Povos da Terra
PEC adiada no Senado impacta 26 terras indígenas em MS
Publicado em 15/07/2024 11:33 - Jamil Chade (UOL), Semana On – Edição Semana ON
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O relator da ONU para o direito dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Senado Federal que suspendam a aplicação de uma lei contestada constitucionalmente, sob o risco de que ela expulse povos indígenas de suas terras ou crie sérios obstáculos para que tenham acesso aos recursos naturais em seus territórios.
“Apelo ao Supremo Tribunal Federal do Brasil que suspenda a aplicação da Lei 14.701 até que uma decisão sobre sua constitucionalidade seja adotada”, afirmou o relator, num comunicado emitido em Genebra na manhã desta quinta-feira.
A Lei 14.701 que regula demarcações de territórios indígenas foi aprovada pela Câmara dos Deputados em setembro de 2023. Mas o Supremo decidiu que o texto era inconstitucional; em consonância com a Corte, o presidente Lula (PT) vetou o projeto. Mesmo assim, o veto foi derrubado pelo Congresso no mês de outubro.
Aprovada no final de 2023 pelo Senado, a lei estabelece o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas. A nova lei somente admite a demarcação de terras indígenas que já estavam ocupadas ou eram disputadas pelos povos originários até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Desde então, diversas ações judiciais foram iniciadas contestando a constitucionalidade da Lei 14.701/2023.
“Esta suspensão poderia evitar um risco iminente para os povos indígenas do Brasil de serem privados ou despejados de suas terras tradicionais nos termos da Lei 14.701, atualmente em vigor”, explicou.
“Apelo também ao Senado Federal para que respeite as normas internacionais de direitos humanos que reconhecem os direitos dos Povos Indígenas às suas terras e territórios sem limitação temporal”, disse.
A Lei 14.701/2023 que regulamenta a doutrina do Marco Temporal está sendo contestada perante o STF por meio de cinco processos judiciais que buscam a declaração de inconstitucionalidade. Em 22 de abril de 2024, o Supremo Tribunal suspendeu estes processos legais e sugeriu, em vez disso, um processo de mediação e conciliação dos interesses dos Povos Indígenas e do agronegócio.
“Preocupa-me que esta suspensão vise processos judiciais que discutam a constitucionalidade da Lei 14.701, mas não impede que a lei questionada seja aplicada a todos os processos de demarcação em curso, o que pode gerar danos irreparáveis”, disse o relator.
Embora parabenize o Supremo Tribunal Federal por sua decisão de rejeitar a doutrina do ‘Marco Temporal’, ele afirma estar preocupado com o pouco tempo decorrido entre a decisão concluída em setembro de 2023 e a aprovação da Lei 14.701/2023 pelo Congresso em dezembro 2023, que implementa esta doutrina.
“Não ficou claro o que poderia justificar uma rediscussão do entendimento jurídico já determinado pelo STF, dado este curto espaço de tempo. Também me preocupam as novas iniciativas legislativas no Senado que visam consolidar a doutrina do “Marco Temporal” na Constituição Federal”, disse.
O Marco Temporal estabelece que a demarcação dos territórios indígenas esteja condicionada à ocupação das terras reivindicadas no momento em que a Constituição do Brasil foi promulgada em 5 de outubro de 1988.
“Em diversas ocasiões, meu mandato criticou a implementação do Marco Temporal e, sua aceitação pelo mais alto tribunal do Brasil, teria resultado em uma violação dos padrões internacionais de direitos humanos que reconhecem os direitos dos Povos Indígenas às suas terras e territórios com base no uso e posse tradicional sem limitação temporal”, afirmou o relator.
Ele lembrou que os direitos dos povos indígenas são defendidos e garantidos por normas jurídicas internacionais, incluindo a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção n.º 169 da OIT. “São inalienáveis e não podem ser negociados”, disse.
Segundo ele, os direitos dos Povos Indígenas devem ser reconhecidos, aplicados e respeitados tanto em nível federal quanto estadual – seja por meio de processos de demarcação e proteção de terras e territórios indígenas, ou por meio da implementação de políticas nacionais para garantir o direito à vida, à saúde e à segurança dos povos indígenas do Brasil.
“É importante que o Estado brasileiro lembre que, as terras e territórios tradicionalmente pertencentes ou ocupados pelos povos indígenas, são elementos definidores de sua identidade, cultura e sua relação com os ancestrais e as gerações futuras”, afirmou. “Abrir o caminho para políticas extrativistas apenas para interesses empresariais, legitimará a violência contra os Povos Indígenas e violará os seus direitos às terras, territórios e recursos naturais”, alertou.
Ele ainda destacou que, no contexto das mudanças climáticas, as terras tradicionalmente pertencentes ou ocupadas pelos povos indígenas são vitais para a proteção da biodiversidade contribuindo para o equilíbrio climático devido à relação harmoniosa e espiritual que mantêm com a natureza.
“Permitir atividades de mineração, exploração de ouro e pecuária também formalizaria um completo retrocesso ambiental, comprometendo o cumprimento das metas assumidas pelo Brasil nos tratados internacionais que visam reverter as mudanças climáticas com urgência”, completou.
PEC impacta 26 terras indígenas em MS
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 48/2023, conhecida como “marco temporal”, que está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, pode afetar pelo menos 26 terras indígenas em Mato Grosso do Sul. A votação foi adiada e será retomada em outubro.
As terras indígenas em questão estão localizadas em diversos municípios, incluindo Dourados, Amambai, Caarapó e Paranhos.
Os senadores deveriam analisar a PEC na quarta-feira (10), mas parlamentares solicitaram a retirada da pauta. Há possibilidade de um acordo entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), concedeu vistas coletivas para a PEC. Ele afirmou que, com ou sem consenso, a PEC voltará à análise da Comissão em outubro.
Antes do adiamento, o relator da proposta, senador Esperidião Amin (PP-SC), apresentou seu parecer favorável. No entanto, o líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner (PT-BA), mencionou que o STF solicitou um acordo com o Congresso. O ministro Gilmar Mendes pediu a formação de um grupo de trabalho para buscar consenso.
Embora o STF tenha considerado o marco temporal inconstitucional, a lei estabelece que apenas as terras indígenas ocupadas até 5 de outubro de 1988 são passíveis de demarcação. Entre os pontos a serem incorporados novamente estão: a proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas, adequação dos processos administrativos de demarcação às novas regras e a nulidade das demarcações que não atendam a essas regras. Será necessário demonstrar que as terras são essenciais para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos naturais.
O STF derrubou a tese do marco temporal por nove votos a dois. Mato Grosso do Sul tem 26 terras indígenas em processo de demarcação pela Funai. Esse processo inclui fases de identificação e delimitação, demarcação física, homologação e registro das terras indígenas. O local fica livre para ocupação após a homologação.
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AVA RORY
É sociólogo e indígena da etnia Guarani e Kaiowá.
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