Ecologia
Pantanal também 'seca' e perde 80% de superfície de água desde 1985, aponta estudo
Publicado em 26/06/2024 11:05 - Nádia Pontes (DW), Carlos Madeiro (UOL) – Edição Semana On
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Em 2023, o território do Brasil ficou um pouco mais seco. Em todos os meses do ano, inclusive durante a temporada de chuvas, a superfície de água encolheu, aponta levantamento divulgado nesta quarta-feira (26) pela organização não-governamental MapBiomas, uma rede que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia e que realiza estudos para monitorar mudanças na cobertura e no uso da terra.
A perda registrada no ano passado foi de 3% em comparação com 2022. É como se a água esparramada sobre 5.700 km² tivesse evaporado – o equivalente a cinco vezes a cidade de São Paulo.
Desde 1985, início do período analisado pelo Mapbiomas, a tendência observada no país é de declínio. Especificamente em 2023, a redução foi de 1,5% em relação à média histórica. Atualmente, a água cobre 183.000 km² do território brasileiro, o que corresponde a 2% do total.
“A tendência geral é de perda de água. A explicação para esse cenário é complexa e se deve a vários fatores como mudança nos padrões de precipitação, aumento de temperatura, verões mais quentes e mais longos, mudanças no uso do solo”, afirma à DW Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do Mapbiomas Água.
Extremos de Norte a Sul
O impacto dos eventos climáticos extremos de 2023 é um dos destaques preocupantes da coleção de dados. A Amazônia, por exemplo, iniciou aquele ano com superfície de água acima da média histórica e, meses depois, o bioma enfrentou uma seca sem precedentes. O rio Negro registrou o menor índice desde que seu nível começou a ser acompanhado, há 100 anos.
O Pampa, do lado oposto do Brasil, iniciou os primeiros quatro meses de 2023 na fase mais seca de sua série histórica. Em setembro, chuvas intensas começaram a ocorrer no Sul e provocaram inundações, deixando milhares de desabrigados e dezenas de mortos. “A chuva caiu principalmente em cidades que estão dentro do bioma Mata Atlântica, mas a água escorreu para o Pampa e fez com que aumentasse a disponibilidade”, detalha Schirmbeck.
A era dos extremos impulsionados pelas mudanças climáticas, analisa o pesquisador, se mostrou com bastante clareza no ano que passou. “Há anos escutamos dos cientistas que as mudanças climáticas provocariam eventos extremos mais graves e com maior frequência. Isso foi visto nos extremos geográficos do Brasil”, comenta o coordenador da série do Mapbiomas.
Crescimento fabricado
Já a superfície de água na Mata Atlântica cresceu, ficando 3% acima da média histórica. Diversas localidades no bioma registraram altos níveis de precipitação com inundações em áreas agrícolas e deslizamentos.
No Cerrado e na Caatinga, a disponibilidade superficial da água também aumentou. Isso pode ser explicado pela criação de reservatórios e hidrelétricas ao longo do tempo. Atualmente, 23% de toda água disponível no país se concentra em áreas construídas de armazenamento – a maioria está na Mata Atlântica.
Por outro lado, a situação é diferente quando se analisam os corpos hídricos naturais: sua superfície encolheu 30,8% em 2023 em relação a 1985. Metade das bacias hidrográficas do país estavam abaixo da média no ano passado.
“No Brasil, o ambiente natural está secando. O ganho de superfície é no ambiente antrópico, construído pelo homem. Isso vai na contramão das soluções associadas à água recomendadas num clima em mudança”, afirma Schirmbeck, referindo-se a soluções baseadas na natureza como cidades-esponjas e preservação de áreas úmidas.
Essas estratégias permitem o armazenamento de água da chuva no solo que, aos poucos, escorre para os rios. Elas ajudam também a evitar enchentes nas grandes cidades, como as que ocorreram no fim de abril e começo de maio no Rio Grande do Sul.
De cientista a refugiado climático
Os dados do Mapbiomas Água usam como base as imagens do satélite Landsat 5. Ele faz parte de um programa da agência espacial americana Nasa e integra a rede de observação mais contínua de toda a Terra. Embora a antena do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) capte desde a década de 1970 as imagens do Landsat, a cobertura do território brasileiro de forma sistematizada se deu a partir de 1985.
Morador de Roca Sales, no Rio Grande do Sul, Schirmbeck precisou se refugiar em Belém, Pará, para finalizar a pesquisa sobre o cenário de 2023. Ele deixou a cidade gaúcha em 10 de maio depois das enchentes recordes atingirem duramente o cotidiano da família.
A casa construída em 1944 onde moravam os pais do pesquisador foi alagada. O casal de idosos foi retirado pelo telhado numa madrugada. A residência onde vivia com a esposa e a filha, de cinco anos, ficou isolada devido a um deslizamento de terra e perdeu a conexão com a rede de energia elétrica.
“Eu também virei um refugiado climático. Tudo o que estamos registrando é um alerta para repensarmos urgentemente a nossa relação com o meio ambiente, para darmos importância aos estudos científicos, aos dados, na tomada de decisão pelas autoridades”, comenta ao relatar a experiência.
A crise no Pantanal
Proporcionalmente, o Pantanal foi o bioma que mais secou desde 1985. Em 2023, a superfície de água anual registrada ficou em 3.820 km², o que representou uma redução de 61% em relação à média histórica. Além da diminuição da área alagada, o tempo em que este terreno fica submerso também caiu.
“O Pantanal é uma das maiores áreas úmidas do mundo e está sob preocupação especial. A superfície de água anual, que permanece pelo menos seis meses, caiu drasticamente, é a maior redução desde 1985”, pontua Schirmbeck.
Há quatro décadas, o Pantanal contava com mais de 65% de vegetação nativa em seu entorno. Atualmente, não passa de 40%. Muitos desses pontos concentram nascentes – que ajudam a inundar o terreno – , exatamente por onde avança a fronteira agrícola.
Com o bioma mais seco, a temporada de incêndios começou precocemente neste ano e coloca à prova a sua resiliência. Nas duas primeiras semanas de junho, o número de focos de calor é quase 700% maior que o mesmo período de 2020, o ano da pior crise do fogo até então.
A maior parte dos focos se concentra no município de Corumbá, Mato Grosso do Sul, onde também foi registrada, em 2023, a maior perda de superfície de água proporcional, com redução de 53% em comparação com a média histórica.
Pantanal ‘seca’ e perde 80% de superfície de água desde 1985, aponta estudo
O Pantanal está enfrentando um processo acelerado de perda de água em superfície. Em 38 anos, o bioma perdeu mais de 80% da sua área alagada, segundo estudo lançado hoje pela rede MapBiomas, que possui dados de todo o país desde 1985.
Em comparação a 1985, o Pantanal perdeu 80,7% de sua superfície de água, disparada a maior da série entre todos os biomas. Além dele, apenas o Pampa teve perda em comparação a 1985, mas de apenas 2,9%. O dado leva em conta reservatórios naturais e feitos pelo homem.
O MapBiomas considera a superfície de água aquela que fica pelo menos 6 meses alagado. Segundo o levantamento, em 2023 essa área do Pantanal foi de 382 mil hectares. Em 1985, era um território cinco vezes maior, ocupando 1,9 milhão de hectares. Cada hectare equivale a 10 mil m².
O Pantanal respondeu, no ano passado, por 2% de toda superfície de água do total nacional. Há 38 anos, esse percentual era de 10%. Este ano, por sinal, o bioma passa por um número de queimadas sem precedentes, que ameaça mudar em definitivo o bioma como conhecemos.
Menos água e menos tempo com água
O estudo aponta ainda que houve redução não apenas na área alagada, mas no tempo de permanência da água. No ano passado, apenas 2,6% do bioma estava coberto por água.
A pesquisadora Mariana Dias, da equipe de Mata Atlântica e Pantanal do MapBiomas, cita que o Pantanal é uma das maiores áreas úmidas do mundo e que o bioma está passando por uma mudança preocupante.
“Nós temos observado que a superfície de água no Pantanal reduziu drasticamente. Foi o bioma brasileiro que apresentou maior transição de áreas de água para áreas sem”, afirmou Mariana Dias.
O São João em Corumbá (MS).
De fundo, o Pantanal em chamas.
O cenário do absurdo. pic.twitter.com/tcIcJkUKtX
— Leandro Barbosa (@Barbosa_Leandro) June 23, 2024
Segundo ela, mesmo o ano de 2023 tendo sido de cheia, ela ficou 50% abaixo do volume da cheia de 2018, que tinha sido a última registrada; “Mesmo com a cheia o bioma ficou com 61% menos superfícies de agora da média histórica [desde 1985].”
“Esse é o período mais seco já observado. No final de 2023 a gente já via um alto índice de incêndios, e agora temos observado queimadas de grandes proporções”, disse a Mariana Dias.
Ela lembra que o Pantanal tem ciclos mais cheios e mais secos, mas o cenário atual é diferente de épocas passadas. A pesquisadora explica que, até 1985, o entorno do Pantanal —onde estão todas as nascentes e cabeceira dos rios— tinha uma cobertura de vegetação nativa de 60%.
“Na década de 1960, o bioma também viveu um período bem seco, mas em um contexto muito diferente. Hoje esse percentual de cobertura de vegetação é menor que 40%, sem contar os altos índices de desmatamento e as alterações do sistema global. Isso acende um alerta para eventos recentes e extremos que têm tido maior frequência”, reforçou Mariana.
Outros biomas perdem água natural
Segundo o documento, a água cobriu 18,3 milhões de hectares no Brasil em 2023, o que equivale a 2% do território nacional.
Desse total, 77% são corpos hídricos naturais, enquanto 23% foram criados pelo homem —como reservatórios para abastecimento e barragens.
Nos corpos naturais, houve queda de 30,8% (ou 6,3 milhões de hectares) em 2023 na cobertura da superfície de água em relação a 1985.
No país, a Amazônia é a região que mais tem água no Brasil e responde por 62% da superfície de água nacional.
Segundo o estudo, todos os biomas estão sofrendo com a perda da superfície de água de corpos naturais desde 2000, e a década de 2010 foi a mais crítica.
“Enquanto o Cerrado e Caatinga estão experimentando aumento na superfície da água devido à criação de hidrelétricas e reservatórios, outros, como a Amazônia e o Pantanal, enfrentam uma grave redução hídrica, levando a significativos impactos ecológicos, sociais e econômicos. Essas tendências agravadas pelas mudanças climáticas ressaltam a necessidade urgente de estratégias adaptativas de gestão hídrica”, disse Juliano Schirmbeck, coordenador Técnico do MapBiomas Água.
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