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Palavra do Editor

Racismo à brasileira

Publicado em 17/09/2014 12:00 -

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Existe uma diferença fundamental nas afirmações “o Brasil não é um país racista” e “não há racismo no Brasil”. Para que o racismo exista em um determinado país, basta que ali haja racistas. Ainda que raros, sem poder de militância, mesmo marginalizados e apartados da realidade da imensa maioria da população, estes indivíduos invalidam a segunda afirmação. É claro, portanto, que não há um só país no planeta isento do germe do racismo, pois falamos em indivíduos e não no conjunto da sociedade.

No entanto, a primeira afirmação não se sustenta com a simples existência de indivíduos racistas no tecido social. Para um país “ser racista” é necessário que ali prolifere uma ideologia racista, operante e ativa, articuladora de movimentos, traduzida em partidos e associações. É preciso que esta nação seja fortemente influenciada por conceitos de superioridade racial e, mesmo, que estes valores estejam impressos nas leis, costumes, na cultura popular e erudita. Nada disso acontece no Brasil.

Recentemente, o Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Afrodescendentes, que esteve no Brasil em dezembro do ano passado, divulgou este mês um relatório segundo o qual o país vive um "mito de democracia racial" e que há "racismo institucionalizado" na sociedade brasileira.

Há racismo no Brasil? É claro que sim. Há também fundamentalismo religioso, embora não sejamos um país religiosamente fundamentalista.

Para comprovar a situação a ONU apresenta dados segundo os quais o desemprego é 50% maior entre afrodescendentes, a média salarial dos brancos é o dobro do salário dos negros, a expectativa de vida entre os negros não passa de 66 anos, enquanto a dos brancos é seis anos maior, entre outros.

No entanto, o uso de dados econômicos e sociais como prova de um suposto racismo institucionalizado no Brasil deve ser observado com cuidado. Entre um dado econômico e sua interpretação causal a relação não é nunca direta e auto-evidente. Para que esse efeito econômico pudesse ser explicado pelo racismo, seria preciso provar a presença atuante de uma ideologia racista na sociedade brasileira, em dose capaz de produzir esse resultado pelo acúmulo de exclusões propositais dos negros pelos brancos nos empregos, nas vagas escolares, etc.

A metodologia científica condena o uso de estatísticas como se fossem elas próprias sua auto-explicação causal. Trata-se de uma fraude científica. Pior ainda a fraude se torna quando a diferença residual de padrão econômico entre grupos raciais, não podendo ser atribuída aos efeitos da ideologia racista num país onde essa ideologia não existe, passa ela própria a ser designada pelo termo “racismo”.

Ora, há racismo no Brasil? É claro que sim. Há também fundamentalismo religioso, embora não sejamos um país religiosamente fundamentalista. O Brasil é um país racista. Não. Dizer o contrário é ceder espaço a argumentos cujo objetivo não é o de garantir igualdade entre os seres humanos, mas promover os sintomas de um falso conflito social.


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