19/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

Com lama até o nariz

Publicado em 23/10/2014 12:00 -

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Vivemos em um país onde imperam as mistificações, especialmente no campo político. A política partidária que aqui se pratica é um chiqueiro. Um fosso fétido de onde as poucas flores que surgem estão fadadas, cedo ou tarde, a exalar o mesmo odor nauseabundo que emana do terreno das quais emergiram. Um país em que os partidos políticos são incapazes de reconhecer no antagonista uma nesga de boa fé. O outro é o rebotalho moral, enquanto todos os adjetivos não são suficientes para se autocondecorar. Como torcidas, imbuídas de paixão – que apesar de necessária para as coisas da vida, tende, em seu exagero, a cegar a razão – as militâncias se digladiam em uma disputa ridícula que nas redes sociais encontrou terreno ideal. Minha verdade é absoluta, a sua é digna de escárnio.

Na política partidária que se pratica no Brasil não há espaço para o contraditório, para o salutar confronto de ideias cujo objetivo é algo maior e melhor. Se a solução não tiver a minha coloração partidária, então não é solução. Se o problema existe, ele não é meu, mas herança maldita deste ou daquele adversário. E assim vamos navegando rumo à próxima eleição, e à próxima, e à próxima e, novamente, outra, certos de que vivemos em uma democracia consolidada.

Não há democracia possível quando transformamos a política em uma disputa de egos e interesses. Quando definimos o voto de acordo com nossas expectativas pessoais, seja pelo efeito de um rostinho bonito, um tapinha nas costas, uma fé ideológica que não admite contraponto, um emprego ou um contrato de milhões. Não há democracia se o eleitor é obrigado a votar, transformando-se em rebanho para os espertalhões. Não há democracia que sobreviva aos políticos profissionais, que se eternizam no poder. Não se concebe uma democracia onde o cidadão, senhor soberano da coisa pública, não controle as ações daqueles que o representa.

Na política partidária que se pratica no Brasil não há espaço para o contraditório, para o salutar confronto de ideias cujo objetivo é algo maior e melhor. Se a solução não tiver a minha coloração partidária, então não é solução. Se o problema existe, ele não é meu.

E então, nos satisfazemos escolhendo o “menos pior” entre as opções que se colocam. Achamos justificativas as mais variadas para atenuar nossa própria incapacidade de gerir nossos destinos. Apontamos o dedo para Aécio Neves e dizemos que é a mudança que veio para moralizar o Brasil, a solução para os desmandos do PT, para a corrupção desenfreada, a resposta contra o messianismo e a demagogia personalista. Acenamos para Dilma Roussef com a certeza de que é ela a herdeira de uma política social que tornou o país mais justo, que resgatou milhões da miséria, que ergue, corajosa, o escudo da esquerda humanista contra o descalabro fascista do neoliberalismo.

Este é um discurso para neófitos, deslumbrados e mal intencionados. Não sejamos estúpidos. Não há mocinhos ou bandidos na política partidária brasileira. Estamos todos com merda até o pescoço, atolados nesta fossa moral. As acusações que petistas, tucanos e tutti quanti fazem um contra o outro se encaixam perfeitamente em suas próprias cabeças coroadas. O sujo falando do maltrapilho. Nenhuma das agremiações políticas que hoje se apresentam como opções para o Brasil tem envergadura moral para disparar a mais ínfima acusação contra seus opositores. Seus rabos estão presos nas mesmas portas.

Portanto, meu voto neste segundo turno será nulo. Não entregarei a minha autorização pessoal para que nenhum destes partidos fale por mim e continue tratando o Brasil como uma fábula que nunca rompe o véu da realidade. Eles não me representam. O que oferecem é muito pouco. Ademais, política não se resume a política partidária. Fazemos política diariamente ao nos posicionarmos sobre os temas que dizem respeito as nossas vidas, ao não nos eximirmos de emitir nossas opiniões por medo de desagradar amigos, chefes, amantes.

Assim, aviso em alto e bom tom. O PT não me representa. O PSDB muito menos. No atual cenário, não há partido que mereça meu voto. Aos que, por inocência, má fé ou idiotismo, confundem a opção pelo voto nulo com submissão: leitura e beijinho no ombro.


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