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Palavra do Editor

A arte de transformar monstros em vítimas

Publicado em 27/11/2014 12:00 -

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Marcos Vinícius Monteiro Caixeta tinha 18 anos. No último dia 23 ele foi morto a tiros em uma estrada de terra próxima a Senador Canedo, na Região Metropolitana de Goiânia. Em meio a gracejos e piadinhas, alguns jovens percorrem em um carro uma estrada deserta avisando a vítima que sua hora havia chegado. Deparando-se com um local apropriado, todos saltam do carro e, entre gemidos e apelos, o jovem é alvejado diversas vezes, pisoteado, seu corpo achincalhado.

Os assassinos filmaram o crime, comemoraram a façanha, dispararam bravatas. O registro em vídeo, encontrado pela polícia no celular de um dos criminosos, um adolescente de 16 anos, é um retrato da desumanização que nos cerca.

O jovem apreendido assumiu o crime. Nada demais, para ele. Afinal, está pro­te­gido pelo Es­ta­tuto da Cri­ança e do Ado­les­cente (ECA). Fi­cará re­co­lhido por no má­ximo três anos na “uni­dade edu­ca­ci­onal”, po­dendo ser solto antes por bom com­por­ta­mento. Ele disse à polícia que Marcos foi seu terceiro homicídio.

O crime foi fruto das di­fe­renças so­ciais, da falta de opor­tu­ni­dade de jovens lan­çados no mundo da cri­mi­na­li­dade pelo de­ses­pero de uma vida sem ho­ri­zontes? Há quem ga­ranta que sim. Há, no en­tanto, quem in­sista em lem­brar que ín­dole não tem classe so­cial. Toda vez que um fa­cí­nora mata um ino­cente a sangue frio, uma pá de cal é lan­çada sobre as te­o­rias que in­sistem trans­formar mons­tros em ví­timas.

Há quem defenda a ideia de que juventude e pobreza são passes livres para a barbárie. Não são.

Há quem diga que de­fender a re­dução da mai­o­ri­dade penal para 16 anos é ca­mi­nhar na con­tramão da mai­oria das na­ções. Há quem defenestre qualquer defesa, por mais tímida, da pena de morte para casos de crimes hediondos. Os argumentos são os de sempre, resvalam em uma concepção de mundo rousseauniana que idolatra o mito do bom selvagem e exime o ser humano de responsabilidades, especialmente os mais jovens e os menos favorecidos economicamente, como se juventude e pobreza fossem passes livres para a barbárie. Não são.

É exa­ta­mente neste ponto que re­side o es­gar­ça­mento da trama que diz res­peito à pu­nição de crimes bár­baros como a exe­cução do jovem Marcos e de outros milhares de vítimas que anualmente são massacradas pela violência, e cujas famílias são torturadas eternamente pela impunidade. É que para boa parte da po­pu­lação, a questão não está mais vin­cu­lada a “res­so­ci­a­li­zação” deste tipo de cri­mi­noso. Não se trata mais de en­con­trar so­lu­ções que apa­zi­guem nossa culpa di­ante das ma­zelas so­ciais. Trata-se, isso sim, de ex­cluir os mons­tros, até para que estes não con­ta­minem os que podem ser re­cu­pe­rados.

Lugar de monstro é na ficção. Na nossa re­a­li­dade eles pre­cisam ser eli­mi­nados do con­vívio so­cial.

O vídeo do assassinato do jovem Marcos Vinícius Monteiro Caixeta a seguir é violento, perturbador, apavorante. No entanto é preciso encará-lo com a mesma frieza dos assassinos para observarmos de perto o abismo que nos encara.


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