26/06/2024 - Edição 540

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Lula cobra taxação de fortunas, cutuca Musk e pede nova globalização na OIT

"Nunca antes o mundo teve tantos bilionários. São 3 mil pessoas que detêm quase US$ 15 trilhões em patrimônio. Isso representa a soma dos PIBs de Japão, Alemanha, Índia e Reino Unido", disse o presidente

Publicado em 14/06/2024 9:17 - Jamil Chade, Lucas Borges Teixeira e Leonardo Sakamoto (UOL) – Edição Semana On

Divulgação Ricardo Stuckert - PR

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O presidente Lula (PT) voltou a defender ontem (13) a taxação de fortunas e pediu uma “nova globalização” em discurso na OIT (Organização Internacional do Trabalho), em Genebra, na Suíça.

Lula tem feito a cobrança de taxação de super-ricos em quase todos os discursos internacionais. Ontem na OIT, falou que países ricos “têm de pagar a conta”, reclamou da concentração de renda e tratou sobre a modernização do mundo de trabalho.

“O Brasil está impulsionando a proposta de taxação dos super-ricos nos debates do G20”, disse Lula. Leia aqui a íntegra do discurso.

Sobrou até para Elon Musk, bilionário dono do X (antigo Twitter). “Não precisamos buscar soluções em Marte. É a Terra que precisa do nosso cuidado”, cutucou Lula, em referência ao programa especial da SpaceX, do sul-africano. Ele arrancou aplausos e risadas da plateia.

“A concentração de renda é tão absurda que alguns indivíduos possuem seus próprios programas espaciais, para não ficar na Terra, no meio dos trabalhadores que são responsáveis pela riqueza deles”, reforçou.

O presidente pediu uma “nova globalização”. “Nunca antes o mundo teve tantos bilionários. Estamos falando de 3 mil pessoas que detêm quase US$ 15 trilhões em patrimônio. Isso representa a soma dos PIBs de Japão, Alemanha, Índia e Reino Unido”, disse.

Encampada pelo governo, a pauta tem avançado no Brasil. No ano passado, o governo conseguiu emplacar a tributação dos fundos de super-ricos e das offshore, empresas de brasileiros localizadas em paraísos fiscais, sob a justificativa de aumentar a arrecadação.

“Como afirmou o papa Francisco, não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade. Por isso, aceitei o convite do diretor-geral Gilbert Houngbo da OIT para copresidir a Coalizão Global para a Justiça Social. Ela será instrumental para implementar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, disse Lula, no OIT.

Modernização do trabalho e aumento da informalidade

Ao falar de modernização do trabalho, defendeu direitos trabalhistas e criticou o aumento da informalidade. “Retomamos as políticas de valorização do salário mínimo, de erradicação do trabalho infantil e de combate a formas contemporâneas de escravidão”, disse, lembrando também da aliança por trabalho digno com o presidente norte-americano Joe Biden, a quem chamou de “grande aliado”.

“As transições energética e digital já impactam trabalhadores de todos os países”, continuou Lula. “Nunca a justiça social foi tão crucial para a humanidade.”

“As novas gerações não encontram espaço no mercado Muitos não estudam, nem trabalham”, lamentou. “Há elevado desalento. Quase 215 milhões – mais do que a população do Brasil – vivem em extrema pobreza mesmo estando empregados. As desigualdades de gênero, raça, orientação sexual e origem geográfica são agravantes desse cenário.”

“Apesar das projeções da taxa de desemprego mundial para este ano e o próximo apontarem modesta diminuição de 5% para 4,9%, não devemos nos iludir. A informalidade, a precarização e a pobreza são persistentes. O número de pessoas em empregos informais saltou de aproximadamente 1,7 bilhão, em 2005, para 2 bilhões neste ano. A renda do trabalho segue em queda para os menos escolarizados”, disse o presidente.

Entidades apostam em Lula diante de crise

A presença de Lula na sede da ONU, onde ocorre a conferência da OIT, mobilizou toda a comunidade diplomática. Os chefes da OMS, OMC e de dezenas de delegações se deslocaram para saudar o brasileiro. Um tapete vermelho foi colocado para recebê-lo, na esperança de que seu compromisso com a sobrevivência do sistema ajuda a tirar a ONU da paralisia histórica.

A presença de Lula foi comemorada pelos principais dirigentes dos organismos. Com apoio de sindicatos, da ONU e empregadores, Gilbert Houngbo, diretor-geral da OIT, disse que a coalização brasileira é a “prova de que o multilateralismo” pode dar respostas aos desafios atuais.

Navid Hanif, vice-secretário-geral da ONU, lembrou da presença de Nelson Mandela na OIT, há décadas, e defendeu o estabelecimento de um “novo contrato social”. Para ele, a criação da coalizão que tem Lula como co-presidente é “o compromisso de que haja justiça social, a pedra fundamental da paz”.

“A pobreza em alguma parte é ameaça para a prosperidade para todos”, disse Hanif. Segundo ele, desafios que podem parecer impossível de ser superado – como clima e desigualdade – devem ser lidados com justiça social.

Tedros Ghebreyeus, diretor-geral da OMS, também falou de Lula em seu discurso. Ele agradeceu ao brasileiro pelo compromisso por justiça social e pela luta contra fome e pobreza. “Muito obrigado”, disse em português.

Não adianta taxar super-ricos se cortar de pobres em educação, saúde e BPC

É mais fácil encontrar gente poderosa defendendo limitar o orçamento para creches, escolas e hospitais públicos e desvincular do salário mínimo pensões, aposentadorias e BPC dos pobres do que achar quem empunhe a bandeira de taxar decentemente os super-ricos. Não surpreende, apenas preocupa pela possibilidade de faltar óleo de peroba no Brasil.

Lula prometeu na campanha que iria colocar os super-ricos no Imposto de Renda, mas está longe de cumprir isso. A pauta foi levada à conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo ministro Luiz Marinho, nesta quarta (12), como informa Jamil Chade, no UOL, e vem sendo defendida pelo ministro Fernando Haddad em fóruns internacionais, como o G20.

O problema é convencer aqui dentro sobre o assunto. Pois é mais simples o tal camelo passar pelo buraco da tal agulha do que esse Congresso aprovar um Imposto de Renda realmente progressivo e taxação de grandes fortunas. A discussão dos impostos sobre rendimentos (segunda etapa da Reforma Tributária) é tema tão difícil de ser encontrado nos corredores do parlamento como cabeça de bacalhau ou filhote de pombo.

Isentos de serem tributados pelos dividendos que recebem, os super-ricos no Brasil pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres (via consumo) e a classe média (via renda). Atenção a quem parcelou seu Renegade em 24 vezes: você não é super-rico, apesar de achar que é, então pare de se assanhar.

De acordo com o texto já aprovado no Congresso da primeira etapa da reforma, há a obrigatoriedade da progressividade do ITCMD, o imposto sobre heranças e doações. Mas isso não basta, pois ele continua com teto de 8%, enquanto as alíquotas chegam a 30% na Alemanha, 40% nos Estados Unidos, 45% na França e 50% no Japão. Taxar melhor as heranças, na grande meritocracia hereditária brasileira, é um ultraje aos costumes.

Justiça social vem através de melhor taxação, mas também de proteção aos gastos fundamentais.

Pressionado para garantir paz com os donos e operadores do dinheiro grosso (lembrando que o governo Bolsonaro pedalava com precatórios e ainda assim ganhava sorrisos apaixonados da Faria Lima), o Ministério da Fazenda estuda propostas para as regras orçamentárias de educação e saúde, reduzindo seu aumento anual para adequa-las ao arcabouço fiscal, tal como para os benefícios de seguridade social – desvinculando alguns deles do salário mínimo e, portanto, de seu aumento real anual.

Traduzindo: menos dinheiro para papel higiênico para a criançada na creche, para gaze e aspirina no posto de saúde e para os idosos e doentes se equilibrarem.

Corre o risco de que essas pautas, que não prosperaram durante a gestão Paulo Guedes, muito por conta da pressão da oposição petista, agora caminhem sob um governo Lula. O PT sabe que se passar a desvinculação, Lula não se reelege, e já avisou que não concorda. Lula já indicou que deve barrar essa questão, mas ainda tem a saúde e educação.

Claro que tirar dos muito, muito ricos não vai resolver as questões fiscais do país. Mas é muita sacanagem, para usar uma expressão leve, que o debate da saúde financeira do país gire em torno de subtrair cascalho usado para garantir um mínimo de dignidade a quem tem menos enquanto ignora-se a discussão sobre taxar os que mais têm.

Governos precisam ser cobrados a fazer gastos racionais, eliminando aqueles desnecessários ou que privilegiam castas. Boa parte do debate público, contudo, deliberadamente “esquece” que desoneração de folha de pagamento, tema que ocupam noticiário há meses e é a mãe de outros quiprocócos, como a questão do PIS/Cofins, é gasto público. É benefício, portanto, renúncia fiscal. Quando se propõe cortar renúncia fiscal, os grupos de lobby poderosos infartam, ocupam horas em canais de TV, alertam para o fim do mundo, fazem beicinho de reprovação. Mas, quando se discute cortar de quem tem pouco, abrem seu sorriso.

(Os super-ricos e sua condição privilegiada são defendidos com unhas e dentes pelos terríveis Guerreiros do Capital Alheio, membros da classe trabalhadora que não se veem como tais que vão às últimas consequências para defenderem os privilégios dos bilionários e multimilionários.)

Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 292 bilhões anuais – dados de 2021. É o que defendem a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições.

É difícil. O próprio então ministro Paulo Guedes, durante a era Bolsonaro, propôs taxar dividendos. Em contrapartida, sugeriu reduzir o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas a fim de aumentar investimentos. Foi execrado.

Como já disse aqui, o Brasil é um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes, com os mais ricos tendo mais conforto em suas cabines. Não estou entrando no mérito de como chegamos a essa situação, nem propondo uma revolução imediata para que cabines diferenciadas deixem de existir. Mas é fundamental que a terceira classe conte com a garantia de um mínimo de dignidade e primeira classe pague passagem progressivamente proporcional à sua renda.

Enquanto isso, seguimos parecidos, contudo, como um navio remado por trabalhadores que, a qualquer sinal de tempestade, aumenta a frequência do estalar do chicote.


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