19/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

Votar e eleger

Publicado em 13/08/2014 12:00 -

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Um en­godo. Foi desta forma que o mi­nistro do Su­premo Tri­bunal Fe­deral (STF) Luís Ro­berto Bar­roso clas­si­ficou certa vez o mo­delo de eleição para de­pu­tados fe­de­rais, es­ta­duais e ve­re­a­dores no Brasil. Não, Bar­roso não é um de­fensor de re­gimes to­ta­li­tá­rios, apenas mais um ci­dadão a ana­lisar de forma de­sa­pai­xo­nada e crí­tica as graves ma­zelas do nosso sis­tema re­pre­sen­ta­tivo.

De fato, há no Brasil uma ficção de que o eleitor vota e elege seu can­di­dato, quando menos de 10% dos vi­to­ri­osos nos pleitos são eleitos com vo­tação pró­pria. Na “vida real”, na práxis po­lí­tica, os can­di­datos são eleitos com o quo­ci­ente elei­toral e com a aju­dinha das co­li­ga­ções. Mais de 90% dos mem­bros da Câ­mara Fe­deral têm sido tra­di­ci­o­nal­mente eleitos sem vo­tação pró­pria. 

Um bom exemplo é o de­pu­tado Ti­ri­rica (PR-SP), o mais vo­tado do país em 2010, com 1,3 mi­lhão de votos. Quem deu a Ti­ti­rica seu voto como um pro­testo ajudou a eleger também Val­demar Costa Neto (PR). Não se trata de jul­ga­mento de valor (ou, vá lá, de certa forma se trata sim), mas o sim­ples fato de que ao votar no can­di­dato “A” elegeu-se, também, o can­di­dato “B”. O voto de pro­testo elegeu a po­lí­tica tra­di­ci­onal.

A ex­pres­siva vo­tação de Ti­ri­rica em 2010 ajudou a eleger ou­tros três da mesma co­li­gação: Pro­tó­genes Queiroz (PC do B),  Oto­niel Lima (PRB)  e Van­derlei Si­raque (PT) sem que o eleitor ti­vesse, de fato, esta in­tenção.

Para dar fim a esta ma­te­má­tica de con­ve­ni­ência, é pre­ciso uma re­forma po­lí­tica que ba­ra­teie as elei­ções, ajude na for­mação de mai­o­rias es­tá­veis no Con­gresso e de au­ten­ti­ci­dade pro­gra­má­tica aos par­tidos.

Para dar fim a esta ma­te­má­tica de con­ve­ni­ência, é pre­ciso uma re­forma po­lí­tica que ba­ra­teie as elei­ções (raiz de boa parte dos pro­blemas de cor­rupção), ajude na for­mação de mai­o­rias es­tá­veis no Con­gresso e de au­ten­ti­ci­dade pro­gra­má­tica aos par­tidos. Hoje, nas pa­la­vras de Bar­roso, vi­vemos em meio a um ce­nário par­ti­dário “de­vas­tado por le­gendas de alu­guel que com­pro­metem a dig­ni­dade da po­lí­tica". Ele está certo. Trata-se da de­mo­cracia sendo agre­dida pela arit­mé­tica in­cons­ti­tu­ci­onal.

Tra­mita no Se­nado a Pro­posta de Emenda Cons­ti­tu­ci­onal Nº 54/2007, de au­toria do Se­nador Fran­cisco Dor­nelles (RJ), que pre­tende dar fim a estas in­con­gruên­cias. A PEC al­tera o art. 45 da Cons­ti­tuição Fe­deral para es­ta­be­lecer o sis­tema ma­jo­ri­tário na eleição de de­pu­tados fe­de­rais, es­ta­duais e ve­re­a­dores ao dispor que “Es­tarão eleitos os can­di­datos mais vo­tados na cir­cuns­crição elei­toral, na ordem de vo­tação no­minal que cada um tenha re­ce­bido, até o nú­mero de lu­gares a pre­en­cher”.

O pa­recer do re­lator (o ex-se­nador e atual mi­nistro dos Trans­portes, César Borges) en­fa­tiza que a apli­cação da regra evi­taria a ocor­rência de si­tu­a­ções pa­ra­do­xais, mas fre­quentes e su­ces­sivas: a eleição de can­di­datos com poucos votos, na es­teira de um ou mais can­di­datos bem vo­tados do mesmo par­tido ou co­li­gação, e a der­rota de can­di­datos que não al­can­çaram o quo­ci­ente elei­toral, em­bora com vo­ta­ções ex­pres­sivas. 

Sendo a De­mo­cracia as­sen­tada na re­pre­sen­tação po­pular, so­mente com a eleição e posse dos par­la­men­tares mais vo­tados é que ha­verá fi­de­li­dade à von­tade do eleitor. Desde 2010 a PEC mofa no Con­gresso aguar­dando in­clusão ordem do dia.


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