20/05/2024 - Edição 540

Agromundo

Lixeira do mundo: agrotóxicos cancerígenos foram os mais vendidos no Brasil em 2020 e 2021

O dilema da produção de orgânicos no Brasil

Publicado em 04/04/2023 10:57 - Cida de Oliveira (RBA), Kathrin Wesolowski (DW) – Edição Semana On

Divulgação Cenipa/Divulgação

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Os agrotóxicos cancerígenos e desreguladores endócrinos estão entre os mais vendidos no Brasil em 2020 e 2021. Esta é uma das conclusões de um estudo da professora aposentada Sonia Hess, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Engenheira química especialista no tema, ela partiu de dados dos relatórios de comercialização desses produtos referentes a 20 de março passado, fornecidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama).

A lista inclui cinco substâncias. São elas:

Acefato: Inseticida e acaricida que, segundo estudos de 2017, é citotóxico e genotóxico sobre espermatozoides humanos. Além disso, pesquisas de 2016 o associam ao desenvolvimento do diabetes tipo 2, hiperglicemia, disfunção no metabolismo de lipídios, danos ao DNA e câncer.

Atrazina: Estudos realizados em 2017 apontaram que o herbicida está associado ao aparecimento de diversos tipos de câncer, como de estômago, linfoma não-Hodgkin, próstata, tireóide, ovário, mal de Parkinson, asma, infertilidade e baixa qualidade do sêmen. E também malformações congênitas/teratogênese.

Clorotalonil: Fungicida causador de desregulação endócrina, conforme mostrou estudo de 2019.

Clorpirifós: Segundo pesquisas realizadas em 2017 e 2018, o inseticida está associado ao surgimento de diversos tipos de câncer, como no cérebro, pulmão, colorretal, leucemia e sarcoma de tecidos moles. Além disso, mal de Parkinson, asma, infertilidade, malformações congênitas, disfunções sexuais, desordem do déficit de atenção e hiperatividade (ADHD), autismo, atrasos no desenvolvimento. Sem contar intoxicações agudas severas e danos ao sistema nervoso central.

Imidacloprido: Inseticida causador de desordem do déficit de atenção e hiperatividade (ADHD), autismo e danos ao sistema nervoso central, conforme pesquisas de 2015, 2016 e 2017.

Mancozebe: Pesquisa de 2017 aponta que o fungicida e acaricida causa câncer de tireóide.

Brasil: maior lixeira química do mundo

“Somos a maior lixeira química do mundo”, disse Sonia Hess, que estudou todos os agrotóxicos autorizados no Brasil. “Os resultados são chocantes”.

Ela se refere também a outras conclusões de seu levantamento: em 2020 foram comercializadas no Brasil, pelo menos, 243.531,28 toneladas de agrotóxicos banidos na União Europeia. No ano seguinte, ao menos 289.857,41 toneladas.

Ou seja, têm registro e são líderes de vendas no Brasil ingredientes ativos de agrotóxicos sem registro ou com uso proibido na União Europeia. Isso justamente pelos danos à saúde e ao meio ambiente. Em sua pesquisa, Sonia Hess encontrou 364 agrotóxicos de base química. “Desse total, 191 (52,5%) não têm registro ou tiveram seu uso banido na União Europeia”, comentou.

Processo de contaminação de longa duração por agrotóxicos

Para piorar, essa lista de 191 agrotóxicos banidos pelo órgão regulador da União Europeia inclui 173 (90,6%) que estão em uso no Brasil desde pelo menos o ano de 2003. “Em outras palavras, são moléculas velhas. Em 2020 foram comercializadas no Brasil, pelo menos, 243.531,28 toneladas desses agrotóxicos banidos na UE”, disse o professor e pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense Marcos Pedlowski.

Segundo ele, para garantir os lucros fabulosos dos fabricantes de agrotóxicos e do latifúndio agro-exportador brasileiro, “o Estado brasileiro está permitindo o contato direto e indireto com substâncias altamente perigosas e com potencial para causar enfermidades terríveis em seres humanos. E causar um processo de contaminação de ampla duração nos ecossistemas naturais brasileiros.”

O dilema da produção de orgânicos no Brasil

Maçãs suculentas, goiabas e laranjas: são somente três dos 45 tipos de frutas que Jairo de Souza Rios cultiva em suas terras no interior da Bahia. Sua fazenda de 3,6 hectares se assemelha a um pequeno paraíso para os amantes de frutas orgânicas.

Mas, para o pequeno produtor rural, sua produção se traduz em trabalho pesado e de baixo rendimento, mesmo possuindo o certificado Fairtrade, que atesta um comércio justo assegurando determinados padrões de produção que respeitam normas sociais, ambientais e econômicas.

Há 13 anos, Rios possui o certificado que promete preços justos para agricultores e uma cadeia produtiva completamente rastreada. “Ultimamente, o preço deixou de ser justo”, diz o agricultor, de 39 anos, que vive com sua esposa Evelyn, com quem deseja ter filhos.

Segundo Rios, sobra pouco dinheiro para viver. No entanto, para ele, a produção orgânica é importante, mas quase não compensa devido ao preço pago pela laranja orgânica, que é minimamente superior ao da fruta produzida de maneira convencional.

Cooperativa quer preços mais justos

Rios e outros 79 agricultores fazem parte da Coopealnor, uma cooperativa de pequeno porte. Eles plantam laranjas, que são processadas em suco concentrado na cooperativa em parceria com a empresa Tropfruit. O produto é vendido, entre outros, para a Europa através da Gepa, a maior organização europeia de comércio alternativo.

Os agricultores decidem se querem cultivar da maneira orgânica ou convencional. A Gepa compra as duas variedades, pagando 2.315 dólares (cerca de R$ 11,9 mil reais) por tonelada de suco de laranja concentrado convencional e 3.900 dólares (cerca de R$ 20,1 mil reais) por tonelada de orgânico. O dinheiro é dividido entre os produtores.

Os agricultores orgânicos ganham mais dinheiro do que os convencionais, mas, segundo Rios, essa diferença não compensa. “O que me custa 20 ou 30 dias de trabalho como produtor orgânico, custaria menos do que um dia de trabalho como produtor convencional”, afirma. Ele possui um trator, mas, para a produção orgânica, a maior parte do trabalho precisa ser feita com as mãos.

Baixa produção orgânica

A fazenda de Nelson Borges da Cruz fica a poucos minutos da propriedade de Rios. O agricultor de 75 anos diz que não consegue viver com o que recebe pela venda de laranjas orgânicas certificadas com o Fairtrade. “O dinheiro que eu recebo dá apenas para manter a fazenda”, afirma. Ele conta que necessita da aposentadoria para sobreviver.

A propriedade de Cruz tem 3,5 hectares, mas sua produção é bastante reduzida, também pelo fato de ser uma fazenda antiga. O cultivo convencional poderia ajudar a aumentar a colheita. Ele, porém, é um entusiasta da produção orgânica e se recusa a usar pesticidas.

“Quando ando pela minha plantação, não tenho medo de contaminação. Posso comer laranjas, jacas e cocos”, relata Cruz. “Ajudamos com nossas frutas a deixar todo mundo mais saudável.”

Aumento de até 80% nos custos de produção

Não muito longe das duas fazendas está a sede da cooperativa, onde milhares de laranjas são selecionadas por pessoas e máquinas. O coordenador administrativo Aldo Souza mantem contato direto com a Gepa, cuja sede fica em Wuppertal, na Alemanha.

A princípio, Souza se diz satisfeito com a certificação, mas passou a exigir que a empresa Fairtrade pague um valor maior aos agricultores. “O preço mínimo é baixo demais para nós, porque os custos de produção aumentaram. Com o preço que recebemos hoje, a renda das nossas famílias diminuiu. Precisamos de uma compensação para melhorar isso.”

Com a guerra na Ucrânia e a inflação, a taxa de câmbio do dólar caiu significativamente. As despesas com as quais os agricultores devem arcar antes da produção efetiva aumentaram em até 80%, relata Souza. Atualmente, os agricultores com propriedades menores não conseguem se sustentar com os preços pagos pelo Fairtrade.

Souza conta que alguns agricultores tiveram que procurar outro trabalho para conseguirem sobreviver. Ele conta ainda que há um êxodo rural entre as crianças em razão das dificuldades de subsistência na região.

Gepa deixará de comprar suco concentrado

A DW entrou em contato com a Gepa para questionar a empresa sobre as alegações dos agricultores. A organização diz que nada impede um reajuste dos preços, e que isso será negociado juntamente com a cooperativa para a partir de 2024.

De acordo a Gepa, não será mais adquirido o suco de laranja concentrado de pequenos produtores em 2023. “Infelizmente, não poderemos comprar da Coopealnor neste ano devido à uma queda nas vendas. O motivo é que, nos últimos anos, devido à pandemia, não pudemos vender tanto suco e refrigerante. O suco de laranja concentrado ainda está nos estoques”, escreveu a empresa.

A cooperativa disse que já havia sido informada pela Gepa sobre a suspensão da compra neste ano em 2022. Justamente por isso, o grupo saiu em busca de novos compradores.

Nesse meio tempo, os agricultores Nelson Borges da Cruz e Jairo de Souza Rios continuarão lutando para sobreviver. Cruz sabe muito bem o deseja para o futuro: “Quero produzir mais e ganhar mais dinheiro. Quero uma vida melhor para mim e para minha família.”

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Equipe Semana On

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