Palavra do Editor
Publicado em 09/10/2014 12:00 -
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“Cuidado com as críticas e desabafos… Cuidado com os assuntos polêmicos, discutir sobre futebol, religião, política nas redes sociais não é muito aconselhável, até por que o tempo passa e as consequências ficam… Não fale mal da empresa que você trabalha… procure ser lembrado como aquela pessoa agradável que sabe se comportar no on-line e no off-line.”
O parágrafo acima é composto por trechos de um dos milhares de “manuais de comportamento nas redes sociais” que pululam na internet. A proliferação de “especialistas” em redes sociais criou este tipo de fenômeno, no qual gente antenada em tecnologia – mas muitas vezes mal saída dos cueiros – se imagina em posição de dizer o que é ou não válido em termos comportamentais na minha e na sua vida.
É verdade: a cada dia as fronteiras entre o virtual e o “real” de desfazem. A cada dia passamos mais tempo conectados. Compramos, vendemos, conversamos, estudamos, trabalhamos, fazemos e desfazemos amizades e até relacionamentos via internet. Desvencilhar o “eu analógico do eu digital” torna-se um desafio que se acirra a cada minuto.
Há quem defenda que nossa identidade virtual deva ser regida também pela discrição política. É a ode ao picolé de chuchu. Seja elegante, não discuta temas polêmicos. Seja cuidadoso, não emita opiniões divergentes. Seja cauteloso, não exponha suas crenças.
Não há dúvidas de que as esferas pública e privada, que antes eram muito bem definidas, hoje se confundem e geram conflitos. O que é dito na rede se multiplica exponencialmente, saindo do âmbito particular e atingindo (potencialmente) patamares globais. Cuidados básicos, inclusive no que se refere à segurança, são aconselháveis. Não há necessidade, por exemplo, de avisar ao mundo que você viajará pelas próximas duas semanas. A não ser que você queira voltar de viagem e encontrar a mudança feita pela bandidagem. Não há necessidade de publicar uma foto de nu frontal e desinibido para a apreciação do mundo. A não ser que você seja adepto do nudismo e queira divulgar a prática. O bom senso na rede é o mesmo que adotamos fora dela.
Há, no entanto, quem vá além destes cuidados básicos com a imagem a segurança e a privacidade e defenda que nossa identidade virtual deva ser regida também pela discrição política. É a ode ao picolé de chuchu. Seja elegante, não discuta temas polêmicos. Seja cuidadoso, não emita opiniões divergentes. Seja cauteloso, não exponha suas crenças. Não diga isso no Facebook, você pode se comprometer. Não diga isso em público, você pode fechar portas. Não diga isso nem mesmo em pensamento, você pode se prejudicar.
Confesso que, apesar dos flames e trolls que impregnam a rede, me incomodo menos com quem se lança ao debate acalorado do que com aqueles que passam desapercebidos, compartilhando apenas amenidades, vendendo a imagem de bons moços e moças conformados e adequados às regras de comportamento do status quo ou das rodinhas intelectualóides que frequentam. Da mesma forma, no convívio face to face, me inquieto com quem não se posiciona, com quem se exime de opinar, com quem exerce a primeva arte de se equilibrar sobre muros.
Estamos sob a ameaça constante da pasmaceira política que, se por um lado parece gerar frutos imediatos, por outro nos condena ao limbo das ideias. Não se constrói mundos com o silêncio. O conflito de ideias é fundamental para que novos conceitos floresçam na busca pelo desenvolvimento humano. E esta eterna busca ocorre hoje, especialmente, nos ambientes virtuais. Seguir todos os mandamentos dos “magos das redes sociais” é abrir mão do contraditório, do debate, da troca de ideias. Tenhamos cuidado com as fórmulas prontas.
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