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Temos que deixar de olhar como piada e enxergar como terrorismo

Atos golpistas nas estradas e em frente aos quartéis avançam na escalada de violência e sobem o tom para desafiar o Judiciário

Publicado em 28/11/2022 9:58 - João Filho (The Intercept_Brasil), RBA, Brasil de Fato - Edição Semana On

Divulgação Reprodução

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Bombas caseiras feitas de garrafas com gasolina, rojões, óleo derramado intencionalmente na pista, ‘miguelitos’ (pregos usados para furar pneus), pedras, além de barricadas com pneus queimados, latões de lixo, e troncos de árvores cortados e jogados deliberadamente na pista”, foi assim que a Polícia Rodoviária Federal de Santa Catarina relatou em nota como foram os protestos golpistas no estado nessa última semana.

A corporação afirmou ainda que os atos foram na maior parte dos casos “ocorrências criminosas e violentas, promovidas no período noturno por baderneiros, homens encapuzados extremamente violentos e coordenados”. Segundo a PRF, na maior parte dos cerca de 30 pontos de bloqueio, “os métodos utilizados lembraram os de terroristas”. Apesar da nota dura, a polícia catarinense prendeu apenas um terrorista, que foi solto no dia seguinte e já está dormindo no quentinho da sua cama.

A escalada golpista já ultrapassou a fronteira do terrorismo. Os atos violentos aconteceram também em outros estados. No Mato-Grosso, onde Bolsonaro teve quase 70% dos votos, os golpistas  se mostraram ainda mais numerosos e violentos. No interior do estado, homens armados atacaram a base da concessionária que administra a BR-163 com tiros e coquetéis molotov. Queimaram guinchos, ambulâncias, os postos de pedágio e atiraram contra uma viatura policial.

Em Rondônia, os terroristas destruíram uma tubulação de água de um reservatório do município de Ariquemes, deixando parte da população sem abastecimento de água. Caminhões foram depredados, saqueados e incendiados. Um caminhoneiro que tentou furar o bloqueio foi perseguido, apedrejado e imobilizado com uma corda.

No interior do Paraná, uma van em excursão para o Beto Carrero, com 12 alunos e uma professora, colidiu com uma barreira de terra erguida pelos terroristas no meio da madrugada. Alguns estudantes  ficaram feridos.

Já faz quase um mês que os golpistas estão nas ruas incitando as Forças Armadas a se levantarem contra outras instituições — o que é inequivocamente um crime — sem que nada lhes aconteça. Esses protestos são criminosos mesmo quando pacíficos. Como se já não bastasse a impunidade, esses golpistas ainda costumam ser tratados a pão-de-ló pelas polícias que deveriam prendê-los. A escalada de violência iniciada por parte desses criminosos na última semana é, portanto, uma consequência natural. Naturalizou-se o crime e, nessa toada, o próximo passo será a naturalização de atos terroristas.  A escalada de violência se iniciou logo após uma decisão do ministro Alexandre de Moraes que bloqueou as contas bancárias de 43 bosonaristas suspeitos de financiarem os protestos na frente dos quartéis e nas estradas. A represália é clara. Os criminosos estão testando os limites do judiciário. Os ataques violentos tendem a aumentar se os líderes e financiadores do golpismo não começarem a ser presos.

Esqueça o vovô e a vovó reaça que vão de bengala e bandeira do Brasil pedir golpe na frente de quartel. Esqueça os idiotas que estão nas ruas pedindo socorro aos alienígenas. Esses reaças caricatos são inofensivos, apesar de igualmente criminosos. Agora a coisa extrapolou para a bandidagem armada e organizada. Uma bandidagem que atira na polícia, taca fogo em caminhão e ambulância, amarra e apedreja motorista que fura bloqueio, rouba carga de caminhão e protagoniza uma série de outros atos terroristas.

Tudo isso está acontecendo sob o silêncio conivente do presidente da República, que abandonou o trabalho desde que perdeu a eleição e só voltou recentemente para organizar uma outra frente do golpismo. Bolsonaro busca criar fatos políticos que façam com que os golpistas nas ruas sigam mobilizados. O último factóide foi uma ação aberta no TSE  pedindo a anulação dos votos de quase 280 mil urnas que estariam com problemas. Valdemar da Costa Neto, aquele que sempre defendeu a lisura das urnas eletrônicas, foi pressionado por Bolsonaro para contestar judicialmente o segundo turno das eleições. A petição foi baseada numa auditoria fuleira criada por um instituto ligado ao bolsonarismo.

Alexandre de Moraes, o terrível Xandão, deu 24 horas para o PL apresentar também a auditoria dessas mesmas urnas no primeiro turno, o que não aconteceu. Claro, a anulação das urnas no primeiro turno poderia prejudicar a eleição da base parlamentar e dos governadores do PL. Valdemar, então, convocou uma nova coletiva e recuou, dizendo que não pretendia anular as eleições. Mas não deu muito certo. No despacho em que pede para a corregedoria eleitoral apurar o caso, Xandão apontou litigância de má-fé por parte da coligação bolsonarista e citou “possível cometimento de crimes comuns e eleitorais com a finalidade de tumultuar o próprio regime democrático brasileiro”. Além disso, impôs uma multa de R$ 22,9 milhões à coligação.

Valdemar sabe que não há problema nenhum com as urnas, mas cumpre as ordens do capitão porque tem uma dívida —  e o rabo preso — com ele. O PL se agigantou com a chegada de políticos bolsonaristas, tornando-se a maior bancada da Câmara e do Senado. Hoje, Valdemar é o político que comanda o maior orçamento do fundo partidário. E, como se sabe, é esse tipo de coisa que historicamente moveu Valdemar na política brasileira. Xandão acertou em mexer no bolso da turma, ainda que isso seja insuficiente para frear a violência do movimento golpista nas ruas e pode até alimentá-la.

No dia seguinte à decisão, Bolsonaro interrompeu o abandono de emprego mais uma vez para se reunir com a cúpula das Forças Armadas, que são direta e indiretamente responsáveis pela escalada de violência nos atos golpistas. Indiretamente por se omitir, diretamente por instigar os atos criminosos com declarações de apoio. Uma série de generais e coronéis tem feito declarações em apoio aos criminosos que se aglomeram em frente aos quartéis e nas estradas. Ataques dos militares a Xandão, Lula, Alckmin e PT, por exemplo, foram normalizados. Esse tipo de manifestação político-partidária de agentes das Forças Armadas é proibida, mas sabemos que eles não temem a lei.

A última vez que Bolsonaro havia se reunido com a cúpula das Forças Armadas foi no último dia 11. Horas depois da reunião, comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica divulgaram uma carta em que não recriminam os protestos golpistas em frente a quartéis Brasil afora e defenderam a liberdade dos “manifestantes”. Nesta semana, o general Braga Netto, foi além e incentivou de maneira velada os criminosos a continuarem a cometer crimes: “não percam a fé. É só o que eu posso falar agora”, disse depois de abraçar os golpistas na rua.

O caráter terrorista que os atos golpistas têm tomado são resultado direto do incentivo do Presidente da República, das Forças Armadas e de políticos bolsonaristas. Esses movimentos não podem mais ser tratados de maneira cômica, como sendo fruto de uma meia dúzia de lunáticos que acreditam em mentiras absurdas do Whatsapp. Por trás deles existe uma máquina financiada, que não deve ser subestimada. De qualquer maneira, essa máquina começa a dar sinais de problema. O bolsonarismo está agonizando, mas isso não deve ser motivo para comemorarmos. É nesse momento em que ele se torna mais perigoso. O golpe não vingará, mas o estrago pode ficar muito maior. Qual será o próximo passo dos terroristas? Homens-bomba?

Faltam ações contra atos golpistas porque Bolsonaro contaminou as instituições

Os atos golpistas bolsonaristas prosseguem na falta de ações porque o presidente Jair Bolsonaro contaminou as instituições. É o que destaca o jurista Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff (PT), em entrevista ao programa Revista Brasil TVT. O especialista analisa os atos golpistas, que atentam contra a democracia, e alertou para uma escalada na violência por parte de seus promotores.

Desde 30 de novembro, após o segundo turno, uma minoria de bolsonaristas passaram a ocupar diversas rodovias pelo país e a frente de quartéis. O objetivo é contestar o resultado das urnas, que garantiu a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre Bolsonaro. Apoiadores do candidato à reeleição derrotado chegaram a bloquear, inicialmente, mais de 200 trechos de estradas federais, exigindo ainda intervenção militar. No entanto, os bloqueios golpistas foram se reduzindo em quantidade. Mas se tornando mais violentos.

Aragão faz coro a outras vozes: Há uma certa omissão por parte dos órgãos responsáveis pela desmobilização das ações. Nesta quarta (23), o ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União (TCU), solicitou esclarecimentos à Polícia Rodoviária Federal (PRF) sobre o combate aos bloqueios de rodovias. A avaliação é de que há “suposta omissão da PRF no cumprimento de suas obrigações constitucionais e legais”, ao deixar de atuar contra os bloqueios.

Bolsonaro contaminou instituições

O Ministério Público também apontou que “dirigentes e agentes fiscalizadores do órgão teriam sinalizado apoio aos caminhoneiros. Isso ao não desmontar os bloqueios nas estradas, em possível descumprimento de decisão do STF”. Ñisso Eugênio Aragão reconhece que “as instituições, principalmente as de segurança pública, estão contaminadas pelo bolsonarismo que se infiltrou em todos escalões”, conforme destaca aos jornalistas Ana Rosa Carrara e Cosmo Silva.

O jurista pondera, porém, que há agentes públicos agindo de “forma exemplar”. E cita como exemplo parte do Judiciário, como a atuação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Na semana passada, o ministro determinou o bloqueio de contas bancárias de 43 pessoas físicas e empresas suspeitas de financiar atos golpistas. “Não podemos generalizar”, explica. “Mas que as instituições estão contaminadas, isso é um fato”. ressalta.

O jurista avalia que um “basta” a esses ataques só será possível com a mudança do governo federal, em 1º de janeiro, quando também muda o comando das forças de segurança. Aragão ainda diz que será necessário “um pente-fino para saber quem esteve presente nesses atos, quem foi ou não conivente”. “Vai ser um trabalho muito grande porque não vai se resumir, por um lado, ao diálogo e, por outro, ao uso da força para demover esses indivíduos dessas atitudes. Mas também de rastrear dentro das instituições quem é que tem sido conivente com esse tipo de comportamento e com isso tem ferido o seu dever nacional”.

Violência de golpistas em prol de Bolsonaro só aumenta

Aragão alerta ainda para o aumento da violência nesses atos antidemocráticos. A própria PRF reconheceu nos últimos dias que a violência bolsonarista tem crescido. A corporação informou ainda que foram flagrados crimes nas manifestações. Em Itapema, no litoral norte de Santa Catarina, apoiadores de Bolsonaro estão sendo investigados pelo crime de tortura contra um homem que criticou as manifestações golpistas no estado. O crime ocorreu no domingo (20).

Em Sorriso, no Mato Grosso, bolsonaristas chegaram a impedir uma criança, de 9 anos de seguir viagem para Cuiabá, onde faria uma cirurgia para não perder a visão. O pai dela, Eder Rodrigues Boa Sorte, foi ameaçado com facões e foices por cerca de 10 homens quando tentava negociar a passagem.

“Ou seja, é de uma desumanidade, barbaridade e canalhice fora de qualquer parâmetro que já vimos antes. Coisa de Bolsonaro mesmo, aquele sujeito que disse à colega no parlamento que ela ‘não merecia ser estuprada porque era feia’”, contesta o ex-ministro. De acordo com Aragão, trata-se de um “tumulto maquinado” que “nada tem de espontâneo” impulsionado pelo silêncio de Bolsonaro e pela conspiração de aliados.

PL que anistia golpistas é inconstitucional, diz ABJD

O deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO) propôs um projeto de lei que anistia manifestantes e financiadores de protestos golpistas contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Com bloqueios em rodovias e acampamentos em frente a quartéis militares, os manifestantes bolsonaristas pediram golpe militar e invalidação do resultado das urnas, o que é inconstitucional.

No texto apresentado ao plenário da Câmara, o parlamentar propõe o perdão a manifestantes, caminhoneiros, empresários e “todos os que tenham participado de manifestações nas rodovias nacionais, em frente a unidades militares ou em qualquer lugar do território nacional”. A proposta da anistia é válida para todos os crimes cometidos entre o dia 30 de outubro e a data em que a lei entre em vigor.

“Do ponto de vista objetivo da constitucionalidade, o projeto traz incompatibilidades incontornáveis”, afirmou Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Segundo a ABJD, a proposta viola o pacto federativo, cláusula pétrea da Constituição, ao impedir que os estados busquem indenização pelos danos causados durante os protestos golpistas. Além disso, o PL atropela a Comissão de Anistia do Ministério da Mulher, da Família dos Direitos Humanos, órgão responsável por decidir por requerimentos de anistia.

A proposta do Major Vitor Hugo prevê anistia para “o financiamento, a organização e o apoio de qualquer natureza, além das falas, comentários ou publicações em redes sociais ou em qualquer plataforma na rede mundial de computadores”. O perdão não se aplicaria a crimes contra a vida, contra a integridade corporal, de sequestro ou de cárcere privado, segundo o texto apresentado pelo parlamentar.

Para o integrante da ABJD, a apresentação da proposta já é, em si, a confissão dos crimes. “O deputado [Major VItor Hugo] reconhece que seus apoiadores praticaram ilícitos administrativos, cíveis e penais e tenta livrá-los do rito da aplicação do devido processo legal, o que novamente atenta contra o estado democrático de direito”, avalia o jurista.

Autor do PL legisla em benefício próprio e de seu partido, diz ABJD

O projeto absolve quem “ingressou em juízo e as consequentes condenações por litigância de má-fé em processos de cunho eleitoral relacionados ao pleito presidencial de 2022. A proposta ainda quer a anulação das multas aplicadas pela Justiça Eleitoral a pessoas físicas e jurídicas que participaram dos protestos golpistas.

A litigância de má-fé, que é o uso da justiça para atingir objetivos ilegais, foi a justificativa usada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, para multar em R$ 22 milhões o Partido Liberal (PL), do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do Major Vitor Hugo.

“Aqui o autor do PL legisla em beneficio próprio e de seu partido, em evidente desafio a decisões judiciais. É claro que este não é cabível no direito brasileiro”, avalia o integrante da ABJD.

“A tradição brasileira de conciliação sempre significou conciliar contra a democracia contra pobres e minorias. Não temos alternativa para proteger a democracia senão punir aqueles que a querem destruir”, aponta o jurista.


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