19/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

Amor é o principal remédio

Publicado em 04/04/2014 12:00 -

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Em 1988, durante o XII Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação (Enecom), realizado em Vitória (ES), presenciei uma cena que me acompanhou durante boa parte da vida e que moldou algumas convicções que ainda sustento sobre a condição humana. Paralelo ao congresso de comunicação, estudantes de várias áreas da saúde realizavam, também, um encontro no campus da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Dividíamos com eles a boia no restaurante universitário em uma confraternização típica de quem iniciava a vida acadêmica e ainda colocava no movimento estudantil as fichas para uma aposta arriscada em utopias e sonhos. Certo dia, caminhávamos rumo à fila do bandejão quando, de dentro do galpão onde o almoço era servido, uma balbúrdia alegre abafou as palavras de ordem e as rodinhas de violão que se faziam ouvir por todos os cantos.

Quando me aproximei pude perceber a origem da gritaria. Um rapaz, deficiente mental que rondava o “acampamento” estudantil nos últimos dias, havia sido enfeitado por um grupo de estudantes com uma coroa de papelão. Haviam usado uma bandeira do Brasil para improvisar um manto e o conduziam entre as mesas como um bobo da corte. A cena, chocante, fez com que eu e mais alguns valentões intervíssemos, retirando o rapaz do galpão. Voltamos e confrontamos os engraçadinhos, descobrindo que se tratavam de estudantes da área da saúde. Foi o que bastou.

Haviam usado uma bandeira do Brasil para improvisar um manto e o conduziam entre as mesas como um bobo da corte.

Na troca de gentilezas, perguntamos a eles que tipo de profissionais de saúde eles pretendiam ser se nem ao menos eram capazes de respeitar um ser humano em condições de inferioridade no que se refere a simples capacidade de se defender do ridículo a que era submetido. Os mais exaltados do lado de lá foram saindo de fininho, envergonhados.

Pouco mais de 20 anos depois, já vivendo em Campo Grande (MS), me deparei novamente com o descaso que corrói a saúde e, ao mesmo tempo, com o carinho e a dedicação que podem mitigar todos os problemas estruturais e oferecer ao cidadão o mínimo que ele espera quando busca a ajuda de um profissional da área.

Minha esposa, de um momento para outro, notou que sua fala enrolava, as palavras saíam confusas. Era noite de uma sexta-feira, véspera de feriado. Imediatamente corremos à Santa Casa em busca de um neurologista. Fomos atendidos por um médico seco, de poucas palavras e paciência que, sem ao menos examiná-la, insistia se tratar de uma mera “dor de garganta”.

Fico me perguntando o que teria acontecido se, após a consulta com o médico na Santa Casa, tivéssemos ido para casa com uma receita de pastilhinha contra pigarro nas mãos. Não gosto de pensar nisso.

Minha esposa, ela também uma profissional da saúde, sabia plenamente que dor de garganta não era – em hipótese alguma – o diagnóstico adequado. No desespero, fomos parar às portas da clínica de um conhecido neurologista da capital. Eram 19h30 e ainda havia luz lá dentro. Tocamos o interfone e a secretária nos permitiu entrar. “Não, ele não pode atender emergência. Apenas com hora marcada. E só tem vaga para daqui dois meses”, disse.

Desesperamos, pedimos pelo amor de Deus, alegamos amigos em comum, fizemos o que qualquer um faz quando a saúde de um ente querido – ou a própria – encontra-se ameaçada. Fomos atendidos. Em um rápido exame, o diagnóstico apontava para uma meningite viral.

Por volta das 21h o médico, ligando pessoalmente para centros de diagnóstico, conseguiu que os exames necessários fossem feitos imediatamente. Minha esposa foi internada naquela mesma noite, passou uma semana num quarto de hospital e se recuperou totalmente.

Fico me perguntando o que teria acontecido se, após a consulta com o “médico” na Santa Casa, tivéssemos ido para casa com uma receita de pastilhinha contra pigarro nas mãos. Não gosto de pensar nisso. Minha vontade nos dias que se seguiram era de voltar ao hospital e espancar o dito cujo. Me controlei. Me pergunto o que teria ocorrido se não tivessemos tido a sorte de ser atendidos por um médico interessado, de fato, na saúde do paciente.

Conto estas histórias com o pensamento focado no Dia Mundial da Saúde, que se comemora no dia 7 de abril, e para lembrar a todos os profissionais de saúde que, apesar dos problemas, da má remuneração, do excesso de trabalho e do pouco reconhecimento, há uma coisa que só eles podem oferecer no exercício de sua profissão: amor ao próximo.


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