas. Logo depois, comentários com incitação à violência contra os auditores foram postados por seguidores na própria conta do presidente.

“Será que só eu morro de vontade de enterrar um fiscal no meio desse sertão?”, afirmou um comentário. “Vontade é de metralhar tudo. São tudo esquerdista essas pragas”, disse outro. Isso gerou manifestação de repúdio por parte do Sinait, sindicato desses trabalhadores, que lembrou que quatro deles foram vítimas da Chacina de Unaí, organizada pela família Mânica, ricos fazendeiros insatisfeitos com a fiscalização em 2004.

Claro que há uma casta de servidores públicos que ganham muito enquanto outros recebem pouco. É saudável melhorar os salários de quem se esfola para garantir nosso bem-estar, como o piso da enfermagem, e introduzir formas de avaliar o serviço. Não é aceitável que quem não trabalhe continue no cargo, tanto quanto não é admissível que corruptos permaneçam onde estão.

Mas é preciso compreender que não vamos colocar em prática a Constituição de 1988 sem força de trabalho para isso. Prestes a completar 35 anos, seu grande problema não é estar ultrapassada. Foi nunca ter sido efetivada plenamente, seja pela falta de regulamentação, seja pelo não cumprimento da letra escrita.

Dizem que o poder público não consegue por em prática os direitos previstos na Constituição por não ter recursos e que o documento foi muito generoso, sem pensar nos custos de efetivação. Mas, ironicamente, se a Constituição fosse seguida, incluindo os princípios de justiça social, o que inclui redistribuição, e de priorização de políticas aos mais vulneráveis, e com o país voltando a crescer, haveria o suficiente para efetivar esses direitos.

Lobistas sussurram nos corredores do Congresso Nacional, cutucam daqui e dali, visando a mudanças que diminuam a proteção ao trabalhador mais pobre. Isso sem contar os que querem que a concentração de renda e riqueza seja mantida como pilar de nossa democracia.

Sem estabilidade, escândalos não teriam vindo a público

Por fim, a estabilidade no serviço público, tão criticada por aqueles que acreditam que a massa dos servidores públicos é feita de “parasitas”, reduz o medo de retaliações dos poderes político e econômico diante do cumprimento da lei.

A descoberta de escândalos nacionais, como a tentativa de apropriação de patrimônio público pela família Bolsonaro através do contrabando de milionárias joias árabes e o resgate de 207 escravizados na produção do vinho em Bento Gonçalves (RS), só foram possíveis graças à estabilidade funcional de servidores públicos.

Se não houvesse estabilidade funcional, qual seria o destino do servidor da Receita Federal Marco Antonio Santanna ao receber, em 29 de dezembro do ano passado, a visita do primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira, incumbido por Jair Bolsonaro de tentar, pela última vez, retirar as joias que ficaram retidas em outubro do ano anterior, e se negar a entregá-las?

A mesma lógica guia o combate à escravidão contemporânea desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, em 1995, formados por auditores fiscais do trabalho, procuradores do Trabalho, agentes da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, defensores públicos da Defensoria Pública da União, entre outros órgãos.

Sem a estabilidade funcional, os servidores não teriam como bater de frente com interesses econômicos e políticos em um país em que o “você sabe com quem está falando?” não é um sintoma de alguém acometido de demência por doença, mas de um naco da elite que desenvolveu demência social.

A sociedade celebra a “coragem” ou a “perseverança” de servidores públicos envolvidos no combate a situações escandalosas, mas, não raro, deixa-se de lado que isso é possível graças à legislação que garante estabilidade funcional.

Na época em que a Reforma Administrativa foi apresentada pelo governo Jair Bolsonaro, a defesa do fim da estabilidade foi colocada na mesa. Se ele tivesse sido reeleito, a independência de quem garante o cumprimento da lei seria uma das primeiras coisas a irem à forca. Tal como qualquer tentativa de taxar os super ricos – que o ex-presidente continua protegendo com unhas e dentes, como no discurso na Câmara dos Vereadores de São Paulo na semana passada.


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