19/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

O embargo como justificativa

Publicado em 19/12/2014 12:00 -

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Os EUA restaurarão relações diplomáticas completas com Cuba e abrirão sua embaixada em Havana pela primeira vez em mais de meio século. A retomada das relações, rompidas em 1961, marca a mudança mais significativa da política americana em relação à ilha em décadas.

Em um acordo negociado durante 18 meses sob a batuta canadense e encorajada pelo papa Francisco, que abrigou um encontro final no Vaticano, o presidente dos EUA, Barack Obama, e o ditador, Raúl Castro, de Cuba, concordaram em um telefonema em pôr de lado décadas de hostilidade para encontrar uma nova relação entre os dois países.

Apesar disso, o embargo econômico – que completou 52 anos em fevereiro passado – ainda continua em vigor. Obama indicou que gostaria que o Congresso amenizasse ou o levantasse se os legisladores optassem por isso. Será preciso aguardar.

Se a intenção norte-americana é encorajar a democracia em Cuba, o embargo deve ser levantado imediatamente. Ineficaz para combater as tendências totalitárias da revolução, a medida fez apenas uma vítima: o povo cubano.

Se a intenção norte-americana é encorajar a democracia em Cuba, o embargo deve ser levantado imediatamente. Ineficaz para combater as tendências totalitárias da revolução, a medida fez apenas uma vítima: o povo cubano.

Além disso, ele é a principal arma argumentativa do governo de Cuba para justificar o fracasso causado por de 50 anos dependência econômica – primeiro diante da antiga União Soviética e, posteriormente, de estados populistas e refratários aos Estados Unidos. Sem o embargo, o governo dos Castro terá que encontrar outra explicação para a inércia econômica cubana.

Em 2012 estive em Cuba. Fui a passeio. No entanto, nos sete dias em que passei na ilha, conversei com gente de todo o tipo. Garçons, músicos, camareiras, taxistas, vendedores, professores, médicos, engenheiros. O resultado desta viagem traduziu-se em dez artigos publicados na revista digital Semana Online naquele ano (que reproduzimos aqui na Semana On como um documento diante dos novos paradigmas que o país viverá com a distensão do relacionamento com os Estados Unidos).

A questão do embargo, e sua utilização política, foi um dos pontos mais interessantes nesta experiência. De fato, o em­bargo é muito pre­ju­di­cial à eco­nomia da ilha. Se­gundo Ha­vana, até 2010 as perdas re­la­ci­o­nadas a ele su­pe­ravam os US$ 104 bi­lhões, mais que o triplo do Pro­duto In­terno Bruto (PIB) do país.

Só na ex­por­tação de açúcar e ta­baco (cha­rutos) para os EUA desde 1962 o país deixou de ga­nhar US 116,9 mi­lhões. US$ 264,64 mi­lhões é o cál­culo do pre­juízo ad­vindo da proi­bição do tu­rismo ame­ri­cano. Além disso, cal­cula-se entre US$ 216 mi­lhões a US$ 416 mi­lhões por ano o au­mento es­ti­mado na re­ceita de ex­por­ta­ções ame­ri­canas se o país pu­desse co­mer­ci­a­lizar li­vre­mente com Cuba.

No en­tanto o em­bargo – e suas con­sequên­cias ne­fastas para o povo cu­bano – não é o único vilão nesta his­tória. Cin­quenta anos de cen­tra­li­zação econô­mica e de des­truição do poder de ini­ci­a­tiva dos cu­banos é o grande en­trave ao de­sen­vol­vi­mento do país.

No en­tanto o em­bargo – e suas con­sequên­cias ne­fastas para o povo cu­bano – não é o único vilão nesta his­tória. Cin­quenta anos de cen­tra­li­zação econô­mica e de des­truição do poder de ini­ci­a­tiva dos cu­banos é o grande en­trave ao de­sen­vol­vi­mento do país.

O re­gime, a quem a ini­ci­a­tiva pre­tendia atingir, aprendeu usar a arma do ini­migo. O fei­tiço contra o fei­ti­ceiro. O eco­no­mista e dis­si­dente cu­bano Oscar Es­pi­nosa Chepe ex­plica: “O em­bargo serviu como álibi, jus­ti­fi­ca­tiva, para o de­sastre na­ci­onal, que não é pro­duto do em­bargo, e sim da má con­dução da eco­nomia. Não  há jus­ti­fi­ca­tiva para sua ma­nu­tenção. O em­bargo era para causar dano ao re­gime, mas be­ne­fi­ciou o to­ta­li­ta­rismo em Cuba”, afirma.

Seus ma­le­fí­cios serviram, ainda, para uma es­tra­tégia ma­qui­a­vé­lica do to­ta­li­ta­rismo cu­bano que vende a ideia de que os dis­si­dentes que lutam por li­ber­dade de ex­pressão – entre ou­tras “ni­nha­rias pe­queno-bur­guesas” – apoiam a ação dos Es­tados Unidos. Para a blo­gueira dis­si­dente Yoani Sán­chez, o as­sunto tem sido ma­ni­pu­lado à exaustão pela im­prensa es­tatal.

“O pro­lon­ga­mento por cinco dé­cadas do blo­queio tem per­mi­tido que cada des­ca­labro que temos pa­de­cido seja ex­pli­cado a partir dele, jus­ti­fi­cado com seus efeitos. O cerco econô­mico tem con­tri­buído para ali­mentar a ideia de praça si­tiada, onde dis­sentir equi­para-se a um ato de traição. O blo­queio ex­terno for­ta­leceu desse modo, o blo­queio in­terno. O go­verno não re­co­nhece, se­quer, que entre os que dis­cordam do sis­tema muitos se opõem, também, as res­tri­ções co­mer­ciais dos Es­tados Unidos à Ilha. No Granma se dá por certo que os que exigem uma aber­tura po­lí­tica aplaudem ipso facto a exis­tência do em­bargo”, afirma.

Esta es­tra­tégia to­ta­li­tária en­controu eco no Brasil, em es­pe­cial entre os so­ci­a­listas au­to­ri­tá­rios que ele­geram Cuba como o sé­timo céu de uma ide­o­logia que só pros­pera pela força. Uma sín­tese deste pen­sa­mento ame­dron­tador pode ser visto nas pa­la­vras do so­ció­logo Emir Sader, em  ar­tigo pu­bli­cado na re­vista Carta Ca­pital.

Diz ele: “Aqueles que se pre­o­cupam com o sis­tema po­li­tico in­terno de Cuba, tem que olhar não para Ha­vana, mas para Washington. Nin­guém pode pedir a Cuba re­laxar seus me­ca­nismos de se­gu­rança in­terna, sendo ví­tima do blo­queio e das agres­sões da mais vi­o­lenta po­tência im­pe­rial da his­tória da hu­ma­ni­dade. A pressão tem que se voltar e se con­cen­trar sobre o go­verno dos EUA, para o fim do blo­queio, a re­ti­rada da base naval de Guan­ta­namo do ter­ri­tório cu­bano e a nor­ma­li­zação da re­lação entre os dois países”.

Ou seja: a agressão econômica es­ta­du­ni­dense jus­ti­fica o to­ta­li­ta­rismo cubano sobre seu próprio povo…


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