19/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

Indignação não pode ser seletiva

Publicado em 14/04/2016 12:00 -

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A Câmara dos Deputados aprovou na noite de domingo (17) a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT). Em nome de Deus e da família, a maioria dos deputados alegou estar dando voz ao clamor das ruas e à luta contra a corrupção.

Ocorre que os mesmos que elencaram a ética na coisa pública e a necessidade de depurar a política brasileira como argumentos para o processo contra a presidente estão sob as lupas da Justiça. Mais da metade dos parlamentares da comissão do impeachment – 36 dos 65 indicados pelos partidos – possuem pendências com a Justiça no País, segundo levantamento da Agência Lupa, com base em dados do projeto Excelências, da Transparência Brasil. Juntos, eles somam 155 registros na Justiça e em tribunais de contas Brasil afora.

E não para por aí. Pesquisa do Congresso em Foco – feita em agosto passado – mostrou que 130 dos pouco mais de 500 deputados federais respondiam a inquéritos ou ações penais no Supremo Tribunal Federal (STF). Isso significa que cerca de 26% dos deputados são suspeitos de participação em crimes. No Senado, o índice já se aproxima de 40%.

Dos mais de 500 congressistas acusados de atos criminosos desde a promulgação da Constituição de 1988, somente 16 foram condenados e apenas oito chegaram a cumprir a pena. Em muitos casos, os processos simplesmente prescreveram sem que os ministros do STF tivessem julgado o comportamento dos réus.

São estes os “nobres” que, bochechas infladas, bradaram contra a corrupção no domingo passado.

No caso de confirmação do afastamento de Dilma no Senado, a linha sucessória será formada pelo vice-presidente, Michel Temer, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, todos do PMDB.

Michel Temer foi citado nos desdobramentos da operação Lava Jato. Na delação premiada que firmou com o Ministério Público Federal (MPF), o senador Delcídio Amaral (sem partido-MS) afirmou que o peemedebista articulou a indicação de Jorge Zelada para o cargo de diretor da área internacional da Petrobras e de João Augusto Henriques para a BR Distribuidora. Em agosto do ano passado, Temer também foi citado pelo lobista Júlio Camargo, segundo quem o lobista Fernando Soares era conhecido por representar o PMDB, o que incluiria Cunha, Calheiros e Temer. Além disso, segundo indícios reunidos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Temer teria recebido R$ 5 milhões do dono da construtora OAS, José Adelmário Pinheiro, conhecido como Leo Pinheiro, um dos empreiteiros condenados pelo escândalo da Petrobras.

O Brasil não pode dar espaço a gângsters. O que se espera agora é que os milhões de brasileiros que foram às ruas contra a corrupção não voltem para suas casas. Que eles permaneçam nas ruas para exigir dos poderes estabelecidos punição rigorosa para todos os corruptos, além de uma ampla reforma política.

Cunha (PMDB-RJ) é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro no esquema de corrupção na Petrobras. De acordo com as investigações, ele teria recebido propinas para viabilizar obras na estatal e mantido contas não declaradas no exterior. Cunha é réu no STF. Foi a primeira ação aberta pela corte na operação Lava Jato. A acusação principal é de que ele teria recebido US$ 5 milhões em propina de contratos de navios-sonda da Petrobras. Na Câmara, o peemedebista enfrenta uma representação apresentada pelo PSOL e pela Rede por quebra de decoro parlamentar. Os partidos acusam Cunha de ter mentido à CPI da Petrobras quando, em março do ano passado, afirmou não ter contas no exterior. Documentos do Ministério Público da Suíça apontaram, no entanto, a existência de contas ligadas a ele naquele país.

Calheiros (PMDB-AL), também está citado nas investigações da Lava Jato. A Procuradoria-Geral da República pediu ao STF a abertura do sétimo inquérito para investigá-lo. A Procuradoria quer saber se o senador cometeu crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em razão de suspeitas apontadas pelo delator Carlos Alexandre de Souza Rocha, o Ceará. Para o órgão, há suspeita de repasse, "de forma oculta e disfarçada, de vantagem pecuniária indevida ao parlamentar". O senador também é alvo de outros seis inquéritos na Lava Jato e de uma denúncia envolvendo uma ex-amante. Ele é suspeito de peculato (desvio de dinheiro público), uso de documento falso e falsidade ideológica por supostamente ter apresentado notas fiscais falsas para comprovar ter renda suficiente para pagar as despesas de uma filha que teve fora do casamento. As suspeitas são de que esses valores teriam sido pagos, na verdade, por uma empreiteira.

No rastro do impeachment, o Brasil cairá nas mãos destas pessoas. Gente muito suspeita.

As ruas parecem estar de olho nesta turma.  A rejeição a Temer une os movimentos favoráveis e contrários ao impeachment, segundo pesquisa do Datafolha. O instituto entrevistou manifestantes que participaram de atos contra e a favor do governo Dilma Rousseff neste domingo (17), em São Paulo. Na avenida Paulista, onde foi promovido um protesto pela queda de Dilma, 54% dos entrevistados disseram ser favoráveis ao impeachment de Temer.

A expectativa quanto a um eventual governo Temer também não é positiva: a maioria dos manifestantes da Paulista (68%) acredita que a gestão dele será regular ou ruim/péssima. Segundo estimativa do instituto, estiveram na avenida 250 mil pessoas. A avaliação de Temer é ainda pior entre os manifestantes que estiveram no Vale do Anhangabaú (centro de São Paulo), onde foi realizado um ato contrário ao impeachment de Dilma, também neste domingo, com público estimado em 42 mil. Entre esses manifestantes, 79% defendem que Temer também seja afastado e 88% entendem que o governo dele será ruim ou péssimo.

Outro fator que une os manifestantes é a cassação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na mobilização pró-Dilma, 94% disseram ser favoráveis ao afastamento do deputado federal, que conduziu o processo de impeachment até agora. Na avenida Paulista, o índice foi parecido: 87% declararam apoio ao afastamento do congressista, que é réu no Supremo Tribunal Federal.

Apesar destes números, é preciso cuidado. O Brasil não pode dar espaço a estes gângsters. O que se espera agora é que os milhões de brasileiros que foram às ruas contra a corrupção não voltem para suas casas. Que eles permaneçam nas ruas para exigir dos poderes estabelecidos punição rigorosa para todos os corruptos, além de uma ampla reforma política. É preciso manter a mobilização que levou à votação do pedido de impeachment em pleno domingo. Caso contrário continuaremos a ser o país do jeitinho, do quebra galho, do conchavo e dos acordos de conveniência.


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