20/05/2024 - Edição 540

Comportamento

Punir Sapato e Guimê não basta, é preciso evitar assédio sexual em empresas

Ambos foram eliminados do BBB23 após assédio sexual em participante do reality

Publicado em 23/03/2023 10:04 - Mayra Cotta – UOL

Divulgação Reprodução

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Diante das câmeras do Big Brother, as condutas de Cara de Sapato e MC Guimê contra Dania Mendez, passíveis de tipificação pelo crime de importunação sexual, levaram Tadeu Schmidt a comunicá-los de que estavam foram da casa por “passarem dos limites.” A decisão sobre a punição que cabia à TV Globo foi acertada. Mas isso não é suficiente: é preciso ter atenção à vítima e tomar medidas para evitar que novos casos aconteçam.

Se por um lado a punição de condutas abusivas contra mulheres é um passo fundamental em direção a uma sociedade mais segura para todas nós, por outro lado, ela por si só não é suficiente.

E o caso do BBB, no último dia 16, foi bastante ilustrativo para entendermos os deveres que as empresas e organizações têm no combate ao assédio sexual. Afinal, a responsabilização dos assediadores é apenas um dos três pilares indispensáveis ao endereçamento efetivo e construtivo de um caso de assédio que aconteça em locais sob os cuidados de uma corporação.

Nossa cultura punitivista nos deixou um legado especialmente nocivo para lidarmos com os crimes sexuais. Dentro dessa lógica particular, a punição do agressor aparece como o único objetivo de um processo de endereçamento de um conflito. Mas se as empresas e organizações desejam de fato assumir a responsabilidade pelos seus ambientes de trabalho, é preciso ir além disso e incluir a reparação às vítimas e a adoção de medidas para evitar que o assédio volte a acontecer.

Todo caso de assédio envolve também uma – ou mais de uma – vítima, que pode estar sob o impacto de ter vivido um trauma e até mesmo se culpabilizando pela violência que sofreu. Não podemos esquecer que estamos todas inseridas em uma sociedade que historicamente invisibilizou e naturalizou os abusos cometidos contra as mulheres.

A atenção às vítimas, portanto, também deve fazer parte de todo protocolo corporativo para endereçamento de um caso de assédio. É fundamental que elas sejam informadas a respeito da conclusão do processo de apuração e das razões pelas quais as medidas de responsabilização foram adotadas.

Chamamos essa etapa de “devolutiva às vítimas”, sem a qual qualquer processo será inadequado. É nesse momento, que elas finalmente têm a confirmação de que elas estavam certas em denunciar, de que não são responsáveis pelo assédio que sofreram. É nessa etapa que a vítima obtém um elemento fundamental ao seu processo individual de cura: a legitimação da sua dor, o reconhecimento formal da violência que ela sofreu. Pode parecer trivial, mas quem já esteve na posição de denunciante entende bem a importância disso.

Esse reconhecimento formal da violência também precisa vir acompanhado de medidas concretas que possam reparar os danos sofridos. Se ela está lidando com trauma, a empresa pode arcar com o custo do tratamento terapêutico, por exemplo. Se teve sua carreira prejudicada, a organização pode corrigir o erro e reposiciona-la devidamente. Se sofreu um assédio em um ambiente sob responsabilidade da empresa, esta lhe deve desculpas.

Por fim, o terceiro pilar é o que costumamos chamar de gestão de consequências. Todo episódio específico deve ser entendido como uma oportunidade para se aprender a respeito dos motivos que de alguma maneira contribuíram para que a violência acontecesse. A partir desse aprendizado, as corporações precisam adotar medidas corretivas que criem as condições para que assédios não mais aconteçam.

Na minha experiência lidando diariamente com o tema, a maioria das mulheres que decidem denunciar fazem isso também para que outras não passem pelo o que elas passaram. Cabe às empresas, como a emissora que produz e transmite o Big Brother Brasil, portanto, aprimorarem suas práticas para assumirem esse compromisso.

O que falta ser compreendido é que a punição do agressor raramente é o objetivo principal buscado pelas mulheres que denunciam. O que de fato queremos é bem mais simples (apesar de parecer quase inalcançável): queremos viver as nossas vidas, queremos trabalhar diariamente, queremos nos divertir, sem sermos assediadas. Queremos que os homens com quem convivemos respeitem os nossos corpos.

E queremos que as empresas e organizações onde trabalhamos estejam ao nosso lado na construção de uma sociedade que nos respeite.

(*) Mayra Cotta é advogada especialista em direitos das mulheres.


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