Artigo da Semana
Publicado em 12/05/2016 12:00 -
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Haverá uma mudança radical nos quadros do Poder Executivo. Serão trocados todos os ministros, os secretários-executivos, quase todos os secretários e diretores, pelo menos. Essa troca, ao contrário do que acontece quando um governo é substituído após uma derrota eleitoral, será traumática, como traumático é o afastamento presidencial.
E não se compare com o caso Fernando Collor. O ex-presidente conquistou o poder quase sozinho, tinha um partido pequeno que mudou de nome durante a própria campanha. Na votação do processo de impeachment na Câmara, Collor só teve 38 votos a seu favor.
Já Dilma vem de um dos maiores partidos brasileiros, com tradição de lutas, um dos poucos a ter ideologia. Mesmo sendo derrotada na Câmara por 70% dos votos, ainda teve 137 que a defenderam.
Uma centena a mais do que Collor. A hashtag #naovaitergolpe não se confirmou na realidade, mas certamente #vaiterluta.
Quais as consequências imediatas? Do lado do novo governo, temos um ministério de baixo impacto, no qual parecem se sobressair só Henrique Meirelles e José Serra. Não se escolheu um ministério de notáveis.
Michel Temer poderia escolher a firmeza; poderia dizer que seu compromisso é com o Brasil, não com os partidos; poderia ter imposto ao Congresso um ministério "de técnicos", que agradaria à população mesmo incomodando os políticos; poderia ter explicado a estes que seria essa a melhor fórmula para conquistar confiança e recuperar a economia. Seria uma via difícil, mas que consagraria seu nome. Preferiu a via mais fácil, que é a do loteamento partidário. Alguns nomes até causaram forte reação desfavorável.
Temer tem um prazo. As primeiras semanas podem causar certa euforia. Ele dialoga e articula mais que Dilma, beneficia-se do voto de confiança das classes conservadoras (ressuscito uma expressão tão antiga quanto classes produtoras, ambas designando o capital). Mas a ficha vai cair.
Dilma perdeu oportunidades, dialogou pouco, fidelizou pouco – tanto que alguns de seus ministros foram para o colo do inimigo.
Teria sido melhor todos dialogarem. Dilma errou, a oposição errou. Agora é tarde. Nuvens negras, como negro véu, encobrem nossos céus.
Acontece, todavia, que os problemas brasileiros são bem mais profundos. Retomar o crescimento econômico depois que acabou o boom das commodities não é trivial. Manter e retomar a inclusão social é prioritário. Fazer tudo isso direito, para que não haja mais Marianas, é difícil demais. E tudo isso será cobrado.
Passada a bolha de confiança, é possível que a crise se acirre. Parece que, para a economia decolar, haverá ainda mais perda do poder de compra. Por um tempo, dirão os defensores do novo governo.
No entanto, caso esse tempo se alongue ou a economia não se aprume, as críticas à legitimidade do governo Temer aumentarão. Por isso, seus apoiadores vão acelerar o processo de Dilma no Senado. Não querem conviver seis meses com a possibilidade de que ela volte.
Num cenário em que o novo governo vai aumentar impostos ou cortar investimentos sociais (e provavelmente as duas coisas), o risco de Dilma retornar à Presidência será uma ameaça constante.
Sendo Dilma condenada às pressas, o descontentamento social poderá crescer. A sensação de que o resultado das urnas foi virado no tapetão colocará gasolina nos movimentos sociais e na esquerda.
Teria sido melhor todos dialogarem. Dilma errou, a oposição errou. Agora é tarde. Nuvens negras, como negro véu, encobrem nossos céus.
Renato Janine Ribeiro – Professor titular de ética e filosofia política da USP. Foi ministro da Educação em 2015
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