19/05/2024 - Edição 540

Palavra do Editor

A criminalização da opinião

Publicado em 18/03/2016 12:00 -

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Começo este artigo citando o professor Leandro Karnal, segundo quem “alguém não é brilhante porque concorda com você, ou é estúpido porque discorda”. Simplório, não é? Nem tanto. Esta simples afirmação esbarra na polarização política que está transformando o país em um campo de guerra. “Alguém disse algo que você não gostou? Pode ser que esteja dialogando com você. Você achou tudo perfeito? Pode ser, apenas pode ser, que você esteja falando sozinho tendo o outro como interlocutor simbólico…”, afirma Karnal, na tentativa de apontar a importância do contraditório para a existência do debate.

Lá no século XVII Francis Bacon apontava a dificuldade em dialogar com o outro ao afirmar que quase todas as pessoas não ouvem argumentos distintos ou não elaboram ideias fora dos seus limites, mas aceitam ou rejeitam a partir de premissas anteriores. Não é isso que está ocorrendo neste instante no Brasil? Ideias preconcebidas, reprodução de informações em a devida análise crítica, ouvidos lacrados ao contraponto.

A violência pode ser o resultado direto desta polarização entre atores que não se ouvem. Hoje, na política brasileira, o clima de hostilização é tão forte que qualquer militante e político de esquerda está passível de sofrer violência física ou moral. Até onde essa polarização pode chegar? Tenho todo o direito de vestir uma camisa vermelha e ir as ruas expressar minha convicção, quanto você tem de vestir verde amarelo e fazer o mesmo sem temer ser agredido por uma turba de fanáticos.

Tenho todo o direito de vestir uma camisa vermelha e ir as ruas expressar minha convicção, quanto você tem de vestir verde amarelo e fazer o mesmo sem temer ser agredido por uma turba de fanáticos.

“Até então o discurso era de ódio, agora é de violência. Há um abandono da palavra como recurso político, virou acerto de contas na rua”, diz o professor Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo. Preocupante.

Enfrentamento entre manifestantes, insultos racistas, generalizações burras. De um lado as cores nacionais apropriadas como símbolo de uma direita retrógrada, de outro, camisetas e bandeiras vermelhas são imediatamente ligadas ao PT e a corrupção (como se a corrupção fosse exclusividade de um partido ou político). Defende cotas para negros? Comunista! Apoia a meritocracia? Coxinha! Quer uma reforma agrária? Vermelho!  Critica o governo Dilma? Fascista! E por aí vai.

Não se trata de discordâncias políticas, o que é saudável em qualquer democracia. No Brasil, hoje, defende-se opiniões com a lógica da torcida organizada, da paixão isenta de razão. Aí, o nível desce tremendamente. Pessoas bradam com ódio, frases vazias de qualquer sentido.

Em meio aos reducionismos e maniqueísmos que regem estes dias, fico com a certeza de que um país menos corrupto é feito com participação, instrumentos democráticos de controle social e com espaços para que a sociedade interfira, dialogue, controle e apresente caminhos. Quanto mais democrático, mais participativo, e mais liberdade para expressar opiniões, maior a tendência de diminuir a corrupção. No entanto, este debate precisa ser feito dentro da civilidade. Quando os fins justificam os meios, quando passamos a tolerar a quebra dos paradigmas democráticos, o que sobra é o totalitarismo: a polarização política no Brasil ameaça o equilíbrio da democracia e desnivela o bom senso das pessoas.


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