20/05/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

É pra rir ou pra chorar?

Publicado em 14/08/2014 12:00 - Rodrigo Amém

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Já falei aqui sobre ser politicamente correto. É um posicionamento moral, não uma imposição política. Eu faço o possível para medir minhas palavras e considerar o sentimento alheio. Nem sempre tenho sucesso. Na verdade, volta e meia me vejo pedindo desculpas, muitas vezes nem solicitadas. Mas esse é um posicionamento meu, que não imponho nem exijo de ninguém.

Eduardo Campos morreu e deixou uma nação inteira em choque, diante da mortalidade de nossa condição humana. Muita gente se compadeceu, mandou seu apoio aos familiares e amigos. E muita gente que fez piada sobre a tragédia, como já é costume na internet. Houve réplica amarga da parte de alguns articulistas. O amador diagnóstico de psicopatia foi distribuído de forma descuidada. “Quando foi que nos tornamos esses abutres insensíveis, incapazes de empatia com a dor alheia? O que mudou, minha gente?”

E houve tréplica mais amarga ainda. “Não quer brincar, não entra na net! O mundo está ficando muito chato! Antigamente não era assim! Ninguém reclamou das piadas sobre o Michael Jackson, o Senna, os Mamonas. O que mudou, minha gente?”

O politicamente correto é um posicionamento moral, não uma imposição política.

Nada mudou, amigo indignado. Em todo velório, passadas as formalidades iniciais, começam a surgir rodinhas de piada em torno do café ou do cinzeiro. O defunto ainda ali do lado, todo coberto de flores, e a rodinha infernal fazendo força para rir baixinho da última do português. Sim, o humor é um mecanismo para lidar com a dor, a incerteza, a imperfeição, a dúvida. E sua expressão é direito de todos. Tá na Constituição. Assim como o direito à indignação diante da ofensa. Não nos cabe impedir que o humor seja válvula de escape, quer concordemos ou não com sua propriedade.

Mas algo mudou sim, amigo humorista. A internet amplificou a rodinha infernal, que agora ressoa na alma dos vitimados pela tragédia. No anonimato, ninguém mais parece se preocupar com a caridade do comedimento. Só com a agilidade da comédia. E a expressão de indignação diante de uma ofensa é direito de todos. Tá na Constituição. Assim como o direito à expressão. Não nos cabe, enquanto artistas em um Estado democrático, reprimir a objeção resultante da nossa arte.

O importante é que o luto, rido ou chorado, corra seu curso natural.  Dizem que humor é tragédia mais tempo. Talvez haja muito pouco tempo para tanta tragédia. O certo é que está faltando gentileza.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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