09/05/2024 - Edição 540

Povos da Terra

Risco de suicídio é maior entre jovens indígenas

Pobreza e racismo contribuem para o problema

Publicado em 14/08/2023 10:55 - Sayonara Moreno – Agência Brasil

Divulgação Fernando Frazão - Agência Brasil

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No Brasil, entre 2019 e 2022, 535 indígenas tiraram a própria vida. A maior parte, no estado do Amazonas, onde 208 suicídios foram registrados. Os dados estão no Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), lançado na última semana.

Para a psiquiatra e pesquisadora associada da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Jacyra Araújo, que estuda o tema da saúde mental indígena, o problema não é recente, mas é comum em populações originárias do mundo todo. Ela destaca que as taxas de suicídio no Amazonas chamam atenção e que as possíveis causas não são fáceis de levantar. Mas a realidade de conflitos na região explica muita coisa.

“Dá para dizer que tem um acesso menor ao tratamento em saúde mental e que também tem a ver com falta de perspectiva e de assimilação da cultura moderna. Nós observamos um aumento mais recente das taxas de suicídio no estado do Amazonas. Essa exploração de mineração naquela região trouxe, segundo alguns autores, insegurança e piora da situação de conflito entre a população indígena e a população não indígena. Isso provavelmente está relacionado com a piora dos dados de suicídio nessa região, já que traz uma instabilidade que predispõe à doença mental.”

Parte dos povos yanomami vive no Amazonas. O presidente da Associação Yanomami Urihi, Junior Yanomami, destaca a realidade violenta na região. Ele cita o caso de meninas que chegam ao adoecimento mental, após sucessivas violências contra seus corpos, como estupro, gravidez precoce, abuso e a exploração de invasores.

“São crescentes os casos de mulheres sofrendo violência, estupro. Tem muitas jovens também que engravidaram de garimpeiros e tem filhos dos garimpeiros. Tem um problema grave psicológico com as meninas yanomami, elas choram, ficam com raiva, isso é um problema.”

O Relatório do Cimi aponta, ainda, que somente no ano passado, foram registrados 115 suicídios de pessoas indígenas, em todo o país. Uma das organizadoras do documento, a antropóloga Lúcia Helena Rangel, cita a pobreza e os contextos de violência contra essas populações. No entanto, atribui grande parte do adoecimento mental indígena, ao racismo.

O Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, de 2021, mostra que a taxa de mortalidade por suicídio em indígenas é quatro vezes superior à da população não indígena.

O relatório do Cimi traz um alerta sobre a disseminação do álcool e outras drogas nos territórios indígenas. Segundo o documento, essa realidade é um mecanismo antigo dos colonizadores, para “controle dos indígenas, a fim de facilitar o livre acesso aos territórios e a prática de crimes”. Por outro lado, provoca o adoecimento mental e deixa as populações mais vulneráveis às ideações suicidas.

Risco de suicídio é maior entre jovens indígenas

Diante das altas taxas de suicídio indígena, um ponto específico gera ainda mais preocupação: o adoecimento mental e o suicídio entre os jovens indígenas. Essa realidade é diferente do restante da população brasileira, já que o maior risco de suicídio entre os não indígenas é maior entre os idosos, segundo o Ministério da Saúde.

Explicar o que motiva esse adoecimento tão precoce não é tarefa simples, até mesmo para os especialistas. Jacyra Araújo atribui o problema à questão cultural.

“Alguns autores acreditam que os jovens indígenas são mais vulneráveis já que eles estão mais deslocados da cultura deles do que os idosos e eles estão vivendo uma deterioração do meio em que eles vivem mais intensa do que os idosos indígenas. E isso pode estar adicionando o acesso ao álcool e a dificuldade de acesso ao tratamento em saúde mental levando os mais jovens a optarem pelo suicídio.”

O relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, revela que, no ano passado, de cada três indígenas que tiraram a própria vida, um tinha no máximo 19 anos. A antropóloga Lucia Helena Rangel, que elaborou esse levantamento, explica que a situação é mais grave entre os homens jovens que, diante de tanta violência, se veem sem saída.

“Entre 14 e 29 anos, o grosso está aí nessa faixa, jovem, masculina, muito provavelmente essa associação entre contextos tensos violentos e suicídios de jovens que apontam para situações meio sem saída. Uma tentativa de procurar espaços em outas dimensões, espirituais, sobretudo, onde há paz.”

O adoecimento mental da população gera preocupação, também, para o Ministério da Saúde, responsável pelas políticas públicas de combate ao problema, como destaca o psicólogo da Secretaria de Saúde Indígena da pasta, Matheus Cruz.

“A faixa etária que mais preocupa é a de 15 a 29 anos e isso se deve muitas vezes a fatores como conflitos geracionais, familiares, passagem para a vida adulta, mas também outros fatores socioeconômicos, que se manifestam pela ausência de projetos sociais, projetos que envolvam perspectiva profissionalizante, e os processos de alcoolização, que se encontram intensos em algumas localidades, acabam se associando à baixa perspectiva de crescimento socioeconômico de alguns jovens.”

De acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, de 2021, o triste cenário que leva jovens indígenas a desistirem da própria vida pode ser explicado pela passagem para a vida adulta, que chega como um momento crítico, sobretudo nas transformações socioculturais, a partir do contato com a sociedade não indígena.

Obter ajuda

Entre os profissionais que tratam de saúde mental e instituições especialistas em prevenção ao suicídio, é unânime a ideia de procurar (ou orientar) ajuda específica sempre que sentir necessidade de acolhimento (ou perceber que alguém precisa). Aqui alguns canais para receber atenção e auxílio:

Centro de Valorização da Vida, realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.

Mapa da Saúde Mental, que traz uma lista de locais de atendimento voluntário on-line e presencial em todo país.

Pode Falar, um canal lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) de ajuda em saúde mental para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. Funciona de forma anônima e gratuita, indicando materiais de apoio e serviço.

Pobreza e racismo contribuem com alta taxa de suicídio entre indígenas

Antes de cometer suicídio, muitas pessoas apresentam sinais de alerta, ainda que não sejam intencionais. A automutilação, a violência contra o próprio corpo, é uma forma de tentar se livrar da dor emocional. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2019, 665 indígenas provocaram lesões no próprio corpo, dentro e fora das aldeias. Tentativas de suicídio ou transtornos psicológicos fazem parte desse quadro.

A psiquiatra Jacyra Araújo alerta que a alta taxa de mortalidade indígena tende a aumentar, como uma tendência em toda a população mundial. Para ela, é preciso apontar as causas, antes de buscar meios de cessar essa realidade.

“Para fazer isso, nós precisamos de estudo mais focados nas populações indígenas, nos povos mais vulneráveis [pelo] que nós percebemos por essas taxas. Esses estudos vão direcionar quais são os fatores que aumentam sua vulnerabilidade para o suicídio. Só sabendo quais são esses fatores de risco nós podemos criar soluções ou medidas públicas que minimizem esse risco.”

Além das múltiplas violências e das questões culturais, a pobreza pode ser outro fator que gera o estresse mental entre essas populações.

De acordo com o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no ano passado, o Mato Grosso do Sul foi o segundo estado onde mais ocorreram suicídios indígenas: 28, no total. É lá onde vivem os povos guarani kaiowá. Janio Kaiowá, da Aty Guasu, entidade da juventude kaiowá, relata que os indígenas do estado vivem uma situação grave de extrema pobreza.

“A violência, o choque cultural, também o preconceito, tudo isso leva [indígenas] a tirar suas próprias vidas. Alguns estão há mais de 30 anos na beira da rodovia vivendo em extrema pobreza, [enfrentando] fome, em miséria, toda essa carga leva os jovens a tirar suas próprias vidas.”

Os relatos sobre indígenas às margens de rodovias também foram lembrados pela antropóloga que elaborou o relatório do Cimi, Lúcia Helena Rangel. Ainda assim, ela atribui o problema ao racismo, na maior parte. E, por isso, cita que algumas formas de valorização podem ajudar.

“Eu acho que valorizando as culturas, as línguas, as pessoas, mostrando que essas pessoas têm valor e que elas podem ser aceitas como elas são, e não negar a elas a existência.”

O psicólogo da Secretaria de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, Matheus Cruz, argumenta que as ações de vigilância da pasta ajudaram a enxergar o problema mais de perto, o que é importante para a elaboração de políticas públicas.

“O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Saúde Indígena, investe em todos esses movimentos de vigilância em atenção psicossocial, mas também em projetos de promoção do bem viver, que buscam envolver toda a comunidade, mas também a área de educação. A gente tem adotado algumas estratégias em alguns lugares, alguns distritos sanitários pelo país, de estabelecimento de redes intersetoriais de atenção psicossocial justamente para fortalecer os projetos de promoção do bem viver.”

Ao reconhecer o suicídio como um problema de saúde pública, o Ministério da Saúde destaca o papel estratégico da atenção primária na prevenção, a partir da identificação e intervenção precoce em casos de risco e da capacitação de profissionais para oferecer apoio e acompanhamento.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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