19/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

Todos totalitários

Publicado em 24/12/2015 12:00 -

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Não se pode aceitar o ódio e a intolerância como algo inerente ao debate político. Por isso, o episódio do último dia 21, quando Chico Buarque foi interpelado agressivamente por um grupo de pessoas no Leblon (RJ), e constrangido pelo fato de defender o PT publicamente, não é aceitável.

O acirramento do campo político no Brasil tem sido marcado pela intolerância. “Petralhas”, gritam uns. “Coxinhas”, bradam outros. Não raro, este confronto tem exacerbado palavras para desembocar em agressão.

No dia 15 de março, por exemplo, um grupo de vândalos incendiou a sede do PT em Jundiaí (SP) depois de quebrar suas vidraças e pichar no muro a frase “Fora, PT”. Onze dias mais tarde, o diretório do partido no Centro de São Paulo foi alvo de uma bomba semelhante à que foi usada no dia 31 de julho contra o Instituto Lula. Ser petista, socialista, esquerdista se transformou, para alguns, em crime. Não há maior ameaça à democracia do que a intolerância.

Ok, façamos uma pausa aqui. Este não é um artigo em defesa das práticas questionáveis que lideranças petistas e seus aliados adotaram e pelas quais estão sendo alvos de investigações. Este é um artigo em defesa da diversidade e da democracia – no que ela tem de melhor: a possibilidade de pensamentos diferentes conviverem, senão em harmonia, em respeito.

Até porque, o PT sempre usou técnicas similares para lidar com opositores. Recentemente, o Levante Popular, grupo ligado ao PT, realizou ações contra militares que aturam nos tempos da Ditadura. Via de regra opositores no campo ideológico também são alvos de ações orquestradas, como ocorreu com a dissidente cubana Yoani Sanchez e com o sociólogo Demétrio Magnoli em 2013.

Discursos de ódio, discursos de intolerância, que pregam a eliminação do outro ou dos direitos do outro não podem ser tolerados em uma democracia.

O pensador Idelber Avelar resume bem a questão:

Mário Covas chegou a levar paulada na cabeça e o irresponsável Zé Dirceu, em vez de condenar o episódio, emendou com um 'eles têm que apanhar nas urnas e nas ruas'. Nacifra, Goldemberg, Sanches, Sader e todos esses capangas pagos com dinheiro público para difamar opositores e lamber bota de governo se cansaram de convocar espancamento de manifestantes, ou pelo menos de rir de violência policial contra manifestantes. No Rio Madeira, capangas da CUT colocaram a peãozada para sair da greve e trabalhar em Jirau e Santo Antônio na base da intimidação e da porrada. Nunca balbuciaram um A de solidariedade quando as vítimas eram manifestantes – manifestantes, não pessoas famosas! – e a violência com frequência vinha de forças policiais insufladas por eles próprios.

Agora, a maré virou. Ex-Ministros petistas estão sendo hostilizados em restaurantes e até gente decente, como Chico Buarque, está ouvindo insultos e desaforos. Lamentável? Sem dúvida. Mas seria uma ótima oportunidade para o governismo refletir sobre seu papel na criação deste clima.

Em vez disso, fazem o quê? O que sabem fazer melhor: um gigantesco escândalo por causa de um bate-boca, como se eles fossem sempre os vestais da moralidade, como se fossem sempre vítimas e como se não tivessem nada a ver com este grotesco quadro que se consolidou.

Vão me desculpar, mas é muita hipocrisia para meu gosto.

Estes são episódios diferentes do que ocorreu com Chico Buarque (com Eduardo Suplicy, Fernando Haddad entre outros petistas), ou há uma semente de totalitarismo em todos eles?

Há limites para a manifestação? Ela se valida, mesmo quando impede a proliferação de ideias por parte do outro, quando invade a vida privada das pessoas? É salutar a limitação do contraditório? Estas perguntas são importantes no contexto político do país.

Os limites, para quem crê na democracia, são claros: discursos de ódio, discursos de intolerância, que pregam a eliminação do outro ou dos direitos do outro não podem ser tolerados. Eu posso dizer que não gosto de “coxinhas” ou “petralhas”, mas quando passo a pregar que "estes" são criminosos – ou mesmo prego a exclusão, eliminação ou limitação de seus direitos – cometo um crime. O discurso da eliminação ou anulação do outro deve sempre ser combatido.

Estas pessoas, à esquerda e à direita do prisma político-ideológico, se julgam no direito de escrachar publicamente quem pensa diferente. Elas não o têm. Pelo menos em um Estado Democrático de Direito. Discursos de exclusão não devem ter espaço em uma democracia.


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