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Palavra do Editor

Os nordestinos e a classe média

Publicado em 31/10/2014 12:00 -

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A reeleição de Dilma Rousseff (PT) gerou um surto de mensagens preconceituosas contra nordestinos, nortistas, negros e beneficiários dos programas sociais do governo federal. O fenômeno já havia sido observado em 2010, quando Dilma foi eleita pela primeira vez. Trata-se de uma aberração, é claro. Ninguém em sã consciência pode admitir que manifestações de ódio e preconceito – de classe, raça, etnia, gênero, religião, sexualidade ou o que seja – sejam justificáveis como fruto de uma disputa política. Àqueles eleitores de Aécio Neves que usaram as redes sociais para externar este tipo de sentimento não representam a maioria da população brasileira.

Da mesma forma, não representam a maioria do povo deste país àqueles que demonizam a classe média como estratégia de cisão social cujos frutos, duvidosos, são colhidos com avidez nas urnas. Atribuir à classe média todos os males da nação – como fez a filósofa Marilene Chauí sob o aplauso de Lula – imputar-lhe a pecha de reacionária, racista e elitista como se fosse ela um borrão indistinguível em meio ao tecido social e não uma fatia da sociedade composta por indivíduos com crenças religiosas, políticas e sociais particulares, é tão odioso quanto dizer que os nordestinos que votam no PT são ignorantes.

Um preconceito jamais pode justificar outro.

O historiador Leandro Karnal – doutor em história social pela USP e professor da Unicamp – faz uma análise do ódio do brasileiro que ajuda a explicar estas manifestações de preconceito no eleitorado do País. Ao traçar um histórico de como o brasileiro lida com a questão do ódio, ele mostra nossa resistência em assumir que fazemos guerras, que aqui há preconceito e racismo e, mais do que isso, que temos dificuldade em reconhecer o mal em nós.

Segundo Karnal, acreditamos que as manifestações de ódio e de ira aparecem sempre no outro, no estrangeiro, no vizinho, nunca em nós. A violência é sempre do outro, nunca a nossa. “É sempre um espanto e inexplicável. Só tem sentido no outro, longe de mim”, afirma o historiador. Ele ironiza: “Por incrível que pareça somos um povo profundamente pacífico cercado por pessoas violentas longe da minha comunidade, sejam elas cariocas, sertanejos, favelados, nordestinos ou quaisquer outros indivíduos que encarnem a violência contra mim, representante da brasilidade”.

Esta incapacidade de reconhecer em si as mesmas falhas que aponta no outro faz com que o brasileiro seja politicamente manobrado com muita facilidade. Manobrar a opinião pública para seu próprio benefício, diga-se, é uma estratégia ideológica muito bem compreendida e utilizada pela política partidária, por todos os partidos, inclusive pelo PT e pelo PSDB.

Não há mocinhos nesta história.


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