19/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

Bandido bom é bandido morto?

Publicado em 19/10/2015 12:00 -

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A busca por páginas sob o tema “bandido bom é bandido morto” no Facebook revela 20 endereços. O mais popular está chegando as 16 mil curtidas. No Instagram, o perfil "Anjos Guardiões", com pelo menos 39 mil seguidores, ostenta fotos de operações policiais, crianças fardadas e detidos com rostos feridos e inchados (há 19 páginas do tipo no Instagram, que somam quase 305 mil seguidores).

Nestes espaços, a apologia à violência policial é a regra. Ali proliferam imagens de jovens detidos com as costas açoitadas, vídeos mostrando policiais raspando à faca tatuagens de palhaço (o símbolo é associado ao assassinato de policiais) – um vídeo mostra um detido sendo obrigado a raspar o desenho com lixa e álcool, sob pena de tomar um tiro no pé, em outro um suspeito tem a marca retirada das costas a faca. Pipocam também nestes espaços fotos de policiais ostentando armas, frases de efeito defendendo o extermínio de bandidos, etc.

O fenômeno é fruto do desenvolvimento da violência urbana a limites intoleráveis. O resultado é a legitimação da violência oficial, que contribui para gerar ainda mais brutalidade.

Antes que o leitor imagine que estou defendendo o bandido, me pergunte se estou com pena e me sugira “levá-lo para casa”, aviso que a questão está longe disso. Não me arrepio diante da diminuição da maioridade penal para crimes como latrocínio, estupro, sequestro, tortura e quetais. Sou favorável a penas mais duras para os mesmos tipos de casos – e também para a corrupção. Não se trata, portanto, de “proteger” o bandido, mas de defender a cidadania.

Quando a população justifica o comportamento policial que viola a lei, está dizendo que na prática o que vale não é a lei, mas uma vontade particular que se sobrepõe a ela. Quando se escolhe se a lei se aplica ou não, o que vale não é mais a lei, mas a vontade de quem decide.

Via de regra, este debate coloca em um campo os defensores de uma política de extermínio oficializada contra um multiculturalismo que abraça o criminoso. Ambas as frentes se equivocam. A relativização da violência urbana, que leva parte da esquerda a justificar o crime praticado por setores desprivilegiados como resultado das desigualdades sociais é adubo do bom para o pensamento totalitário que sustenta os excessos da polícia brasileira.

Aliás, nenhuma polícia de país civilizado mata mais que a nossa. Policiais civis e militares mataram no ano passado ao menos 3.022 pessoas no país, uma média de oito por dia. Essas mortes representam crescimento de 37% em relação a 2013, puxado principalmente pelo avanço da letalidade em SP (57,2%) e Rio (40,4%).

Este debate enviesado reproduz um discurso primário, do bem contra o mal, que permite aos policiais se comportarem totalmente à margem da lei. Punir exemplarmente o criminoso pode não resolver o problema de fundo que está em sua gênese, mas dá um sinal de que a sociedade não vai tolerar que seus membros sejam agredidos. No entanto, quando esta punição se dá à revelia da Justiça, ela se junta aos mesmos índices de criminalidade que pretende combater. Não há diferença entre o bandido que sequestra, estupra, mata, tortura e o policial que faz o mesmo ao arrepio da lei.

Quando a população chancela que o policial pode matar ao seu capricho, está dizendo que basicamente ele pode tudo, já que o homicídio é uma das principais violações da lei. Quando a população não se interessa em investigar o homicídio policial, está dando uma carta branca a um agente público em completa discrepância com a Constituição e as leis. Quando a população justifica o comportamento policial que viola a lei, está dizendo que na prática o que vale não é a lei, mas uma vontade particular que se sobrepõe a ela. Quando se escolhe se a lei se aplica ou não, o que vale não é mais a lei, mas a vontade de quem decide.

Não há Estado de Direito que sobreviva a isso.


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