Palavra do Editor
Publicado em 12/02/2016 12:00 -
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Nesta semana, a pressão dos Conselhos de Medicina Veterinária contra veterinários que doam parte de seu tempo para realizar atendimentos gratuitos para animais abandonados ou em posse de pessoas com baixo poder aquisitivo – que não podem arcar com os valores usualmente extorsivos dos pet shops e clínicas – ganhou a mídia nacional.
Os casos dos veterinários Ricardo Camargo, de São Carlos (SP), e André Luis da Fonseca, de Campo Grande (MS), são emblemáticos, e expõem a força da lógica do mercado sobre os princípios éticos. Camargo atendia cerca de 30 animais de graça a cada sábado. Fonseca atendia animais de rua encaminhados por uma ONG da capital sul-mato-grossense.
Para os Conselhos de Veterinária, no entanto, trabalho beneficente infringe o Código de Ética da profissão. O manual proíbe a prestação gratuita de serviços ou abaixo dos preços de mercado, exceto em casos de pesquisa, ensino ou utilidade pública. Para se enquadrar na última categoria, o profissional precisa estar vinculado a uma ONG ou sociedade civil.
Não é necessário pensar muito para concluir que tanto Camargo quanto Fonseca praticavam serviço de utilidade pública. Afinal, como podemos classificar uma ação no intuito de mitigar a dor de animais carentes e o sofrimento de seus tutores, impossibilitados de pagar por uma consulta?
Via de regra a perseguição aos veterinários que ousam desafiar a lógica perversa do mercado começa com os próprios colegas, sob a acusação de concorrência desleal. É aquela coisa: o sofrimento alheio (de animais e seres humanos) vale menos que dinheiro no bolso.
Dizer que atendimentos sociais, como os praticados por estes profissionais, influencia na saúde financeira de pets e clínicas é de uma desonestidade tremenda. Afinal, estas pessoas não teriam condições de contribuir com estes negócios. São pobres, remediadas.
Até que ponto a lógica do mercado deve prevalecer sobre a ética? Há quem diga que de forma alguma isso deve acontecer. Há quem justifique elencando pragmaticamente que vivemos em uma sociedade capitalista. No entanto, é necessária uma reflexão sobre a possibilidade de um “lucro ético” que nos possibilite escapar da maldição de Friedman que condena a atividade empresarial ao egoísmo ao afirmar que a única responsabilidade social dos negócios é aumentar o lucro da empresa.
O lucro é frequentemente associado à ganância, avareza, usura e outros vícios. Mas não todo e qualquer lucro. Afinal, o fato da atividade empresarial ser rentável não é imoral. A obtenção de lucro pode não ser um ato virtuoso, mas também não precisa ser necessariamente um vício.
Imoral é se valer de artifícios para impedir toda e qualquer ação filantropa.
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