Meia Pala Bas

Sacoleiros de Discurso

Publicado em 14/03/2019 12:00 - Rodrigo Amém

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Um amigo me abordou dia desses. Queria falar sobre essa coluna. "Por que você fica comparando Brasil com Estados Unidos? Cada país é diferente, Amém", disse esse amigo, num tom ufanista e ressentido.

É verdade que cada país é diferente. Mas é justamente uma característica única da nossa cultura que faz esses paralelos com outras nações tão relevantes, na minha modesta opinião.

Somos sacoleiros de discurso.

O Brasil é uma espécie de "Vale a Pena Ver de Novo" no campo do debate de ideias. Não se trata de complexo de viralata (que seria legítimo, já que o presidente bate continência para apresentador de TV americano e segue os ensinamentos de astrólogo que faz vaquinha para pagar hospital público de lá), mas de reconhecer que nossos políticos têm o hábito de requentar argumentos testados em outras pradarias, ao invés de desenvolver suas próprias linhas de raciocínio.

O próprio novo astro da direita moderada, João Amoedo, foi taxativo ao dizer que prefere esperar que outros países mais avançados tentem a legalização da maconha antes de abraçar a ideia por aqui. Como o Uruguai, por exemplo.

Eu acho importante observar como as ideologias que importamos foram implementadas em outros cantos do mundo e o que podemos aprender através da experiência deles. Porque nossos ideólogos vão pra Miami fazer compras, assistem meia dúzias de palestras e voltam com uma sacola de muambas ideológicas, que tentam vender como ideias revolucionárias aqui.

Muita gente gosta de comparar Bolsonaro com Trump. As roupas e funções podem ser semelhantes. Mas não convém confundi-los. Trump é um palhaço. Bolsonaro é um espantalho.

O Bolsonaro deles era George W. Bush há 19 anos. Jeitão de caipira, falava grosso, atrapalhadão, gostava de cantar de galo sobre guerra, combate às drogas e à imigração ilegal. Era o presidente "povão" da direita. Era um espantalho. O verdadeiro presidente era o vice, Dick Cheney. O resultado do governo Bush: 11 de setembro, duas guerras no Oriente Médio e a recessão de 2008, provocada pela desregulação do mercado financeiro promovida pela direita. Desesperados, os primos gringos se voltaram a Obama para salvar a economia do país e do mundo.

Quando falamos em flexibilização do acesso às armas, estamos falando de um papo que já rola nos EUA desde os anos 70 e que, há 40 anos, gera tiroteios em escolas, igrejas, prédios públicos. Há uma expressão em inglês going postal, que significa enlouquecer e quebrar tudo. A origem? Tornou-se relativamente comum que homens armados, na fila dos correios, tivessem acesso de fúria e descarregassem suas armas nos funcionários e outros clientes. Em média, foram duas ocorrencais por ano, entre 1986 e 2011. Dezenas de vítimas fatais. Uma ocorrência tão comum que virou uma expressão idiomática. Ou seja, os americanos tem experiência em defender o acesso irrestrito a armas, mesmo em face a décadas de tragédias como as de Suzano.

Tiroteios em escolas públicas na terra do Tio Sam, por sua vez, têm números que desafiam a nossa vã filosofia: foram 23 casos, com 113 mortes, somente no ano passado.

O que os políticos da bancada da bala de lá falaram? Adivinha? Falaram que só quem não tem culpa é a indústria bilionária que arma bandidos do mal e mocinhos de bem.

Que tem que armar o professor, que a culpa é do video game, a culpa é do filme do Rambo, a culpa é da loucura na cabeça do adolescente. Tudo que a nossa bancada da bala está falando agora, com sotaque de São Bernardo do Campo.

Outro escândalo que está pipocando lá agora é a corrupção no vestibular das universidades mais concorridas do país. Tem até atriz famosa que pagou meio milhão de dólares para garantir a vaga do filho na faculdade de prestígio.

Adivinha o que sacoleiros daqui vão querer importar na sequência, depois que começar a morrer gente na fila dos nossos correios?

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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