Palavra do Editor
Publicado em 19/12/2014 12:00 -
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Os EUA restaurarão relações diplomáticas completas com Cuba e abrirão sua embaixada em Havana pela primeira vez em mais de meio século. A retomada das relações, rompidas em 1961, marca a mudança mais significativa da política americana em relação à ilha em décadas.
Em um acordo negociado durante 18 meses sob a batuta canadense e encorajada pelo papa Francisco, que abrigou um encontro final no Vaticano, o presidente dos EUA, Barack Obama, e o ditador, Raúl Castro, de Cuba, concordaram em um telefonema em pôr de lado décadas de hostilidade para encontrar uma nova relação entre os dois países.
Apesar disso, o embargo econômico – que completou 52 anos em fevereiro passado – ainda continua em vigor. Obama indicou que gostaria que o Congresso amenizasse ou o levantasse se os legisladores optassem por isso. Será preciso aguardar.
Se a intenção norte-americana é encorajar a democracia em Cuba, o embargo deve ser levantado imediatamente. Ineficaz para combater as tendências totalitárias da revolução, a medida fez apenas uma vítima: o povo cubano.
Se a intenção norte-americana é encorajar a democracia em Cuba, o embargo deve ser levantado imediatamente. Ineficaz para combater as tendências totalitárias da revolução, a medida fez apenas uma vítima: o povo cubano.
Além disso, ele é a principal arma argumentativa do governo de Cuba para justificar o fracasso causado por de 50 anos dependência econômica – primeiro diante da antiga União Soviética e, posteriormente, de estados populistas e refratários aos Estados Unidos. Sem o embargo, o governo dos Castro terá que encontrar outra explicação para a inércia econômica cubana.
Em 2012 estive em Cuba. Fui a passeio. No entanto, nos sete dias em que passei na ilha, conversei com gente de todo o tipo. Garçons, músicos, camareiras, taxistas, vendedores, professores, médicos, engenheiros. O resultado desta viagem traduziu-se em dez artigos publicados na revista digital Semana Online naquele ano (que reproduzimos aqui na Semana On como um documento diante dos novos paradigmas que o país viverá com a distensão do relacionamento com os Estados Unidos).
A questão do embargo, e sua utilização política, foi um dos pontos mais interessantes nesta experiência. De fato, o embargo é muito prejudicial à economia da ilha. Segundo Havana, até 2010 as perdas relacionadas a ele superavam os US$ 104 bilhões, mais que o triplo do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Só na exportação de açúcar e tabaco (charutos) para os EUA desde 1962 o país deixou de ganhar US 116,9 milhões. US$ 264,64 milhões é o cálculo do prejuízo advindo da proibição do turismo americano. Além disso, calcula-se entre US$ 216 milhões a US$ 416 milhões por ano o aumento estimado na receita de exportações americanas se o país pudesse comercializar livremente com Cuba.
No entanto o embargo – e suas consequências nefastas para o povo cubano – não é o único vilão nesta história. Cinquenta anos de centralização econômica e de destruição do poder de iniciativa dos cubanos é o grande entrave ao desenvolvimento do país.
No entanto o embargo – e suas consequências nefastas para o povo cubano – não é o único vilão nesta história. Cinquenta anos de centralização econômica e de destruição do poder de iniciativa dos cubanos é o grande entrave ao desenvolvimento do país.
O regime, a quem a iniciativa pretendia atingir, aprendeu usar a arma do inimigo. O feitiço contra o feiticeiro. O economista e dissidente cubano Oscar Espinosa Chepe explica: “O embargo serviu como álibi, justificativa, para o desastre nacional, que não é produto do embargo, e sim da má condução da economia. Não há justificativa para sua manutenção. O embargo era para causar dano ao regime, mas beneficiou o totalitarismo em Cuba”, afirma.
Seus malefícios serviram, ainda, para uma estratégia maquiavélica do totalitarismo cubano que vende a ideia de que os dissidentes que lutam por liberdade de expressão – entre outras “ninharias pequeno-burguesas” – apoiam a ação dos Estados Unidos. Para a blogueira dissidente Yoani Sánchez, o assunto tem sido manipulado à exaustão pela imprensa estatal.
“O prolongamento por cinco décadas do bloqueio tem permitido que cada descalabro que temos padecido seja explicado a partir dele, justificado com seus efeitos. O cerco econômico tem contribuído para alimentar a ideia de praça sitiada, onde dissentir equipara-se a um ato de traição. O bloqueio externo fortaleceu desse modo, o bloqueio interno. O governo não reconhece, sequer, que entre os que discordam do sistema muitos se opõem, também, as restrições comerciais dos Estados Unidos à Ilha. No Granma se dá por certo que os que exigem uma abertura política aplaudem ipso facto a existência do embargo”, afirma.
Esta estratégia totalitária encontrou eco no Brasil, em especial entre os socialistas autoritários que elegeram Cuba como o sétimo céu de uma ideologia que só prospera pela força. Uma síntese deste pensamento amedrontador pode ser visto nas palavras do sociólogo Emir Sader, em artigo publicado na revista Carta Capital.
Diz ele: “Aqueles que se preocupam com o sistema politico interno de Cuba, tem que olhar não para Havana, mas para Washington. Ninguém pode pedir a Cuba relaxar seus mecanismos de segurança interna, sendo vítima do bloqueio e das agressões da mais violenta potência imperial da história da humanidade. A pressão tem que se voltar e se concentrar sobre o governo dos EUA, para o fim do bloqueio, a retirada da base naval de Guantanamo do território cubano e a normalização da relação entre os dois países”.
Ou seja: a agressão econômica estadunidense justifica o totalitarismo cubano sobre seu próprio povo…
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