Ecologia
O estresse hídrico é uma realidade cada vez mais presente no mundo. Mas algumas medidas simples podem ajudar a abastecer o crescente número de habitantes das áreas urbanas.
Publicado em 08/09/2024 10:55 - DW - Edição Semana On
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Mais da metade da população mundial – 4,4 bilhões de pessoas – não tem acesso seguro à água potável tratada, afirma um novo estudo que analisou a situação em países de renda baixa e média.
Isso significa que os números podem ser ainda maiores se considerados dados de países de renda mais alta.
Ainda assim, os dados são mais do que o dobro das estimativas de 2022 feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e representam dois terços das pessoas que vivem nos países de renda baixa e média.
Para ser considerada como “gerenciada com segurança”, a água deve estar disponível através de instalações livres de contaminação e projetadas para entregar a água de maneira segura.
A maioria dos que não possuem acesso a esses serviços correm risco de provável contaminação fecal na água, segundo a pesquisa, que foi publicada no jornal científico Science.
“A informação que temos aponta para altos índices de contaminação”, disse a pesquisadora-chefe Esther Greenwood, da ETH Zurich.
A ingestão de água contaminada pode causar uma série de doenças, como cólera, disenteria, febre tifoide e doenças menos graves como o norovírus.
Dados de satélites e pesquisas domiciliares
Observações através de satélite e informações de pesquisas realizadas em residências foram combinadas e analisadas com a ajuda da inteligência artificial para definir áreas de acesso seguro ou inseguro à água.
Greenwood explica que as conclusões ainda são conservadoras, uma vez que os dados são amostras recolhidas em um único dia, ao invés de em escalas de tempo mais prolongadas. “É possível que os números sejam ainda maiores”, afirmou.
Sul Asiático e a África Subsaariana são as regiões mais afetadas
O estudo considerou os impactos humano e ambiental que limitam o acesso à água potável segura ao longo das 22 subregiões geográficas da ONU.
A conclusão é de que 1,2 bilhão de pessoas no Afeganistão, Bangladesh, Butão, Irã, Maldivas, Nepal, Paquistão e Sri Lanka – mais da metade da população naquela região – não tem esse acesso garantido.
O Sul Asiático, contudo, ainda está em melhor situação se considerados índices per capita.
Na África Subsaariana – uma região com mais de 1,1 bilhão de pessoas –, o acesso precário à água é a realidade de mais de 80% da população.
Também na Oceania, excluindo a Austrália e a Nova Zelândia, 75% das pessoas são afetadas pelo problema.
Preocupações além da E. coli
A pesquisa se baseou na análise de níveis da bactéria E. coli como indicativo de contaminação.
A E. coli está associada a doenças que causam diarreia e que com frequência resultam da exposição a alimentos e água contaminados. Enquanto adultos saudáveis tendem a ter sintomas leves e se recuper rapidamente, crianças e idosos correm o risco de desenvolver falência renal e até morrer.
A bactéria está por trás de um surto recente de norovírus na Itália, e também adoeceu diversos atletas que nadaram no rio Sena durante os Jogos Olímpicos de Paris.
“Não estamos diretamente interessados na E. coli, já que não suspeitamos que sejam todas patogênicas”, observou Greenwood. “É, na verdade, um indicador de que pode ter havido contaminação fecal recente. Isso nos preocupa porque nas fezes há um alto risco de disseminação de outros patógenos.”
A E. coli, porém, não é a única preocupação. Embora não estejam incluídos nesse estudo, os níveis de arsênio e fluoreto também são um indicativo da contaminação química da água. As duas substâncias, embora estejam presentes na natureza, podem ser tóxicas se consumidas em excesso.
Um estudo de 2023 estimou que cerca de 100 países foram afetados por contaminação por flúor (excedendo 1,5 mg/L) nas águas subterrâneas.
Os mesmos pesquisadores descobriram que 230 milhões de pessoas – a maioria na Ásia – estavam ameaçadas pelos riscos da contaminação de arsênio nas reservas subterrâneas de água.
Embora essa contaminação possa ocorrer naturalmente – mais de 80% da contaminação de águas subterrâneas por flúor e arsênio é atribuída a processos geológicos –, o uso industrial de produtos químicos e a queima de carvão também podem contribuir para o processo.
“Parece que há mais residências afetadas pela contaminação de E. coli do que pela contaminação química”, diz Greenwood. “Acho, no entanto que a contaminação química traz implicações diferentes para a saúde das pessoas. Isso é algo que ainda precisa ser pesquisado mais a fundo.”
Uma em cada duas pessoas suspeita da própria água
O acesso à água potável segura depende tanto da situação geográfica, sociocultural e econômica local quanto do país em que se vive.
Pessoas em áreas rurais mais pobres frequentemente enfrentam maiores dificuldades para acessar água limpa. Segundo estimativas da OMS de 2022, quase 500 milhões de pessoas pelo mundo coletam água de poços desprotegidos, rios, lagoas e lagos.
Mas também os que vivem em cidades com baixa renda, ou em assentamentos informais ou ilegais, têm pior acesso a fontes de água potável.
A confiança na segurança da água é bastante baixa em termos globais, com um estudo de 2019 da Lloyd’s Register Foundation mostrando que uma em cada duas pessoas desconfia que sua fonte de água potável possa causar graves danos se consumida diretamente.
“Não basta ter água fluindo nas torneiras. As pessoas precisam confiar em sua água”, frisou Sera Young, antropóloga da Midwestern University, Illinois, EUA, e líder do estudo.
Investir em infraestrutura é apenas parte do caminho rumo à melhoria da qualidade da água. Young defende a realização de testes frequentes para ajudar as pessoas a confiarem em seu abastecimento de água.
Isso pressupõe a publicação dos testes em linguagem acessível, defende a pesquisadora, “e até mesmo colocar testes nas mãos das pessoas” para que elas próprias possam monitorar a qualidade da água por conta própria.
Soluções contra a escassez de água nas cidades
Seja em Délhi, na Cidade do Cabo ou no México, cada vez mais cidades em todo o mundo estão tendo problemas para abastecer seu número crescente de habitantes com água. Mais de 4 bilhões de pessoas vivem em cidades – e até 2050, estima-se que serão cerca de 6,5 bilhões. De acordo com cálculos das Nações Unidas, até lá mais da metade dos habitantes das cidades poderá sofrer com a escassez de água. A mudança climática só exacerba o problema.
Em casos de escassez crítica, a única solução, geralmente, é racionar a água potável. No longo prazo, muitas cidades já começaram a repensar sua gestão hídrica, com o objetivo de economizar água, adaptar sua infraestrutura e fazer melhor uso das fontes naturais do recurso. Quais soluções funcionam?
Promover a conservação da água em residências particulares
Além da indústria e do comércio, outro setor que também consome muita água é o residencial. No Brasil, o consumo diário per capita médio é de 148,2 litros; nos EUA, chega a 300 litros. Chuveiros (40%), descargas de banheiro (30%) e máquinas de lavar (13%) têm o maior peso no consumo. Apenas 4% da água é utilizada para cozinhar e beber.
Campanhas de conscientização podem levar as pessoas a economizarem água. E caixas de descarga, chuveiros e máquinas de lavar mais eficientes podem reduzir pela metade o que consumo de água desses dispositivos.
A Cidade do Cabo, que há anos enfrenta problemas de água, resolveu focar na conscientização e na modernização. A cidade lançou reparos de encanamento gratuitos em residências de baixa renda e aumentou os preços da água ao consumidor para incentivar as pessoas a economizarem. Em 2018, um ano de seca, a cidade conseguiu reduzir o consumo para uma média de apenas 50 litros por pessoa.
A cidade canadense de Vancouver também tem se preparado para o cenário de aumento do estresse hídrico. Para reduzir o consumo, a água fornecida pelo município custa 25% a mais no verão, que é seco, do que no inverno, que é chuvoso.
Manutenção das redes de tubulação e modernização da infraestrutura
Canos com vazamentos e uma rede de tubulação antiquada levam a grandes perdas de água. Em toda a Europa, mais de um quarto da água potável é perdida dessa forma, e, em algumas cidades do mundo, até 60% da água sequer chega à torneira. Muitas dessas perdas poderiam ser evitadas com o simples reparo das tubulações.
Um exemplo disso é Tóquio, uma das cidades mais densamente povoadas do mundo. Até algumas décadas atrás, a metrópole japonesa tinha de 15% a 20% de perdas devido a vazamentos de canos – atualmente esse percentual é inferior a 3%. A rede de tubulação de mais de 27 mil km é constantemente monitorada para localizar vazamentos e, se necessário, substituída. É uma evidência de quão importante se torna o gerenciamento eficiente da água urbana para atender à crescente demanda em todo o mundo.
Em novas construções, tubulações também podem ser melhor planejadas para evitar perdas de água.
Em muitas cidades, no entanto, ainda falta uma infraestrutura hídrica adequada, especialmente em favelas que crescem rapidamente. Bairros mais ricos, por outro lado, geralmente têm um melhor abastecimento.
Utilizar a água da chuva e reutilizar a água residual tratada
Em vez de gastar a preciosa água potável para tudo, vale considerar também a utilização da água da chuva coletada ou da água residual purificada, chamada de água cinza, para dar descarga em banheiros, usar máquinas de lavar ou na indústria.
Nos bairros novos de Melbourne (Austrália) e de Aarhus (Dinamarca), por exemplo, a água da chuva é drenada das ruas e calçadas, filtrada e usada nos edifícios vizinhos. Em muitas cidades dos EUA, Índia, Taiwan, Espanha e Turquia, o aproveitamento da água da chuva agora é requisito obrigatório na construção de novos edifícios.
Em vez de despejar as águas residuais nos rios após o tratamento, muitas cidades estão agora promovendo sua reutilização. Um terço da água em Pequim, por exemplo, é água residual reciclada. Ela é usada principalmente para vegetação, limpeza de ruas, lavagem de carros e descarga de banheiros.
Já em Madri, águas residuais tratadas são usadas para irrigar os parques da cidade, enquanto que, em Singapura, elas são até mesmo transformadas em água potável por meio de um estágio adicional de purificação.
Economizar água com o modelo de cidade-esponja
Embora falte água nos períodos de seca, o número de chuvas fortes seguidos de inundações está aumentando. Nas cidades, o problema é agravado por sistemas de esgoto sobrecarregados e pelo excesso de superfícies impermeáveis, que não permitem que a água da chuva escoe de forma suficientemente rápida. Aqui destacam-se Wuhan, na China, e Singapura, pioneiras no conceito de cidade-esponja.
Em ambas as cidades, foram criados locais onde o excesso de água da chuva pode ser armazenado – desde bacias de captação subterrâneas até faixas e telhados verdes onde a água da chuva pode escoar. O calçamento permeável de ruas também ajuda na infiltração da água.
A água coletada pode ser reutilizada, e a vegetação urbana adicional ajuda no resfriamento.
Só na China existem mais de 60 cidades-esponja, e o conceito vem sendo usado em todo o mundo para o redesenvolvimento urbano. Na Europa, a capital dinamarquesa, Copenhague, está sendo remodelada dessa forma.
Regeneração de reservatórios naturais e proteção de fontes de água
O mais importante para as cidades é proteger e regenerar as suas fontes naturais de água.
A capital colombiana, Bogotá, por exemplo, recebe 80% de sua água da paisagem montanhosa vizinha, um ecossistema único, com pântanos e lagos. No entanto, o uso excessivo da terra para agricultura está comprometendo esse abastecimento natural. Para combater o problema e regenerar essas fontes hídricas, o órgão fornecedor de água na Colômbia aposta na compra de terras e no aumento da conscientização.
Outra solução é a remoção de plantas de elevado consumo de água na área de captação de água. Na Cidade do Cabo, por exemplo, muitos pinheiros e eucaliptos de uma região foram substituídos pelo plantio do arbusto nativo fynbus, que necessita de menos água.
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