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Palavra do Editor

Os fantasmas de Bernal

Publicado em 22/01/2016 12:00 -

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LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; – Constituição Federal de 1988

A guerra que se instalou em Campo Grande (MS) com a eleição do prefeito Alcides Bernal (PP) não é novidade e nem privilégio da capital do Mato Grosso do Sul, faz parte do paroquialismo da política brasileira. No entanto, em Campo Grande, este conflito ganhou ares de novela mexicana, de literatura fantástica.

Desde seu primeiro dia de mandato, o prefeito não teve a grandeza de descer do palanque. Estabeleceu uma política de vendetta contra tudo e contra todos. O resultado da inabilidade política foi sua queda em 12 março de 2014. Cassado pela Câmara Municipal em uma manobra que hoje é alvo de investigações, Bernal abriu espaço ao seu vice (e desafeto), Gilmar Olarte. Na recomposição da equipe de governo, o novo prefeito reocupou os cargos comissionados (como é praxe na gestão pública em todo o país) com aliados políticos e técnicos.

A disputa continuou na Justiça e, no dia 25 de agosto de 2015, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) decidiu, por 2 votos a 1, pela reintegração de Bernal ao cargo. Dois dias depois (27) o prefeito exonerou os comissionados de Olarte, reocupando os cargos com seus próprios aliados e técnicos. Nada mais natural. É direito do gestor estar cercado de pessoas de sua confiança.

No entanto, desde então, o chefe do executivo municipal campo-grandense se recusa a pagar os direitos trabalhistas destes profissionais exonerados, que incluem salários e demais garantias proporcionais ao tempo de trabalho. Sua argumentação é de que havia “fantasmas” entre os comissionados de Olarte.

Fantasmas não são incomuns na máquina pública brasileira. No entanto, a presunção da inocência deve sempre prevalecer em um Estado Democrático de Direito. Ao colocar todos os comissionados da gestão anterior no mesmo saco de gatos, Bernal peca. Peca também ao usar este argumento para dar sequência a sua pequena política de vinganças pessoais – incompatível com a importância e seriedade do cargo que ocupa.

Ao colocar todos os comissionados da gestão anterior no mesmo saco de gatos, Bernal peca. Peca também ao usar este argumento para dar sequência a sua pequena política de vinganças pessoais.

Se havia “fantasmas” na gestão passada, o prefeito – como representante máximo do executivo municipal – tem a obrigação de apontá-los, de denunciá-los ao Ministério Público para que devolvam aos cofres da Prefeitura os valores recebidos indevidamente. Para que paguem por seus crimes. O que o prefeito Alcides Bernal não pode é insinuar que todos os comissionados agiam sem lisura, que eram todos apaniguados políticos. Isso não é verdade.

Nesta quinta-feira (21), Bernal protagonizou mais um episódio desta pantomima ao mandar cancelar o pagamento destes profissionais, que estava programado para ocorrer hoje (dia 22).

Além de não receberem seus direitos, estes servidores foram, novamente, acossados moralmente pelo prefeito. Bernal manteve o tom de escracho. “Aqueles que estiverem descontentes, podem acionar o Ministério Público Estadual (MPE)”, provocou. Até o momento, no entanto, a Prefeitura não apontou nenhum caso concreto de ex-servidores acusados formalmente de qualquer irregularidade.

Ao adotar esta estratégia, o prefeito mostra que não respeita a Constituição. Não respeita a presunção de inocência. Faz pouco da Justiça e das pessoas. No entanto, a mesma Justiça que o trouxe de volta à vida pública, pode render-lhe problemas no futuro. Alguns ex-funcionários pretendem acioná-lo por calúnia e difamação em busca de ressarcimento moral pela exposição a que estão sendo submetidos toda vez que o prefeito os relaciona com as irregularidades que alega como argumento para não realizar os acertos.

O advogado Oton Nasser de Melo considera que a postura do prefeito dá espaço para isso. “Vale ressarcimento por dano moral, por calúnia e difamação. Ao chamar estes servidores de fantasmas o prefeito os está acusando de um crime. Ou ele aciona o Ministério Público para que identifique estas pessoas – o que é obrigação dele – ou pode ter que responder pelas suas declarações. O que não pode é apenas fazer as acusações”, sustenta.

Independente da convicção (ou da paixão) política de cada um, não se pode deixar que a Lei seja soterrada sob as picuinhas da política pequena. Campo Grande não merece isso.


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