19/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

Nosso empedernido coração esquerdista

Publicado em 07/10/2015 12:00 -

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A notícia não é nova para os padrões do Jornalismo que se pratica hoje, mas sem dúvidas ainda merece uma reflexão. Especialmente por nós – sim, me incluo nesta turma – que nos posicionamos à esquerda do arco ideológico e que, por isso, ao menos em teoria, deveríamos defender com unhas e dentes a isonomia da vida humana.

Refiro-me a morte de Regina Murmura, uma senhora de 70 anos, metralhada, ao lado do esposo, por traficantes, ao ir parar na favela do Caramujo, em Niterói, região metropolitana do Rio, após um equívoco na programação do GPS de seu automóvel.

Desnecessário dizer que a vida e a dignidade das pessoas não se medem por estrato social, gênero, religião, raça, o que seja. Por isso, me sentiria extremamente feliz em ver meus companheiros de esquerda – oriundos de qualquer tendência político-ideológica que aí se enquadre – se manifestarem em casos como este, que envolvem violência física, cerceamento do direito de ir e vir e, diria até certo preconceito de classe as avessas.

Este silêncio que sufoca a maior parte da esquerda é tão ruim quanto o silêncio imposto pelo totalitarismo de direita diante da violência contra as populações menos privilegiadas e das minorias.

Adoraria que vocês se manifestassem com a mesma força com a qual se manifestaram (com toda a razão, diga-se) diante da política higienista do governo carioca, dos massacres nas periferias brasileiras, dos muitos preconceitos que nos cercam, do flagelo da politização religiosa.

Este silêncio que sufoca a maior parte dos “companheiros” – há honrosas exceções – é tão ruim quanto o silêncio imposto pelo totalitarismo de direita diante da violência contra as populações menos privilegiadas e das minorias.

Este silêncio, calcado na frieza da teoria, legitimado pela burrice ideológica que cega e desnorteia, é a âncora que continua arrastando para o abismo o pensamento da esquerda contemporânea, tão rancorosa em suas máximas, tão excludente em suas práticas.

A vida de Regina Murmura valia tanto quanto qualquer outra. Simples assim. O quão difícil é para esta esquerda paquidérmica lamentar uma morte que não seja carimbada com o selo ideológico que separa as pessoas entre aquelas sobre quem se pode lamentar e aquelas a quem não se deve?

Terminei de ler estes dias a fabulosa tradução do Paulo Bezerra para Os Demônios, de Dostoiévski. A coisificação promovida pela esquerda engessada diante do “outro” – e aí me refiro a todos os que não se encaixam em seus esquemas, sem os quais o entendimento do mundo se lhes torna impossível – me lembra certo contexto da obra, aquele que justifica todos os meios – por mais sujos que eles sejam – por um fim almejado, seja ele a simples realização pessoal ou a "construção da sociedade do futuro".

Daí para o embrutecimento da alma é um pulo.


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