19/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

O ocaso da representatividade

Publicado em 03/09/2014 12:00 -

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Fossem ins­ti­tui­ções sé­rias, a Câ­mara Fe­deral e o Se­nado es­ta­riam tra­ba­lhando neste mo­mento por uma re­forma po­lí­tica profunda. Não se trata de per­fu­maria a ser usada como pro­pa­ganda por de­pu­tados e se­na­dores, mas de uma ne­ces­si­dade pre­mente. A de­mo­cracia re­pre­sen­ta­tiva no Brasil está fa­lida, es­go­tado, cor­rom­pida. Falta-lhe le­gi­ti­mi­dade. 

Assim como os elei­tores não votam nas ideias e pro­postas dos can­di­datos, os can­di­datos não pautam suas cam­pa­nhas por de­bates e ideias pro­gra­má­ticas. A ló­gica econô­mica nas cam­pa­nhas elei­to­rais é a tô­nica, ele­gendo quem tem mais. Os eleitos, por sua vez, não se sentem fis­ca­li­zados pela massa de elei­tores que nem mesmo acom­panha o exer­cício dos man­datos da­queles a quem fran­queou o voto. 

Os par­tidos po­lí­ticos, en­fra­que­cidos, se trans­for­maram em balcão de ne­gó­cios, onde o cli­en­te­lismo dos pe­quenos fa­vores reduz a po­lí­tica a uma su­cursal do fi­si­o­lo­gismo pri­vado. Ali, po­lí­ticos e elei­tores são cúm­plices de um sis­tema que ali­menta a cor­rupção e a sub­ser­vi­ência elei­toral en­fra­que­cendo os pi­lares da de­mo­cracia.

No mo­delo atual, a ati­vi­dade po­lí­tica se traduz em mera prá­tica co­mer­cial, cuja moeda de troca é a gra­tidão pelos fa­vores pres­tados. A ide­o­logia está morta, en­ter­rada sob as ne­go­ci­atas e o vale tudo pela con­quista/per­ma­nência no poder.

O interesse público submerge sob interesses privados no nosso modelo representativo.

Muitos pen­sa­dores e fi­ló­sofos con­tem­po­râ­neos de­fendem que a de­mo­cracia re­pre­sen­ta­tiva está morta, não cumpre mais o papel a ela atri­buído. O mo­tivo deste apo­dre­ci­mento é a sub­missão dos in­te­resses pú­blicos ao in­te­resse dos que detém o poder po­lí­tico e econô­mico, aliada a cres­cente apatia das pes­soas. 

Na de­mo­cracia re­pre­sen­ta­tiva, seria de se es­perar que um par­la­mentar re­pre­sen­tasse os in­te­resses da po­pu­lação. Isso ra­ra­mente ocorre, pois o sis­tema não o per­mite. Não se trata de se­parar o joio do trigo, os maus dos bons, o pro­blema re­side no cerne da po­lí­tica re­pre­sen­ta­tiva. Le­gisla-se em causa pró­pria ou em causa de uma pe­quena co­le­ti­vi­dade de in­te­resses, in­vertem-se as prer­ro­ga­tivas que de­ve­riam de­fender por aquelas dos in­ves­ti­dores ou de grupos es­pe­cí­ficos. O in­te­resse pú­blico sub­merge sob o peso dos in­te­resses pri­vados. 

A de­mo­cracia re­pre­sen­ta­tiva falha em seu ob­je­tivo pri­mor­dial, afas­tando go­ver­nados e go­ver­nantes e cri­ando, como con­sequência, uma casta de czares que tudo pode e, em nome do povo, exerce a po­lí­tica do cli­en­te­lismo e dos in­te­resses par­ti­cu­lares que a eter­niza no poder. 

O su­frágio uni­versal para a es­colha dos go­ver­nantes e re­pre­sen­tantes nos par­la­mentos é, sem dú­vida, uma con­quista fun­da­mental. No en­tanto, são claras as de­mons­tra­ções de que ele é in­su­fi­ci­ente para coibir os abusos de poder e, prin­ci­pal­mente, a uti­li­zação dos re­cursos pú­blicos em favor de mi­no­rias pri­vi­le­gi­adas sem con­sulta ao con­junto da po­pu­lação nem a adoção de cri­té­rios de trans­pa­rência nos pro­cessos de­ci­só­rios.  

Se a de­mo­cracia re­pre­sen­ta­tiva está des­mo­ro­nando sob seus pi­lares car­co­midos, para onde ca­mi­nha­remos?


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