08/09/2024 - Edição 550

Brasil

Alertas de desmatamento na Amazônia sobem 34,5% no período de um ano

Publicado em 06/08/2020 12:00 -

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As áreas com alerta de desmatamento na Amazônia aumentaram 34,5% no período de um ano, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (7) pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia.

De agosto de 2019 até o dia 31 de julho deste ano, houve alertas de desmatamento de 9.205 km² de área da floresta. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, esse número tinha ficado em 6.844 km².

Se comparados apenas os dados dos meses de julho de 2020 e 2019, houve queda neste mês do ano: em 2020, os dados apontam 1.654 km² de áreas com alertas de desmate. No ano passado, o total foi de 2,2 mil km².

Alertas do Deter x Taxa do Prodes

Os dados de áreas sob alerta de desmatamento são fornecidos em registros diários pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que monitorando a região por meio de imagem de satélites. Ele não aponta o consolidado do desmate, mas sim áreas com marcas de devastação que precisam ser fiscalizadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente).

Já a taxa oficial anual de desmatamento na Amazônia é calculada considerando todo o período de seca, que vai de agosto de um ano a julho do ano seguinte. Desta forma, é possível detectar o acumulado de destruição da floresta levando em conta os ciclos de chuva e seca, desmatamento e queimadas. Ela é apresentada em relatório do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), também do Inpe. Os dados são divulgados na metade do segundo semestre de cada ano.

Temporada de recorde e tendências

Para o vice-presidente Hamilton Mourão, o dado de julho aponta uma "reversão de tendência". "Ainda é começo, a gente tem que prosseguir até chegar nas metas que nós temos que é colocar o desmatamento dentro do mínimo aceitável", disse Mourão.

Já os especialistas avaliam que não é possível celebrar avanços. "Claramente o desmatamento está fora de controle no Brasil. Desde o início do governo Bolsonaro, temos um aumento de cerca de 30% nos alertas de desmatamento todo mês. E isso se dá devido à prevalência do crime ambiental na Amazônia", diz o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini.

Os ambientalistas avisam que, historicamente, os dados do Deter não apenas são confirmados, mas também ampliados quando a taxa do Prodes é divulgada. Ou seja, os 9 mil km² são indício de um número ainda maior.

"Olhando os alertas do Deter nos últimos meses, estimamos que o desmatamento da Amazônia neste período (agosto de 2019 e julho de 2020) poderá atingir a casa do 13 mil km². Isso é assustador", afirma Astrini.

Se confirmada a previsão de mais de 13 mil km² de devastação amazônica, André Guimarães, diretor-executivo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), alerta que a temporada deste ano poderá ser a maior em mais de 10 anos, já que o último recorde da taxa oficial de desmatamento foi registrado em 2008. Na época, segundo o Prodes, a taxa de desmatamento oficial foi de 12.911 km².

"Como o Deter subestima os dados do Prodes em cerca de 50%, estimamos que o número real ultrapasse o do último anos e atinja uma taxa que não é vista há mais de uma década", explica Guimarães.

Na temporada passada, de 2018/2019, o sistema de alertas detectou mais de 6 mil km² com sinais de devastação – a taxa oficial de desmatamento para aquela temporada fechou em 10.129 km² de desmatamento. É a maior área desde 2008.

"É uma situação inédita no Brasil ter dois períodos consecutivos de aumento do desmatamento na Amazônia. E que explica a situação é apenas um fator: as ações do governo federal. Bolsonaro é o primeiro presidente, desde a redemocratização do país, a promover o desmatamento da Amazônia e a invasão a terras indígenas", explica Astrini.

Tanto os alertas de desmatamento em maio quanto em junho do Deter registraram recordes em toda a série história, que começou em 2015. Enquanto em maio o alerta de desmatamento amazônico registrou 829 km², em junho foram 1.034,4 km².

Os alertas servem para informar aos fiscais do Ibama onde há sinais de devastação, que podem ou não ser comprovados posteriormente.

Moratória e bloqueio de bens

Astrini explica que falar em desmatamento na Amazônia é falar em desmatamento ilegal. "Acabar com o desmatamento na Amazônia seria acabar, principalmente, com a ilegalidade", diz.

"O desmatamento ilegal é um crime que vem sendo há muito tempo anistiado no país. Com isso, este crime tem se tornado cada vez mais organizado", explica o secretário-executivo do Observatório do Clima.

Por isso, na quinta-feira (6), um grupo de 62 organizações da sociedade civil enviou uma carta ao Parlamento Europeu e ao Congresso propondo uma moratória de 5 anos de desmatamento para conter a devastação da Amazônia.

A carta também propõe o bloqueio de bens dos cem maiores desmatadores da Amazônia, o endurecimento das penas para crimes ambientais na Amazônia, a criação de 10 milhões de hectares em unidades de conservação, entre outros.

"As ações de comando e controle lançadas nos últimos dois anos não foram suficientes para diminuir o desmatamento na Amazônia, então é preciso entrar com estratégias de choque para controlar esse aumento", explica Guimarães, que assinou a carta.

"É preciso investir na recuperação e no bom uso das áreas já desmatadas para evitar o avanço sobre a floresta; consolidar as áreas protegidas; tirar do papel o pagamento por serviços ambientais para estimular a manutenção dos ativos florestais; e combater com firmeza a grilagem em florestas públicas não-destinadas, pois 30% do desmatamento acontece ali", diz o diretor-executivo do IPAM.

O crime ambiental na Amazônia não é exclusividade do governo Bolsonaro, mas, para Astrini, este é o primeiro presidente que encoraja a ação de invasores por meio de atos e edição de medidas. Como exemplo, ele cita a Instrução Normativa publicada pela Funai em abril que permite a invasão, exploração e até comercialização de terras indígenas ainda não homologadas pela presidência.

"O governo federal é o maior promotor do desmatamento ilegal no Brasil hoje. O governo Bolsonaro é o maior inimigo da floresta amazônica", diz Astrini.

Desmatamento e coronavírus

Para os especialistas, tanto desmatamento acontecendo no meio de uma pandemia é duplamente preocupante.

"Essas árvores derrubadas uma hora serão queimadas, o que gera muita fumaça na região, apenas esperando o período seco chegar para ser queimada. Quanto mais fumaça no ar, mais problemas respiratórios são registrados entre a população da Amazônia. Se precisam de atendimento hospitalar, ficam ainda mais expostas ao coronavírus. É uma sobreposição de problemas que poderia ser evitada", explica Guimarães.

"Muitas capitais da região do Norte no ano passado decretaram situação de calamidade pública por causa da fumaça vinda das queimadas na floresta. A fumaça ataca as vias respiratórias da população. Imagina se essa situação se repetir este ano, e com a pandemia do coronavírus", alerta Astrini.

O problema é principalmente preocupante para as populações indígenas da região amazônica, que também estão mais expostas ao coronavírus e à falta de atendimento.

"A população indígena é a mais ameaçada hoje no Brasil: enquanto o governo avança sobre as áreas indígenas, incentivando a invasão, os invasores levam o coronavírus aos indígenas", diz Astrini.

Salles

O ministro Ricardo Salles recuou da proposta de substituir a meta de redução das queimadas e desmatamento ilegal em 90% até 2023 pela meta de proteger uma área de 390 mil hectares de floresta amazônica. O recuo do Ministério do Meio Ambiente foi motivado pela área técnica do Ministério da Economia.

Ambientalistas e entidades haviam demonstrado preocupação após o Ministério do Meio Ambiente encaminhar um ofício com proposta de substituir a meta de redução das queimadas e desmatamento ilegal.

Segundo Márcio Astrini, a proposta, na verdade, é uma tentativa do Ministério do Meio Ambiente de abandonar a meta de preservação.

"O objetivo de proteger áreas, seja ele qual e como for – coisa que o ministro [Ricardo Salles] não explica no ofício como será feito – não é equivalente e não pode substituir o objetivo de diminuir desmatamento e queimada ilegal. São coisas diferentes. O que o ministro fez foi tentar abandonar a meta de redução de 90% do desmatamento", explica o secretário-executivo do Observatório do Clima.

Quanto ao tamanho da área proposta a ser protegida no ofício, de 390 mil hectares, ou 3,9 mil km², Tasso Azevedo, coordenador da ONG Mapbiomas, comenta que a extensão é insuficiente diante do tamanho de áreas que necessitam de proteção.

"390 mil hectares de área protegida não é nada, é uma fraçãozinha muito pequena. A Amazônia tem mil vezes essa área, isso é 0,1% da floresta", comenta o ambientalista Tasso Azevedo, coordenador da ONG Mapbiomas.

Além de ser uma parcela minúscula da Amazônia, a área de proteção sugerida representa apenas cerca de um terço da área que foi desmatada entre agosto de 2018 e julho de 2019, quando o desmatamento na Amazônia foi de 10,1 mil km².

Em termos comparativos, a sugestão da pasta significa que, enquanto um território mais de seis vezes maior que a cidade de São Paulo foi devastado na Amazônia em apenas um ano, o governo quer se comprometer a proteger somente uma área 2,5 vezes maior que a capital paulista nos próximos três anos.

Ainda em termos de comparação de territórios, Astrini fez uma projeção da área que poderá ser protegida em termos de desmatamento até 2023 se for mantida a meta atual.  "Se considerarmos o número do último desmatamento, que foi 10 mil km², e projetá-lo para quatro anos, teremos 40 mil km² (de desmatamento). Portanto, a gente teria cerca de 36 mil km² de área preservada segundo a metal em vigor (de reduzir o desmatamento em 90%)", calcula.

Proteger x reduzir

Astrini ressalta, contudo, que o cálculo não corresponde à realidade proposta pelo ministério, reforçando que proteger áreas não é o mesmo que reduzir desmatamento e queimadas.

"Uma coisa é você diminuir o desmatamento que aconteceria nessas áreas, outra coisa é proteger essas áreas. Aliás, grande parte de áreas protegidas que já temos há décadas na Amazônia também são desmatadas", diz o secretário-executivo.

Mais que uma substituição de metas, Azevedo afirma que a proposta da nova meta é um "desvio de atenção do governo", uma estratégia para acabar com a meta de redução do desmatamento e queimadas.

"É só um desvio de atenção: querem eliminar uma meta e criar outra que não tem nada a ver com a anterior", diz Azevedo.

"A meta de evitar o desmatamento é independente do que você conserva. A meta de evitar o desmatamento é: deixar de perder cobertura vegetal. Governo simplesmente está abandonando essa meta", completa o ambientalista.

A informação de que o Ministério do Meio Ambiente propôs, em ofício enviado para o Ministério da Economia em julho, a redução da meta oficial de preservação da Amazônia foi publicada no último dia 4 pelo jornal "O Estado de S. Paulo".

'Nivelar por baixo'

A meta atual de preservação dos biomas e redução de 90% do desmatamento ilegal até 2023 faz parte do Plano Plurianual (PPA) aprovado pelo Congresso em 2019. Em nota divulgada à imprensa, o Ministério do Meio Ambiente disse que a alteração do PPA é um ajuste para o período, mas não muda o objetivo final da meta, que é de o Brasil acabar 100% com o desmatamento ilegal até 2030.

“O Brasil já tem meta de redução de 100% do desmatamento ilegal até 2030, a qual está mantida. As metas intermediárias devem indicar os programas que serão utilizados ao longo dos próximos 10 anos para alcançar a meta total e é isso que está sendo ajustado no PPA”, afirmou o ministério na nota.

Apesar da meta ter até 2030 para ser concluída, Azevedo lembra que a ela está vigente já há dez anos, e este ano sofrerá um retrocesso.

“Reduzir o desmatamento é uma meta que o Brasil tem já há 10 anos e que tinha que cair em 80% este ano, ou seja, um desmatamento menor que 3.900 km², mas que vai ser o triplo disso em 2020”, diz o ambientalista.

Em nota, o Greenpeace avaliou que a proposta de reduzir a meta de combate ao desmatamento ilegal é 'nivelar por baixo' a questão ambiental no Brasil.

"Nivelar por baixo a meta de redução de desmatamento prejudica as florestas e o clima global e, fatalmente, gera ainda mais constrangimentos internacionais num momento que investidores, empresas e outros países querem manter distância do Brasil, o que traz mais prejuízos para a população e a economia brasileira", afirmou o Greenpeace.

Justificativas

Antes do recuo, o ofício do Meio Ambiente foi assinado pelo secretário-executivo da pasta, Luís Biagioni, abaixo só do ministro Ricardo Salles na hierarquia do ministério. Uma nota técnica anexada ao documento justificou que o ministério não conseguiria atingir a meta do PPA, porque ainda é preciso implantar ações em parceria com órgão de governos estaduais e do governo federal.

"Considerando todo o contexto que abarcou também a elaboração do Planejamento Estratégico do MMA verificou-se que a meta disposta no PPA 2020/2023 não poderia ser alcançada, no período proposto, dada a necessidade de implementação de todos os eixos do novo Plano, em especial, em razão da demanda da participação de tantos outros envolvidos no âmbito federal e estadual", alegou o ministério na nota.

Sobre o fato de excluir os outros biomas da nova meta proposta, a pasta afirmou que não há dados suficientes para monitorar o desmatamento nessas áreas.

"Cabe ressaltar que até o presente momento não existem indicadores disponíveis para mensurar o atingimento da meta mencionada acima, isto é, os dados anuais e oficiais de monitoramento do desmatamento existem somente para os biomas Amazônia e Cerrado. Não obstante, a qualificação do desmatamento entre ilegal e legal, todavia não encontra-se disponível", completou o ministério.

Quanto à qualificação de ilegal ou legal, Astrini explica que o dado tem pouca relevância para a questão, já que "a grande maioria do desmatamento na Amazônia é ilegal", diz.

De acordo com a reportagem do "Estado de S. Paulo", o Ministério da Economia rejeitou a proposta do Meio Ambiente de redução da meta prevista no PPA.

Retirada de comissão

No último dia 3a, o Ministério do Meio Ambiente oficializou a retirada de representante da sociedade civil da Comissão Executiva para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa (Conaveg).

O ministro estabeleceu que os membros da comissão serão apenas representantes do governo que, de acordo com o texto, poderão convidar a sociedade civil para reuniões específicas. Integrantes de fora do grupo não terão direito a voto.

"Poderão convidar, para reuniões específicas e sem direito a voto, especialistas, representantes de órgãos e entidades públicas, do setor privado e da sociedade civil", diz o texto da portaria.

Exército sabia dos pontos de maior risco de devastação da Amazônia, mas falhou no combate

A operação de grandes proporções começou em maio. Sob a batuta do vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão, 3.815 militares, 110 veículos terrestres, 20 embarcações e 12 aeronaves foram despachados para a Amazônia. Com o objetivo de prevenir e reprimir delitos ambientais antes do grande período tradicional de queimadas, a ofensiva, batizada de Operação Verde Brasil 2, visava também ser uma resposta aos críticos que acusam o Governo Bolsonaro de negligenciar e, no limite, incentivar de maneira tácita, a destruição da selva.

Para além do contingente e dos veículos, os militares que comandavam a ação estavam munidos de dado estratégico e inédito: tinham um mapa das cinco áreas críticas que concentraram quase 45% do desmatamento total da floresta amazônica em 2020, um traçado feito com o auxílio de imagens de quatro satélites, tudo disponibilizado desde fevereiro pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A iniciativa, elaborada em parceria com o Ibama, foi batizada de Deter-Intenso: a cada 24 horas é gerada uma imagem com definição de 10 metros quadrados mesmo com a presença de nuvens, o que permite avaliar a evolução dos focos de desmatamento e queimadas de forma sem precedentes. Uma ação efetiva de fiscalização nestes cinco pontos, cuja área representa 9% da Amazônia Legal, se traduziria em mais floresta em pé. Não foi o que ocorreu.

O desmatamento e as queimadas registraram recorde histórico em junho. Em julho, nova alta de 28%, com 6.803 focos de incêndio ante 5.318 em 2019. Além disso, houve aumento de 25% no desmatamento acumulado do semestre em comparação com o mesmo período de 2019: os alertas feitos a partir das imagens de satélite indicam devastação em 3.069,57 km², contra 2.302,1 km² no ano anterior. Para quatro fiscais do Ibama envolvidos direta ou indiretamente com a Operação Verde Brasil 2 —todos tiveram a identidade preservada para evitar retaliações, uma vez que estão subordinados ao Exército—, há razões claras para o descompasso entre a precisão da ferramenta nova e os resultados obtidos: os militares falharam no desenho e na execução das ações.

Os relatos colhidos pela reportagem apontam para a falta de efetividade dos militares na escolha dos alvos. Ainda que atuem dentro da área delimitada pelos pontos críticos (hotspots) do novo sistema de monitoramento do Inpe-Ibama, o comando está, segundo os fiscais, priorizando ações que não atacam diretamente focos de desmatamento e queimadas ativos, como por exemplo bloqueios em rodovias e apreensão de toras já derrubadas. Os garimpos ilegais, grandes vilões ambientais, também são poupados. Os servidores do Ibama apontam também para a falta de experiência do Exército na fiscalização. Criticam o foco em ações de patrulhamento e apreensões de madeira que não são efetivos para a preservação da Amazônia.

Indagado sobre o aumento no desmatamento, o Ministério da Defesa informou em nota que a operação “já contabiliza números expressivos”. “Foram realizadas 16.104 inspeções, patrulhas, vistorias e revistas, e a inutilização de 107 equipamentos como motores de garimpo, balsas, tratores, escavadeiras, veículos, entre outros (…)”, diz o texto. A nota também celebra 345 embarcações e 174 veículos apreendidos, 372 quilos de drogas e 28.000 metros cúbicos de madeira. “Foram ainda embargados 33.012 hectares e realizadas 153 prisões”, continua a pasta.

Apesar do tom otimista da nota da Defesa, o próprio vice-presidente afirma que o desmatamento da Amazônia estava “além daquilo que pode ser considerado como aceitável”. “A gente não nega que houve desmatamento além daquilo que pode ser considerado como aceitável, ou seja, dentro dos 20% de cada propriedade rural e fora das unidades de conservação e terras indígenas”, afirmou no dia 13 de junho, após a divulgação dos dados do Inpe.

Limitação das ações

Sob o comando dos militares, os fiscais do Ibama que também integram a Verde Brasil 2 reclamam que tinham pouca margem de manobra para agir, mesmo de posse das informações precisas do sistema Deter-Intenso e uma lista de hotspots. “Nós do Ibama sabíamos quais eram as áreas, os hotspots, e até fomos direcionados para alguns. Mas como a coordenação era do Exército, a gente propunha os alvos e eles que tinham que aprovar. O que observei: os garimpos ficaram de fora sempre, na hora que submetemos os alvos, todos eles foram cortados”, conta um fiscal sob condição de anonimato.

De acordo com esse fiscal, essa resistência do comando da Verde Brasil 2 a atacar focos de mineração ilegal ocorre por dois motivos: “São locais onde existe muito maquinário em locais isolados, logo teria que ser usado o procedimento de destruição. E eles deixaram claro que não queriam se ver atrelados a estas ações, ainda que amparados por lei”. Além disso, “existe a postura do presidente Jair Bolsonaro”, diz o fiscal. Ele se refere ao fato do mandatário ser crítico da repressão aos garimpos ilegais e da destruição de seus equipamentos.

Os servidores do Ibama ouvidos pela reportagem são unânimes ao avaliar que apesar de ser um grande aliado no apoio logístico de operações contra crimes ambientais, o Exército não tem vocação nem treinamento para fiscalizar. “Eles são um grande parceiro em várias operações já há alguns anos. Mas [na Verde Brasil] existe uma falta de objetivos sobre o que está sendo feito em campo, como se fiscalizar fosse manter presença, patrulhar, girar. Fiscalizar não é uma simples patrulha, não gera dissuasão no caso ambiental”, explica um fiscal. “O que gera dissuasão é ter a punição levada a cabo. Fiscalizar não é fazer uma ronda ostensiva: isso tem um efeito muito temporário e localizado. Você está em uma cidade, os criminosos ambientais vão pra outra, a patrulha acaba eles voltam”.

O critério do Ibama na escolha de alvos também era diferente dos do Exército. “Nós priorizamos sempre desmatamentos em andamento [detectados pelo Deter-Intenso]. Eles muitas vezes focam nos números. Apreensão de caminhões com tábuas ou toras de madeira, por exemplo. Só que isso, montar bloqueios nas estradas, não impede a devastação da floresta. É algo que nós fazíamos dez anos atrás”, disse o fiscal.

A reportagem também questionou o Ministério da Defesa sobre a escolha dos alvos da operação. Em nota, a pasta informou que isso “é decidido no âmbito do Grupo de Integração para proteção da Amazônia”. “Este colegiado reúne onze órgãos governamentais, entre agências ambientais e órgãos de segurança pública”, segue o texto. Ainda segundo a Defesa, dados do Deter-Intenso são utilizados, juntamente com outras informações, para subsidiar as escolhas dos alvos. De acordo com a pasta foram realizadas ações em quatro dos cinco hotspots monitorados, mas não foi informado qual o tipo de ação desenvolvido em cada um (barreira em estrada, apreensão de drogas, etc).

Evolução do monitoramento

Os dados recentes do desmatamento são decepcionantes, especialmente considerando o imenso avanço do monitoramento agora à disposição do Governo brasileiro. Para entender a dimensão, é preciso analisar a evolução dos métodos utilizados: o Deter-Intenso foi um aprimoramento do Deter, que monitora toda a região amazônica e outros biomas ameaçados com geração de imagens a cada cinco dias (ante intervalos de 24 horas da nova versão). “Para essas áreas onde há demanda maior [os hotspots] desenvolvemos essa solução. Isso é um avanço enorme na questão do monitoramento, pois permite direcionar de forma precisa o deslocamento de equipes de fiscalização. Mostramos aquilo que está crescendo, para que a fiscalização possa agir”, explica o coordenador do Programa Amazônia do Inpe, Cláudio Aparecido de Almeida.

No total o Deter-Intenso monitora cinco áreas críticas: Anapu e Novo Progresso, no Pará; Apuí no Amazonas, Candeias do Jamari (Amazonas e Rondônia) e Extrema (Acre e Rondônia), totalizando 485.000 km² (aproximadamente 9% da área da Amazônia Legal). A seleção dos locais foi feita com base em um documento do Ibama elaborado no final de 2019, e que listava dez hotspots. Indagado sobre a razão de não ter ocorrido queda no desmatamento tendo em vista o material produzido pelo Deter-Intenso somado ao efetivo da Verde Brasil 2, Cláudio de Almeida, do Inpe, afirmou que “a queda do desmatamento está associada a condução de várias políticas públicas, como por exemplo programa de valorização da floresta, a fiscalização em campo e o monitoramento. Dentre essas ações o Inpe é responsável pelo monitoramento”.

Um caso de sucesso do Ibama

Quando foi lançada em maio, os números da Verde Brasil 2 impressionaram: além do efetivo de quase 4.000 agentes e veículos, chamou atenção o custo de 60 milhões de reais, praticamente o Orçamento anual do Ibama para fiscalização. Este valor ainda pode aumentar: o Governo elaborou um projeto de lei que pede mais 410 milhões de reais para serem aplicados na Verde Brasil 2, prorrogada até novembro deste ano.

Apesar dos grandes recursos humanos, financeiros e tecnológicos a seu dispor, o grande exemplo de sucesso no combate à devastação da Amazônia este ano não foi dado pela Verde Brasil 2, e sim por uma operação do Ibama realizada entre 15 de janeiro e 30 de abril. A região escolhida foi o sul do Pará, na proximidade de Altamira, área que concentra três terras indígenas —Ituna-Itatá, Apyterewa e Trincheira Bacajá. A situação no local era dramática: em uma das terras os grileiros chegaram a construir uma pequena vila para atrair mais invasores, havia até mesmo um barracão com tanques para armazenar combustível de aeronaves. “Estas terras indígenas foram as mais desmatadas do Brasil em 2019, de acordo com as imagens de satélites. Lá havia vários focos de desmatamento ativos”, conta um fiscal do Ibama que participou da ação. O objetivo era ousado: zerar a devastação nos locais.

O efetivo era modesto quando comparado aos números da Verde Brasil 2: atuaram de 7 a 10 fiscais por mês, totalizando aproximadamente 40 profissionais. O baixo custo também chama a atenção: somadas as diárias do fiscais do Ibama (que são de 177 reais), chega-se a um valor de 212.400 reais. Com o custo do uso de duas aeronaves, chega-se a 1,5 milhão de reais. O resultado também diferiu do alcançado até o momento pela operação do Exército: “Nós zeramos o desmatamento na região no período em que atuamos. O impacto foi tão grande que ao eliminar a devastação naquelas áreas, derrubamos em 58% o número total de desmatamento em terras indígenas no Brasil”. Mas sem uma presença efetiva das autoridades no local após a ação de sucesso, em julho a área voltou a sofrer com desmatamento ilegal, segundo reportagem da Folha de S.Paulo.

Para este fiscal envolvido na operação nas terras indígenas, é preciso entender o que existe por trás da derrubada da floresta. “Hoje o desmatamento na maior parte da Amazônia Legal não está pulverizado. É uma questão de crime organizado, é um avanço coordenado naqueles hotspots, pois há expectativa de ocupação e regularização fundiária naquela área por parte de interesses poderosos”, conta. “Quando você atua na área crítica você vai para desarticular uma organização criminosa, você desarticula toda a estrutura do crime ambiental, da usurpação de recursos e terra pública. Não vai para multar uma pessoa só”.

Se a devastação da floresta está em alta, as multas aplicadas pelo Ibama —consideradas uma das ferramentas mais eficazes para dissuadir crimes ambientais— tiveram queda de 60% nos primeiro semestre ante o mesmo período de 2019, de acordo com a Folha de S.Paulo. É a segunda queda no Governo Bolsonaro: entre 2018 e 2019 já havia ocorrido redução de 40%.


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