26/06/2024 - Edição 540

Poder

Lira: aliado do atraso

Presidente da Câmara tentou trocar apoio do fundamentalismo religioso aos seus interesses na sucessão na Casa pelo PL do Estuprador, mas as ruas mostraram que o Brasil ainda respira

Publicado em 17/06/2024 9:52 - Karla Gamba e Igor Mello (ICL Notícias), Tales Faria e Jamil Chade (UOL), Daniel Arroyo e Elisa Fontes (Ponte), Ricardo Noblat (Metrópoles), Sabrina Craide (Agência Brasil) – Edição Semana On

Divulgação Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) prometeu a integrantes da Frente Evangélica Parlamentar que aprovaria o projeto de Lei 1904, que dificulta o aborto em casos já previstos em lei, antes do recesso parlamentar em julho. O deputado Sostenes Cavalcante (PL-RJ) é autor do projeto. Em troca, Lira quer apoio da bancada aos seus interesses na sucessão na Casa.

Como consequência, bolsonaristas conseguiram pautar e aprovar na Câmara, sob as bençãos de Lira, o regime de urgência na discussão do PL 1904/2024 — que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação, mesmo nos casos permitidos por lei, ao crime de homicídio.

Sóstenes Cavalcante é ex-presidente da bancada evangélica e um dos principais líderes do segmento no Congresso. Ele confirmou ao jornalista Tales Faria (UOL) que o acerto com Lira já estava fechado há pelo menos um ano e envolve outros quatro temas que interessam ao grupo, entre eles termas relacionados a drogas e capelania – uma resolução do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] impede proselitismo político dos evangélicos nos presídios.

“Sóstenes disse que Lira vai cumprir tudo e, se ele pautar estes três assuntos, [os evangélicos] se sentirão contemplados e o apoiarão. O deputado diz que eles têm 300 votos na Câmara para aprovar o projeto. Vamos ver se é tudo isso mesmo”, informou Tales Faria.

As excrescências do indigno presidente da Câmara dos Deputados

Arthur Lira não rasgou a fantasia de estadista porque nunca a vestiu, por mais que tenha sido aconselhado a vesti-la. A fantasia nunca coube nele. Uma vez político do baixo clero, aprendiz de Eduardo Cunha, o ex-líder do MDB e presidente da Câmara cassado e preso por corrupção, assim Lira se mantém até hoje.

Não foi Lira que se elevou, foi a política que se rebaixou a ponto de ele ascender à condição de presidente da Câmara, o terceiro na linha de sucessão do presidente da República. Para quem já foi acusado de violência doméstica e de estupro pela ex-mulher, nada inusual que patrocine um projeto que atinge em cheio as mulheres.

O projeto de lei que equipara o aborto legal ao homicídio entrou na pauta do Congresso porque Lira está em dívida com os seus colegas evangélicos e precisa do apoio deles para eleger seu sucessor na presidência da Câmara. A dívida foi contraída para assegurar a Lira um segundo mandato de presidente.

Cobrado a pagá-la, ele bancou a aprovação para que fosse votado com urgência o PL do Estuprador.

Lira jamais imaginou que a rejeição popular ao Projeto de Lei 1904 seria tão imediata, gigantesca e barulhenta – e isso é só o começo. Amedrontado, saiu-se com esta para enganar os trouxas: “O fato de você votar a urgência de um projeto não quer dizer que ele vai ser aprovado nem que será o mesmo texto, porque o caminho ainda é longo. É uma Casa plural, com pensamentos diversos, ideologias e partidos diversos, e minha única função é promover o debate”.

Se sua única função “é promover o debate”, por que a votação do regime de urgência do Projeto de Lei 1904 se deu em pouco mais de 20 segundos, sem que muitos deputados sequer soubessem o que estava em votação, sem que fosse pelo menos mencionado o número do projeto e, naturalmente, sem nenhum debate?

Se soubesse do que se tratava, qualquer deputado poderia requerer votação nominal. Então, se saberia se havia quórum para votação. Havendo, se saberia também como cada um votou. Só se conhece os nomes dos 33 deputados autores do projeto. O país foi pego de surpresa. O cinismo de Lira não tem limite.

O que ele disse mais: “É um texto polêmico e, se não tiver condição, se não tiver consenso, não vai ao plenário. Mas, por sentimento, entendo que o Congresso não irá avançar em cima do que já está pacificado na legislação, com as exceções que se permitem [para o aborto]”.

Se Lira diz somente agora que o projeto de lei 1904 “é um texto polêmico”, e que “se não tiver consenso” não irá ao plenário, por que patrocinou a urgente votação dele, sem debates, às escondidas? Porque Lira é Lira e suas excrescências, um presidente de Câmara indigno, desprezível e aliado do atraso.

As ruas se levantam contra lei medieval

“Eu fui vítima. Não criminosa”, estampava em letras maiúsculas o cartaz carregado pela assistente fiscal tributária, Nicole Elias, de 23 anos. A jovem esteve ao lado de centenas de mulheres na noite de quinta-feira (13), na Av. Paulista, região central da cidade de São Paulo, em protesto contra o PL do Estuprador.

Vítima de violência sexual por mais de cinco vezes dentro da própria casa, Nicole disse à Ponte que não imaginava que poderia sentir uma dor maior do que ser abusada. “Por algum milagre, eu não cheguei a gerar uma consequência dos atos de outra pessoa”, afirmou a jovem. “Como que, eu sentia dor, eu passei o trauma, eu vivenciei aquilo, mas uma outra pessoa que não estava na minha pele disse para mim o que eu tenho que fazer e o que eu tenho que aguentar? Não é uma questão religiosa, é uma questão humana”, reiterou.

De acordo com especialistas em questão de gênero, o projeto de lei afetaria principalmente crianças vítimas de violência sexual. A identificação da gravidez de crianças após estupro é mais demorada, o que atrasa também o pedido de ajuda e atendimento em serviços de saúde, e põe em risco a vida das vítimas. Dados do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostraram que o Brasil somou, em 2022, 74.930 vítimas de estupro. 61,4% tinham no máximo 13 anos.

Presente no ato, a codeputada estadual da Bancada Feminista do PSOL, Simone Nascimento, classificou o PL um “retrocesso”. “A gente pode retroceder anos da legislação que garante o direito ao aborto legal para vítimas de estupro. Isso faz com que menos pessoas tenham coragem de denunciar essa violência e mais pessoas sejam torturadas, revitimizadas. Porque o estupro em si já é uma tortura. Gestar uma vida em decorrência do estupro é uma revitimização. Isso é o que está em risco”, alertou.

Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em três situações: gravidez resultante de violência sexual, anencefalia do feto e quando a gestação oferece risco à vida da gestante. Grupos feministas cobraram no ato a descriminalização do aborto e pediram dignidade e proteção à vida de mulheres e meninas em cartazes e faixas com os dizeres “Criança não é mãe” e “Não ao PL1904/24”.

“É absurdo. [Quem propõe o projeto] não deve ter filha”, afirmou a aposentada Rita Ronchetti, de 64 anos, lembrando que tanto meninas quanto meninos podem ser vítimas da violência sexual. “Esse PL é legalizar a violência contra a criança”, criticou.

Os manifestantes também entoaram gritos de protesto contra a bancada evangélica no Congresso e discursaram em jogral denunciando o projeto de lei. “A situação é muito grave porque a gente vive, como disse a ministra da Mulher, uma epidemia de gravidez infantil no Brasil”, lembrou a professora de artes da rede municipal e sindicalista, Lira Alli, de 35 anos.

O ato contra a PL da Gravidez Infantil percorreu a Av. Paulista, do Masp até a Praça do Ciclista, de forma pacífica e terminou por volta das 20h40. Veja mais fotos da manifestação.

Deputado do centrão que votar pelo ‘PL do Estuprador’ pode perder reeleição

Ao contrário das bravatas de fundamentalistas religiosos na Câmara dos Deputados, de que contam com mais de 300 votos para aprovar o PL do Estuprador, a forte reação da sociedade acendeu um sinal amarelo para uma parte do centrão.

A aprovação do projeto que manda uma mulher estuprada que abortar (hoje, um direito legal) para a cadeia pelo dobro de tempo da pena do estuprador se a interrupção ocorrer após a 22ª semana de gestação sem dúvida bombará a reeleição de representantes do ultraconservadorismo.

Mas alguns membros do centrão que emprestam seu voto ao projeto por outros motivos podem se enrascar com o eleitorado. Pois a questão não é ser a favor ou contra o aborto, mas ser a favor que crianças de dez anos, grávidas após serem estupradas pelo pai/padrasto/tio/irmão/avô/vizinho/padre/pastor, sejam obrigadas a terem a criança.

(Lembrando que crianças e adolescentes até 13 anos são 61,4% das vítimas de estupro, 68,3% dos estupros de crianças ocorre em casa 64,4% dos algozes são da própria família, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O que atrasa a busca por ajuda médica ou legal.)

Para medir o efeito do repúdio à proposta nas redes sociais e na imprensa, conversei com um punhado de deputados federais da centro-direita e da direita democrática nesta sexta, sob condição de anonimato. Repercuti com eles os dados da pesquisa Quaest, que apontam que os contrários à ideia são mais de três vezes os favoráveis nas redes.

Todos afirmaram, sem exceção, que não dariam apoio ao projeto do jeito em que está. Justificaram-se que ele avançou só para pressionar o governo federal e o Supremo Tribunal Federal, que está discutindo a questão, ou como moeda de troca de apoio para o candidato de Arthur Lira à sucessão da casa. Acham um exagero sem tamanho o termo “bancada do estuprador”, mas concordam que isso pega na população. E que pode trazer prejuízos eleitorais para parte dos que votarem.

Um punhado de deputados é enquete, não pesquisa. Mas serve para mostrar que eles sentiram cheiro de queimado. Podem não ser todos, mas deputado não é burro. Se o cálculo for mais negativo do que positivo, salta fora.

Com exceção de um naco fundamentalista da sociedade, que defende esse tipo de medida baseada em seus dogmas religiosos, as consequências do PL enojam uma parte significativa dos brasileiros. É bem diferente da discussão sobre aborto que permeou as eleições presidenciais de 2014, 2018 e 2022, por exemplo. Neste contexto, organizações de direitos das crianças e das mulheres prometem lembrar ao eleitorado quais deputados apoiaram a medida caso o projeto venha a passar. Não por vingança, mas por justiça.

O governo Lula ficou emparedado entre as críticas ao projeto feitas pelo grosso da sociedade, de um lado, e a ameaça de líderes da bancada religiosa de que o tema será explorado politicamente e eleitoralmente, de outro. Como já disse aqui, há um medo por parte de partidos de esquerda de tratar de assuntos com o aborto e drogas em ano eleitoral. Contudo, a reação forte nas ruas e nas redes fez com que o governo se reorganizasse e respondesse.

Dentre todas as manifestações, a mais importante partiu da ministra Marina Silva, evangélica e contra o aborto, que foi bem clara: Deus não apoiaria o PL do Estuprador por roubar a dignidade das mulheres.

Pesquisa Datafolha de maio de 2022, a última a respeito do tema, apontou que 65% dos brasileiros defendiam que a legislação sobre a interrupção de gravidez deveria ser mantida ou ampliada para mais situações. Em outras palavras, concordavam que uma pessoa grávida após ser estuprada ou cujo corpo não tenha condições de suportar uma gravidez deve ter direito a interrompê-la.

Segundo o instituto, 39% defendem que a legislação sobre o aborto permaneça como está, ou seja, autorizando-o para quem for vítima de estupro, correr risco de morte ou em caso de feto anencéfalo. Outros 18% afirmam que a lei deveria ser alterada para acrescentar mais situações. E 8% querem que o aborto seja permitido em qualquer caso.

Pode-se inferir que esses 65% são piso, não teto, porque, ao realizar as entrevistas, o Datafolha não perguntou se a pessoa concordava que crianças estupradas fossem proibidas de abortar ou que a pena por aborto fosse o dobro daquela por estupro. Sim, a pergunta faz toda a diferença.

O centrão não é necessariamente ultraconservador como uma parte da extrema direita. Pode ser pragmático, fisiológico, mas não defende que o Brasil vire uma versão da Gilead, o país fictício em que os Estados Unidos se transformou após ser tomado por fundamentalistas cristãos na série Handmaid’s Tale. No afã de se manter no cargo, acabam apoiando aberrações.

Por isso, é sempre bom lembrar a eles que certas aberrações são tão indesculpáveis junto a uma parte significativa do eleitorado que não há asfaltamento e quadra nova em comunidade que compense.

Vale lembrar, por fim, que é a direita liberal o grupo que, em qualquer lugar do mundo, mais perde espaço para o crescimento da extrema direita. Em alguns países, ela percebeu isso e fechou posição com o campo democrático. Em outros, acha que está mandando bem ao se alinhar de forma oportunista a extremistas. Quando receber a fatura da aliança, já será tarde demais.

Um em cada seis casos de aborto legal no Brasil envolve crianças e adolescentes

Um em cada seis casos de aborto legal no Brasil envolve crianças e adolescentes, mostram dados do SUS (Sistema Único de Saúde) analisados pela coluna. Pesquisas acadêmicas mostram que a maioria esmagadora dos casos ocorrem porque as mulheres engravidaram após serem estupradas.

Segundo os dados da SIH (Serviços de Informações Hospitalares) do SUS, ocorreram 11.257 abortos legais no Brasil entre 2019 e 2023 — por ano, são registradas cerca de 2 mil interrupções de gravidez.

Desse total, 1.809 procedimentos –aproximadamente um em cada seis– foram realizados em meninas de até 19 anos. Só em 2023, 143 crianças de até 14 anos interromperam gestações.

O tema voltou à discussão esta semana, após bolsonaristas conseguirem pautar e aprovar na Câmara, sob as bençãos de Arthur Lira (PP-AL), o regime de urgência na discussão do PL 1904/2024 — que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação, mesmo nos casos permitidos por lei, ao crime de homicídio. A manobra motivou protestos de rua e um ataque hacker contra deputados e partidos que apoiaram o texto.

Hoje a legislação brasileira autoriza que mulheres interrompam a gestação quando são vítimas de estupro, os fetos são anencéfalos ou quando o prosseguimento da gravidez coloca a vida da mãe em risco.

Não existem dados oficiais e atualizados sobre o motivo que leva as mulheres a realizar o aborto legal, nem estatísticas consolidadas sobre quantas semanas de gestação elas tinham quando passaram pelo procedimento. Contudo, uma pesquisa acadêmica mostra que casos de estupro respondem por praticamente toda a demanda de interrupções de gravidez no SUS.

No artigo “Serviços de aborto legal no Brasil – um estudo nacional”, publicado em 2016, os pesquisadores Debora Diniz, professora da UnB, e Alberto Pereira Madeiro, da Universidade Estadual do Piauí, analisaram 1.283 prontuários de mulheres que realizaram aborto legal entre 2013 e 2015.

No levantamento, 94% das mulheres que passaram por um aborto tinham engravidado após serem estupradas. Os abortos em casos de anencefalia correspondem a 5% do total, e apenas 1% foram feitos para preservar a saúde das mulheres.

O estudo mostra ainda que 5% das mulheres realiza o procedimento após a 20ª de gestação –situação que as colocaria em potencial risco de serem condenadas a até 20 anos de prisão, caso o PL do Estupro seja aprovado.

PL antiaborto viola padrões internacionais e ameaça vida, diz perita da ONU

O PL antiaborto viola padrões internacionais de direitos humanos e, se aprovado, representaria uma ameaça para a vida principalmente das mulheres mais pobres do Brasil.

O alerta é de Leticia Bonifaz Alfonzo, perita do Comitê da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) e que, no mês passado, examinou a situação brasileira.

Em entrevista ao UOL, ela deixou claro que o projeto de lei vai no sentido contrário ao que o direito internacional reconhece. Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou, em votação relâmpago, a urgência do projeto de lei 1904/24. O PL equipara a punição de abortos realizados após as 22 semanas de gestação em casos de estupro a pena por homicídio. Gestantes e médicos seriam punidos, com penas eventualmente superiores ao estuprador.

Com isso, a proposta pode ser analisada no plenário a qualquer momento, sem a necessidade de passar pelas comissões temáticas. O autor da proposta, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), tem como objetivo alterar o Código Penal, que afirma desde 1940 que o aborto não é punido em casos de estupro e risco à vida da mãe. Para médicos e especialistas, a lei teria um impacto forte sobre as meninas das camadas mais vulneráveis da sociedade.

“Essa lei obviamente estaria fora dos padrões internacionais”, disse. “A CEDAW trabalha com um esquema no qual o ideal é que se deixe um espaço de liberdade até 12 semanas (para um aborto). Se isso não é possível, pelo menos deve haver uma garantia em caso de estupro ou quando a vida da mãe está em risco”, disse. “Esses são os padrões internacionais e qualquer ação contrária vai ter reações por parte da ONU. E é por isso que é tão importante continuar acompanhando o que ocorre em Brasília”, afirmou.

Para a perita, quem mais fica ameaçada por leis como essas são as mulheres com menos poder aquisitivo. “Com os níveis de contraste que tem o Brasil, com a riqueza e apodera, são as mulheres com escassos recursos que recorrem ao aborto clandestinos, e são elas que temos de proteger”, disse.

Para ela, se leis como o PL 1904/24 entram em vigor, as práticas clandestinas continuam em “situações que colocam risco as vidas dessas mulheres”.

O debate sobre o aborto no Brasil ocorre justamente em um momento em que a ONU cobra do país a descriminalização do aborto e seu acesso seguro, além de uma redução das taxas de mortes maternas.

No informe de recomendações do comitê, as peritas ainda destacaram o “fundamentalismo religioso” no Brasil. “Há uma representação religiosa que quer impor suas próprias linhas que, se do ponto de vista religioso pode ser válido, não se podem ser levadas às politicas públicas”, defendeu a perita.

Ela conta que, antes mesmo de entrar para o Comitê, esteve no Brasil. “Vi essa tendência de defender que a mulher precisa voltar para casa, cuidar das crianças. Mas a mulher tem direito a decidir, inclusive de optar por isso se ela quer. Mas também ter presença no espaço público e onde ela quiser”, disse.

Para a especialista mexicana, é na educação que isso precisa começar a mudar, desmontando os estereótipos. “Isso é chave e é a partir dali que começa a discriminação contra as mulheres”, indicou.

O Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres submeteu ao governo federal as seguintes recomendações:

– Legalize o aborto e descriminalize-o em todos os casos e garanta que mulheres e meninas tenham acesso adequado a serviços de aborto seguro e pós-aborto para assegurar a plena realização de seus direitos, sua igualdade e sua autonomia econômica e corporal para fazer escolhas livres sobre seus direitos reprodutivos;

– Reforce as medidas para combater a taxa alarmante de mortalidade materna, inclusive melhorando o acesso a cuidados pré-natais e pós-natais e a serviços obstétricos de emergência prestados por parteiras qualificadas em todo o território do Estado Parte, e abordar suas causas fundamentais, como complicações obstétricas, gravidez precoce e abortos inseguros.

Para a perita, temas que foram colocados de lado nos anos de Bolsonaro puderam começar a ser resgatados no atual governo de Lula. Mas alertou que nem tudo terá de esperar uma composição adequada do Congresso para que medidas possam ser adotadas.

“Voltar a ter acesso à saúde sexual e reprodutiva ou combater os estereótipos é algo fundamental para retomar o caminho para a emancipação das mulheres”, disse.

Segunda ela, independentemente da composição do Congresso, o Executivo pode implementar medidas de políticas públicas que representem avanços. “Vamos estar muito atentas sobre como os países vão adotando as recomendações que o Comitê apresenta. Mas vemos o que se pode fazer e que passos possam ser dados por parte do Executivo, sem esperar o Legislativo”, disse.

Em maio e junho, Lira já promoveu 13 ações bolsonaristas da Câmara

Nos últimos 35 dias, o presidente da Câmara, Arthur Lira, promoveu pelo menos 13 movimentações na Casa em favor de teses defendidas pelos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

São ações que incluem aprovação de projetos e urgências pró-conservadores em plenário, derrubadas de vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e adiamento de decisões que interessavam diretamente ao Palácio do Planalto.

Servem para Arthur Lira conquistar apoio dos bolsonaristas e ultraconservadores — no PL e em outros partidos do centrão — para a eleição do candidato que ele escolher à sua sucessão no comando da Câmara.

Também servem como demonstração de força junto ao Palácio do Planalto, no momento em que o presidente da Câmara pressiona nos bastidores por uma reforma ministerial com indicação de um aliado seu para coordenador da articulação política do governo.

Eis as ações patrocinadas por Arthur Lira – contadas apenas desde o dia 9 de maio – que emparedaram o governo:

12/6 – plenário aprova em votação simbólica recorde (28 segundos) a urgência para projeto que equipara a homicídio o aborto de gestação acima de 22 semanas;

12/6 – plenário aprova urgência para projeto que anula delações premiadas e pode ajudar o próprio Bolsonaro;

5/6 – Arthur Lira cria grupo de trabalho para refazer projeto sobre judicialização das chamadas fake News, com 14 dos 20 escolhidos contrários à criminalização;

5/6 – Lira dá 90 dias adiáveis por outros 90 (total de seis meses) para elaboração do projeto sobre fake news, que ficará para votação no ano que vem;

28/5 – plenário aprova projeto que suspende trechos de decreto do presidente Lula, reduzindo assim exigências para posse de armas e facilitando a instalação de clubes de tiro;

28/5 – plenário aprova jabuti que cria taxa para produtos importados de até 50 dólares no projeto de incentivos para descarbonizar produção de veículos;

28/5 – deputados derrubam veto do presidente Lula à proibição das chamadas “saidinhas” de presos;

28/5 – deputados derrubam outros 28 vetos, incluindo aquele ao projeto que proíbe a destinação de recursos orçamentários a invasões de terras;

21/5 – plenário aprova projeto que prevê sanções a invasores de terras;

9/5 – deputados derrubam veto do presidente Lula ao projeto que flexibiliza uso de agrotóxicos;

9/5 – deputados derrubam veto à regularização de terras invadidas na Amazônia;

9/5 – deputados derrubam a maior parte dos vetos presidenciais à Lei Orçamentária de 2024;

9/5 – deputados elevam de R$ 11 bilhões para R$ 15,2 bilhões o valor das emendas parlamentares de comissões permanentes no Orçamento de 2024 (total das emendas parlamentares passa a R$ 52 bilhões).

Saiba como é a legislação sobre aborto pelo mundo

Mais de 662 milhões de mulheres vivem em 77 países onde o aborto é permitido mediante solicitação da gestante. Segundo a organização Centro de Direitos Reprodutivos, esse número representa 34% do total de mulheres em idade reprodutiva em todo o mundo.

O limite gestacional para a realização do aborto nesses países varia, mas o mais comum é que seja permitido até 12 semanas de gravidez. No entanto, o aborto é permitido depois desse limite por outros motivos como quando a saúde ou a vida da grávida está em risco ou quando a gravidez é resultado de estupro.

Na Itália, por exemplo, o limite para interromper a gravidez é 90 dias de gestação. Na Alemanha, é 14 semanas; na França, de 16 semanas e na Tailândia, de 20 semanas. Em Portugal, o limite é dez 10 semanas para a mulher fazer um aborto sem precisar justificar, mas em caso de estupro ou malformação, o prazo é estendido para 16 e 24 semanas, respectivamente.

Outras 457 milhões de mulheres vivem em 12 países onde o aborto é permitido por razões socioeconômicas como idade, status econômico e estado civil da gestante. Muitos países e territórios dessa categoria também permitem o aborto quando a gravidez resulta de estupro ou incesto ou em alguns casos de diagnósticos fetais. Nessa categoria estão Japão, Índia e Grã-Bretanha.

A realização do aborto por motivos de saúde é permitida em 47 países, onde vivem 226 milhões de mulheres. Nesta condição, 20 países permitem explicitamente o aborto para preservar a saúde mental da pessoa grávida, como Bolívia, Angola e Gana. Muitos países também permitem o aborto por outros motivos, como estupro ou doenças do feto.

Segundo levantamento da organização, o Brasil está na classe de países que permite o aborto para salvar a vida da gestante. Um total de 44 nações estão nesta categoria, sendo que 12 também permitem o aborto em caso de estupro ou em determinados diagnósticos fetais. Nesta lista também estão Chile, Venezuela, Paraguai, Síria, Irã, Afeganistão, Nigéria e Indonésia.

O aborto é proibido totalmente em 21 países, com um total de 111 milhões de mulheres. Neles, a legislação não permite o aborto em nenhuma circunstância, inclusive quando a vida ou a saúde da gestante estiver em risco. Nesse grupo estão países como Nicarágua, Honduras, Suriname, República Dominicana, Senegal, Egito, Madagascar e Filipinas.

Em dois países – Estados Unidos e México – o status legal sobre o aborto varia de acordo com a lei de cada estado.

Segundo o Centro de Direitos Reprodutivos, nos últimos 30 anos, mais de 60 países liberalizaram as leis sobre aborto e quatro reverteram a legalidade da prática: Estados Unidos, Polônia, Nicarágua e El Salvador.

O Centro de Direitos Reprodutivos (Center for Reproductive Rights) é uma organização global de direitos humanos formada por advogados e defensores para garantir o direito reprodutivo das mulheres.]


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