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Estudo prevê que, nos próximos 20 anos, 24% das crianças de 5 a 9 anos serão obesas. Diagnóstico precoce é essencial para combater o problema, que tem grande influência do ambiente
Publicado em 10/08/2024 9:55 - Vanessa Centamori - Galileu
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As taxas de obesidade em crianças e adolescentes brasileiros vão aumentar nos próximos 20 anos, segundo uma pesquisa apresentada no Congresso Internacional Sobre Obesidade (ICO), que aconteceu em São Paulo entre os dias 26 e 29 de junho. O estudo prevê que, até 2044, 24% dos meninos e meninas de 5 a 9 anos serão obesos. Na faixa entre os 10 a 14 anos, esse percentual será de 15% – e 12% entre aqueles de 15 a 19 anos.
Os resultados vêm de pesquisas de uma equipe liderada pelos médicos Ana Carolina Rocha de Oliveira, do Instituto Desiderata, no Rio de Janeiro, e Eduardo Nilson, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Brasília. Os autores consideraram no estudo um aumento médio do índice de massa corporal (IMC) para cada faixa etária, de acordo com os padrões observados em grupos de estudo brasileiros de 1985 a 2019.
A obesidade é uma doença multifatorial, o que significa que há muitas explicações por trás do cenário de aumento. É o que diz endocrinologista Maria Edna de Melo, chefe da Liga de Obesidade Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Em entrevista à GALILEU, ela cita como fatores de risco a população ser geneticamente predisposta ao acúmulo de gordura, além de questões ambientais, como maior tempo de tela, inatividade, privação do sono, poluição do ar, diminuição de atividade física, etc.
A médica destaca ainda uma mudança do ambiente alimentar que aconteceu dos anos 1970 para cá: se antes a preocupação era com a desnutrição, agora é com o excesso de peso, devido à chegada dos alimentos ultraprocessados e ao marketing direcionado às crianças.
“Você não vê publicidade infantil de alimentos sobre maçã, sobre banana, sobre brócolis”, observa a endocrinologista. “Você tem o creme de avelã, o chocolate, as bolachas, os refrigerantes com aquela cara de criancinha. E, agora, com vários super-heróis”.
Impactos na expectativa de vida
Segundo de Melo, o impacto da obesidade é pior com a passagem dos anos: uma criança obesa tem maior chance de ser mais tarde um adolescente e um adulto obeso. “É o tempo da doença agindo naquele corpo”, observa. “A gente acaba tendo antecipação das doenças, como diabetes, hipertensão, dislipidemia [nível elevado de gordura no sangue], e, com isso, tem também um aumento de risco cardiovascular”.
A médica cita um estudo apresentado neste ano no Congresso Europeu de Obesidade, que estima que a expectativa de vida para crianças de 4 anos com a forma grave da doença seria de apenas 39 anos. “Se a gente não faz uma intervenção, controla o peso e leva à melhora do estado nutricional, a gente está deixando que essa criança ou esse adolescente viva menos”, alerta.
Com a chegada da vida adulta, a obesidade pode aumentar as chances de morte súbita.
A importância do diagnóstico precoce
O diagnóstico melhorou: hoje é mais comum que crianças e adolescentes recebam diagnósticos e comecem a tratar o sobrepreso antes da chegada da vida adulta. Mas nem sempre foi assim: muitos adultos deixavam para cuidar da relação da balança apenas quando as primeiras dificuldades relacionadas ao excesso de peso apareciam.
Episódios do tipo eram comuns cerca de uma década atrás no ambulatório onde trabalha a endocrinologista Lívia Lugarinho, que coordena o Serviço de Obesidade, Transtornos Alimentares e Metabologia (SOTAM) do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE) do Rio de Janeiro.
“Hoje, a gente não vê mais esses adultos de 18 anos chegarem com um peso tão excessivo quanto antes”, conta Lugarinho, à GALILEU. “[Isso] porque eles vêm do ambulatório de endocrinopediatria, onde eles foram diagnosticados precocemente, seja através de campanhas de maternidades ou da conscientização de neonatologistas para uma avaliação, um tratamento precoce”.
Em casos de obesidade infantojuvenil, o pediatra deve considerar o Índice de Massa Corporal (IMC), como também exames complementares sobre composição corporal na hora de fazer o diagnóstico. “O IMC isolado a gente não pode usar”, explica Maria Edna de Melo. “Nós também usamos a relação cintura e estatura, porque dá uma ideia de qual é a distribuição de gordura no corpo, se é uma distribuição mais central”, diz.
Segundo a médica, uma distribuição centralizada de gordura está associada a uma série de consequências: alteração metabólica, esteatose (acúmulo de gordura em um órgão ou tecido), resistência à insulina, maior risco de diabete e alterações de lipídios.
Tratamento em meio ao estigma
No ano passado, a Academia Americana de Pediatria (AAP) divulgou novas diretrizes para o combate da obesidade em crianças e adolescentes. Pela primeira vez, indicou o uso de medicamentos como parte do tratamento para crianças maiores de 12 anos. E ainda recomendou que aquelas maiores de 13 anos com quadros severos sejam avaliadas para cirurgia metabólica e bariátrica.
“Esta é uma questão complexa, mas há várias maneiras de tomarmos medidas para intervir agora e ajudar crianças e adolescentes a construir a base para uma vida longa e saudável”, disse na ocasião Sarah Hampl, presidente do Subcomitê de Diretrizes de Prática Clínica sobre Obesidade da AAP.
Após o lançamento das novas diretrizes, surgiram queixas de que a medicação e a cirurgia viessem em detrimento da promoção de uma vida saudável. “Todo mundo criticou”, recorda Maria Edna de Melo. “Mas o que você vai fazer? Uma criança de 10 anos com 100 kg, você vai deixar [ficar assim]?”. Segundo defende a endocrinologista, a intensidade do tratamento precisa ser proporcional à gravidade da situação.
Para Lívia Lugarinho, ainda existe muito estigma em usar remédios contra a obesidade em adultos — e isso é ainda mais forte em crianças. “Existe um preconceito. ‘Nossa, mas você vai dar remédio para emagrecer para uma criança?’ Mas a gente não se preocupa com as consequências que esse excesso de peso vai trazer na vida adulta”, ela argumenta.
Enquanto os pais resistem em dar as medicações receitadas para os filhos, eles lidam com preconceito no ambiente escolar. “Já foi documentado em estudo que essas crianças [alvo de bullying] sofrem mais até mesmo do que aquelas com câncer”, conta Lugarinho. “Tamanho é o sofrimento vindo de estigma, apelidos, muitas vezes vindo de pares, de colegas e até de cuidadores ou professores”.
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