Poder
Publicado em 31/05/2018 12:00 -
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A greve dos caminhoneiros deu voz a uma fatia estridente da população que, indiferente a importância da democracia, tem usado a própria liberdade que o sistema oferece para pedir o que chamam de “intervenção militar”, eufemismo para golpe militar. Trata-se de uma afronta à Constituição que poderia ser caracterizadas como crime previsto na Lei de Segurança Nacional (LSN), com pena de um a quatro anos de reclusão, segundo especialistas.
A expressão “intervenção militar” inexiste na Constituição e começou a ser usada na internet por grupos minoritários de extrema direita e, também de uma direita formada com base no senso comum de que a corrupção só se combate com um governo autoritário.
A defesa do retrocesso institucional encontra eco, também, entre setores das Forças Armadas. O general da reserva Augusto Heleno, 70, – o primeiro comandante das tropas da ONU no Haiti – diz ver semelhanças entre os atuais pedidos de “intervenção militar” e o período anterior ao golpe de 1964. O militar, que já declarou apoio ao pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL), contudo, afirma que as Forças Armadas estão “vacinadas” e não pretendem tomar o poder. Mas, deixa transparecer o sentimento que percorre os corredores das casernas: "É lógico que as Forças Armadas se sentem 'lisonjeadas' pela credibilidade que essas faixas demonstram, mas têm plena consciência de que esse não é o caminho. O caminho são as eleições que vão acontecer", disse o general, em entrevista ao jornal Folha de SP.
O uso do termo “intervenção militar” é uma interpretação “manifestamente errada” do artigo 142 da Constituição, segundo o ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Ayres Britto.
O artigo estabelece que às Forças Armadas competem três funções: “defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Nenhuma deles, conforme o ex-ministro, autoriza o emprego de força militar contra autoridades do Executivo a fim de destituí-las.
Britto mencionou o artigo 142 inserido no título V, que trata “da defesa do Estado e das instituições democráticas”.
“Pedir intervenção é reivindicar para as Forças Armadas uma função que não é delas. Qualquer saída de qualquer crise é pela Constituição e não da Constituição”, disse o ex-ministro.
Liberdade de expressão?
Sobre o entendimento de que manifestações pela volta da ditadura militar estão protegidas pela liberdade de expressão, valor consagrado na Constituição, o ex-ministro discorda. “Esse tipo de pedido de ‘intervenção’ é juridicamente impossível, porque é enlouquecidamente inconstitucional. Implica um atentado contra o estado democrático e a ordem constitucional.”
Britto também lembrou do artigo 5º da Constituição, que diz ser “crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o estado democrático”.
Assinada pelo presidente general João Baptista Figueiredo em 1983, antepenúltimo ano da ditadura militar, a LSN é controversa, mas já foi utilizada, por exemplo, contra integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
No seu artigo 23, a LSN veda incitar “à subversão da ordem política ou social” e “à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis”.
O artigo 22 também estipula que é crime “fazer, em público, propaganda […] de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”. Os dois artigos preveem penas de 1 a 4 anos de reclusão.
Na opinião do desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, qualquer direito, mesmo o da liberdade de expressão, não é absoluto. “Há previsão legal, por exemplo, que impede o indivíduo de fazer uma tentativa de ruptura do sistema democrático. O direito da manifestação encontra limites na legislação criminal”, disse o juiz.
Como juiz federal de primeira instância em São Paulo, Sanctis cuidou de casos criminais de grande repercussão, como a investigação sobre o Banco Santos e as operações Castelo de Areia e Satiagraha.
O advogado criminalista Luís Henrique Machado, que atua em casos criminais no STF contra políticos com foro especial, ponderou que “a situação é muito nova e tanto a Lei de Segurança Nacional quanto o Código Penal falam em incitar e apologia como tipos penais”, mas “o problema todo é que isso tudo pode desembocar numa discussão constitucional”.
Machado deu como exemplo a “Marcha da Maconha”, em São Paulo, cuja legalidade foi questionada mas acabou reconhecida em decisão do STF de junho de 2011. De acordo com o voto do relator, o ministro Celso de Mello, o ato não constituía apologia ao crime, prevalecendo as liberdades de expressão e de reunião.
“Porque o simples fato de uma pessoa manifestar a liberdade de expressão e de pensamento não quer dizer que ela esteja cometendo crime. No caso da marcha, por exemplo, não se levou adiante um processo penal em razão dessas atitudes”, disse o advogado, para quem sobre a legalidade dos pedidos de “intervenção militar” ainda não chegou aos tribunais.
“Em algum momento pode ser que essas questões sejam analisadas pelo Judiciário em detalhes, e então as coisas ficariam mais claras. Até agora isso não ocorreu.”
Carmen
No último dia 30, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) fez um breve pronunciamento em resposta ao clima de enfraquecimento das instituições democráticas e dirigido as manifestações a favor de uma "intervenção militar". A presidente da Corte declarou que “regimes sem direitos são passados de que não se pode esquecer, nem de que se queira lembrar” e que “a democracia é o único caminho legítimo”.
Cármen afirmou que iniciava os trabalhos (da quarta-feira, 30) com “profunda preocupação, atenção e responsabilidade com o grave momento político, econômico e social” do país.
“Democracia não está em questão. Há questões sócio político e financeiras nas democracias também. Mas o direito brasileiro oferece soluções para o quadro apresentado e agora vivido pelos brasileiros”, prosseguiu a presidente do STF.
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