05/12/2023 - Edição 525

Brasil

Apagão afetou um terço dos brasileiros, diz governo

Colapso lembra que prioridade do setor elétrico tem sido retorno financeiro

Publicado em 16/08/2023 9:31 - DW, Leonardo Sakamoto e Josias de Souza (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Marcello Casal Jr - Abr

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O apagão que comprometeu o abastecimento de energia em 25 estados e no Distrito Federal na manhã de terça-feira (15) deixou um terço dos consumidores brasileiros sem luz e provocou caos no transporte público e no trânsito em diversas cidades, além de também ter afetado o funcionamento de órgãos públicos.

Mais tarde, falando a jornalistas, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, informou que entre 27 milhões e 29 milhões de endereços foram afetados em alguma medida pelo evento.

A falta de luz começou às 8h31 (horário de Brasília) e o abastecimento só foi totalmente normalizado mais de seis horas depois, perto das 15h, segundo informações do próprio ministério. Até o fim da tarde, a imprensa brasileira ainda noticiava, contudo, falta de energia no Amapá e em Santa Catarina.

Segundo Silveira, o episódio estaria associado a uma “sobrecarga” em linhas de transmissão no Ceará, no Nordeste do país. O ministro, porém, argumentou que o evento, sozinho, não justificaria a magnitude do apagão, e disse que pedirá à Polícia Federal e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que investiguem eventual ação humana.

Por determinação do ministro, o episódio está sob apuração de um grupo integrado por representantes do ministério, do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Silveira, contudo, descartou que a interrupção no fornecimento de energia pudesse estar relacionada à segurança energética do país, ressaltando que “vivemos um momento de abundância dos nossos reservatórios”.

Apagão no Sul e Sudeste teria sido “ação controlada”, segundo ONS

Mais cedo, em nota, o ONS havia comunicado a interrupção de 16 mil MW de carga em razão de uma “ocorrência” às 8h31 na rede que afetou a interligação Norte-Sudeste e derrubou o fornecimento de eletricidade em estados nas cinco regiões do país – à exceção de Roraima, que não está interligado ao sistema nacional. O órgão alega que a interrupção do abastecimento de energia no Sul e no Sudeste foi uma “ação controlada” para evitar que o problema se espalhasse.

Segundo informações do Ministério de Minas e Energia, até as 10h22 o fornecimento já havia sido totalmente restabelecido nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país. Já as regiões Norte e Nordeste estavam, até as 12h30, com 41% e 85% da carga recomposta, respectivamente. Mais tarde, às 14h30, a pasta informou que o sistema nacional de energia havia sido restabelecido, “restando ajustes pontuais a serem realizados pelas distribuidoras em algumas cidades”.

Por causa do blecaute, Silveira interrompeu viagem ao Paraguai, aonde fora para, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhar a posse do novo presidente do país, Santiago Peña – os dois países compartilham a administração da usina hidrelétrica de Itaipu.

Oposição tenta desgastar Lula, e esquerda cita privatização da Eletrobras

Líderes da oposição reagiram ao apagão criticando o governo Lula. Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o senador Ciro Nogueira (PP-PI) associou a falta de luz à chegada de um “governo do apagão” ao Palácio do Planalto, além de citar o aumento do preço da gasolina, anunciado nesta terça pela Petrobras.

Nogueira preside o PP, mesmo partido do presidente da Câmara, Arthur Lira, que atualmente negocia a adesão à base governista. “O Brasil voltou! Voltou ao Apagão!”, escreveu o senador no X, antigo Twitter.

Senador e ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro (União Brasil-PR) também teceu críticas semelhantes às que já circulavam nas redes sociais entre apoiadores de Bolsonaro, citando além do apagão e do aumento “abrupto” da gasolina e do diesel a décima queda consecutiva no Ibovespa, a pior sequência do tipo desde 1984.

Do outro lado do espectro político, governistas sugeriram que o apagão poderia estar relacionado à privatização da Eletrobras, levada a cabo pelo governo Bolsonaro em 2022. Declarações nesse sentido foram feitas nas redes sociais pela primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, pelo senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e pelo deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ) – este último associou o apagão a demissões na esteira da privatização.

“A conta da privatização irresponsável da Eletrobras chegou: apagão em 25 estados e no DF”, escreveu Rodrigues no X. “No Brasil, vimos hoje o infeliz resultado da venda da Eletrobras a preço de banana no governo Bolsonaro, que comprometeu a segurança energética do nosso país!”

Responsabilizar privatização da Eletrobras seria leviano, diz ministro

Embora tenha afirmado que a privatização da Eletrobras “fez mal” por se tratar de um “setor estratégico para a segurança do país”, Silveira rejeitou qualquer associação entre o apagão e a venda da estatal.

Conforme a emissora de TV CNN, porém, a linha de transmissão de energia no Ceará associada ao blecaute é operada pela Eletrobras.

“Eu seria leviano em apontar que há uma causa direta com relação à privatização da Eletrobras. O que não posso faltar é com a coerência, a minha posição sempre foi essa e não vai deixar de ser é que um setor estratégico como esse deve ter a mão firme do estado brasileiro”, afirmou. “A Eletrobras era o braço operacional do setor elétrico brasileiro, responsável por mais 40% da transmissão nacional, mais de 33% da geração do país.”

O ministro disse ter sabido pela imprensa da renúncia do presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior, anunciada na noite de segunda-feira – o governo brasileiro detém 43% das ações da empresa.

Apagão elétrico acende a luz vermelha da empulhação política

Imaginou-se que o apagão de terça-feira tivesse afetado apenas todos os estados do país, excetuando-se Roraima. Engano. O breu desligou da tomada também os responsáveis pelo setor elétrico no governo federal. O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, entrou em curto-circuito.

Silveira convocou os repórteres para explicar as causas do apagão. Falou muito. Mas não disse coisa com coisa. Sustentou que o apagão não teve relação com a segurança energética do país. Em seguida, empilhou declarações que inspiram insegurança no consumidor de energia.

O ministro classificou o apagão como fato raro. Só aconteceu, segundo ele, porque o sistema elétrico sofreu duas anomalias simultâneas. Mencionou uma sobrecarga detectada no Ceará. Mas declarou que a localidade da outra pane ainda não foi identificada.

Ecoando a primeira-dama Janja, que correu às redes sociais para culpar a Eletrobras, o ministro expressou sua contrariedade com a privatização. Espremido pelos repórteres, afirmou que seria “leviano” vincular a Eletrobras ao apagão.

O ministro informou que acionou a Polícia Federal e a Abin para investigar a hipótese de sabotagem. Instado a informar de onde vieram os indícios de dolo, citou apenas os ataques a torres de transmissão atribuídos a bolsonaristas antes da posse de Lula.

Alexandre Silveira fixou prazo de 48 horas para que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apresente relatório com as causas técnicas do apagão. Quer dizer: a principal autoridade do setor elétrico esclareceu, em essência, que o governo manterá o Brasil no escuro por pelo menos mais dois dias.

Por ora, sabe-se apenas que o apagão elétrico acendeu no painel de controle a luz vermelha da empulhação política.

Apagão lembra que prioridade do setor elétrico tem sido retorno financeiro

Com os reservatórios cheios, esbanjando através dos vertedouros, o Brasil se lembrou que apagão não é fruto apenas da escassez de água, mas também da falta de investimentos no sistema de transmissão de energia elétrica e de manutenção da estrutura existente.

Um chabú que pode ter ocorrido na operação da subestação Xingu, ligada à usina de Belo Monte, no Pará, teria levado ao desligamento de linhões. Daí, para não produzir uma hecatombe no sistema, botando o país no escuro e com queima generalizada de equipamentos, parte dele foi desligada, gerando um blecaute que atingiu municípios de todos os estados – menos Roraima, que não está ligado ao sistema.

Independentemente de a investigação apontar para sabotagem, incompetência, desleixo, picaretagem, azar, a questão que se coloca é que um país não pode estar vulnerável dessa forma. O que mostra uma indesejável fragilidade.

O sistema deveria ser robusto o suficiente, com várias redundâncias que garantiriam o funcionamento até o problema ser resolvido ou uma redução programada ser adotada. E os nós críticos deveriam ser previamente identificados e sanados para evitar esse tipo de transtorno.

Não é a primeira vez que um problema nas linhas de transmissão que escoam energia de Belo Monte deixa parte do país no escuro – isso também aconteceu em 28 de maio de 2021. Não significa que o incidente é o mesmo, mas a experiência deveria servir de alerta para a necessidade de planejamento, investimento e fiscalização nessa parte do sistema para evitar dores de cabeça.

“A perda de um elemento importante não pode causar transtornos ao sistema. É preciso garantir mais investimento em redundâncias”, lembrou Ildo Sauer, professor titular do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e ex-diretor da Petrobras, em entrevista ao UOL News nesta segunda.

Ao tratar da privatização da Eletrobras, Sauer lamentou que “a prioridade do setor energético tem sido o retorno financeiro” em detrimento a uma política de manutenção preventiva centrada em confiabilidade do sistema. Ou seja, uma política que garanta que a transmissão continue operacional e à prova de falhas.

A reforma do setor elétrico tem dado ênfase ao desempenho financeiro das empresas envolvidas. Mas falta coordenação para que os procedimentos de manutenção sejam aplicados e revisados periodicamente. E, claro, falta fiscalização.

Para Ildo Sauer, a hegemonia do setor financeiro sobre a área energética, em geral, e elétrica, em particular, tem levado a consequências graves. Ele defende, portanto, a necessidade de priorizar a condução técnica dos processos, prestigiando a engenharia, ao invés de advogados e da área financeira.

A necessidade de mais linhas de transmissão levou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a realizar um leilão, no dia 30 de junho, na Bolsa de Valores, em São Paulo. Foram licitados nove lotes para construção e manutenção de 6.184 quilômetros de linhões – o que ainda é pouco, dado a demanda por mais estrutura para energia eólica e solar, além da necessidade de fortalecer o sistema existente.

Um dos vencedores, contudo, foi desclassificado no dia 3 de agosto. Ele é formado por empresas desconhecidas, sem sites oficiais ou folha de pagamento. No momento, seus advogados tentam reverter a decisão.


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